
Londres instituiu a política de taxação de congestionamento em 2003 e a medida é bem-sucedida até hoje. O que deu certo nessa experiência? (Foto: mariordo59/Flickr)
Este post foi escrito por Shiyong Qiu, Thet Hein Tun e Darío Hidalgo e publicado originalmente no TheCityFix.
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“Por Cidades Livres de Carros” é uma série de posts da equipe de mobilidade urbana do WRI Ross Centro para Cidades Sustentáveis que explora os desafios e oportunidades para estratégias de Gestão de Demanda de Viagens (GDV). A GDV tem foco na redução do uso de veículos particulares a partir da combinação de políticas públicas e soluções do setor privado. É um componente essencial para um planejamento de transporte sustentável abrangente que complementa o transporte coletivo e o transporte ativo.
Através das experiências de Nova York, Estocolmo e Londres, a série examina as barreiras sociais e políticas que as cidades precisam superar para implementar estratégias de GDV com sucesso. A série também discute as tendências futuras de GDV e suas implicações, particularmente no mundo em desenvolvimento.
Em 2002, os motoristas de Londres passaram, em média, metade do seu tempo de deslocamento presos no trânsito, e o transporte rodoviário foi responsável por 95% da poluição de partículas finas no centro da cidade.
A taxação de congestionamento é um conceito direto: se os recursos são escassos (espaço das vias), não podem ser cedidos de forma gratuita, ou todos tentarão utilizá-los ao mesmo tempo (congestionamento), gerando prejuízo para todos. Funcionalmente, a cobrança em Londres, instituída em 2003, é baseada em uma área. Diferente de Estocolmo, onde os preços variam conforme o horário e os motoristas são cobrados sempre que passam por pontos de controle, em Londres há apenas uma cobrança: £11,50 (cerca de R$ 55) para circular na zona em que a taxação é aplicada, uma área de 21 quilômetros quadrados (veja na imagem abaixo). A medida tem funcionado. A zona de cobrança ainda está ativa e o uso do carro diminuiu desde que a medida foi implantada. E os congestionamentos, embora ainda sejam um desafio, estão melhores do que seriam no cenário alternativo.

Mapa da atual zona de taxação de congestionamento em Londres (Fonte: Transport for London)
No entanto, ainda que muitas cidades tenham considerado implementar a taxação de congestionamento, são poucas as histórias de sucesso. O que, então, funcionou em Londres? Para entender essa questão e descobrir que práticas poderiam ser replicados em cidades chinesas como Pequim, o WRI China entrevistou os “fundadores” da medida, entre os quais o ex-prefeito de Londres, Ken Livingstone, que destacou três fatores para o sucesso da capital inglesa.
1. Vontade política e estrutura institucional centralizada
A receita para implementação bem-sucedida da taxação de congestionamento contêm um clima político propício à mudança e uma liderança disposta a levar a medida adiante. Londres tinha as duas coisas. Em 1999, a Greater London Authority foi criada com um prefeito executivo eleito de forma direta. O recém-formado governo regional facilitou a criação de políticas para toda a cidade, um avanço em relação ao arranjo anterior que considerava as divisões de 33 bairros.
A qualidade do transporte coletivo foi uma das principais bandeiras da campanha de Ken Livingstone, com o objetivo de melhorar a competitividade econômica e o bem-estar das pessoas na cidade. Ele planejou a taxação de congestionamento como uma maneira de reduzir o tráfego no centro da cidade e criar mais espaço para os ônibus. Depois de tomar posse, Livingstone estabeleceu a Transport for London (TfL), que centralizou a gestão de transportes na cidade e tem controle considerável sobre as políticas de mobilidade até hoje. As ações do ex-prefeito ajudaram a tornar possível a política de taxação de congestionamento, superando dificuldades legislativas encontradas em outras cidades, como Nova York.
2. Intensa comunicação e participação da sociedade
O sucesso do caso de Londres também veio do fato de que as pessoas entenderam e apoiaram a medida. “A TfL assegurou a ampla disponibilização de informações para responder todas as dúvidas”, contou o ex-vice-presidente da agência, Dave Wetzel. O trabalho teve início com uma intensa campanha publicitária, no site da TfL, jornais da cifade, rádio pública e televisão para informar e educar as pessoas sobre como funcionaria a nova medida e que mudanças traria para moradores e motoristas. Foram respondidas desde as dúvidas mais elementares, como “o que é taxação de congestionamento”, “quanto vai custar” e “como será feito o pagamento”.
A TfL também participou de assembleias comunitárias e organizou uma série de consultas públicas com atores-chave envolvidos. “Em cada etapa da implementação, a agência considerou as recomendações da sociedade, realizando os ajustes necessários no plano”, acrescenta Wetzel. “E não foi da boca para fora”, ele emenda. “Nós ouvimos o que as pessoas diziam. Onde era possível – porque às vezes nos deparávamos com visões contraditórias –, fazíamos os ajustes. No fim, a medida ficou bem melhor do que teria sido se tivéssemos seguido apenas nossa ideia inicial. Nós melhoramos a política ouvindo as pessoas, através de um processo de consulta genuíno e transparente, e incorporando muitas de suas sugestões”.
3. Integração tarifária e melhora do transporte coletivo
A taxação de congestionamento era um dos focos da campanha de Livingstone, mas não chegou sozinha: fez parte de um pacote de melhorias para o transporte coletivo. “É simples: quanto mais você investir em estradas e vias, mais congestionamentos vai criar”, afirma. “Invista em transporte coletivo”.
Em agosto de 2002, a TfL criou uma equipe para desenvolver estratégias de priorização dos ônibus, por exemplo. No primeiro dia de vigor da taxação, 300 novos ônibus foram adicionados ao sistema para atender a área central de Londres e garantir que os moradores tivessem outras opções de transporte disponíveis. A agência também introduziu um sistema de cobrança inteligente utilizando o cartão Oyster para unificar o pagamento de diferentes modos. A estratégia era engajar ao mesmo tempo oferta e demanda.
Sobretudo, a receita gerada com a taxação de congestionamentos – que de acordo com a TfL foi de aproximadamente US$ 2,5 bilhões nos primeiros 15 anos – foi utilizada exclusivamente em investimentos em mobilidade, principalmente no transporte coletivo e não motorizado.

Divisão modal dos transportes de superfície na área central de Londres nos horários de pico da manhã. A parcela representada pelo ônibus caiu 20% entre 2014 e 2016, possivelmente em decorrência de congestionamentos. O uso da bicicleta, porém, aumentou 230% desde 2000 (Fonte: Travel in London: Report 10)
Uma cidade em constante mudança
Londres viveu mudanças substanciais no primeiro ano da taxação de congestionamento. Dados da TfL mostram que o número de automóveis que entram na zona de cobrança no horário taxado caiu 30%, enquanto a quantidade de ônibus circulando na área aumentou 20%, chegando a quase três mil ônibus no horário de pico da manhã. Essas mudanças, aliadas a uma tarifa relativamente baixa para o transporte coletivo (£1, ou R$ 4,80, por passagem), resultaram em um aumento de quase 40% dos passageiros de ônibus na área cobrada durante nos horários de pico.
A taxação de congestionamento também contribuiu para a segurança viária e as condições ambientais. O número de acidentes envolvendo motos e bicicletas caiu 8% e 7%, respectivamente, mesmo diante de uma maior quantidade (15%) desses veículos circulando na área de abrangência da política. Além disso, as emissões de carbono no centro de Londres reduziram 20%, e as de óxidos de nitrogênio, 12%. Uma estimativa sugere que os benefícios combinados do primeiro ano da política de taxação chegaram aos £ 50 milhões (R$ 239 milhões, em valores atuais).
O lançamento da taxação de congestionamento em Londres é um exemplo para outras cidades que estejam planejando implementar políticas semelhantes. Agora, a capital inglesa enfrenta novos desafios de transporte, à medida que as tecnologias continuam a evoluir. Na verdade, devido ao aumento da atividade de serviços como o Uber e da circulação de veículos de entrega (em decorrência do boom no e-commerce), o congestionamento na cidade aumentou nos últimos anos. Ao mesmo tempo, ruas abertas para pedestres, alargamento de calçadas e a implementação de ciclovias ajudaram a reduzir o espaço dos carros.
Essas mudanças, contudo, têm menos a ver com o uso pessoal do carro, que continuou a diminuir desde 2000, do que com a revolução da nova mobilidade. Atualmente, Londres busca se adaptar mais uma vez. A cidade está trabalhando em articulações jurídicas com a Uber para melhorar os processos de prestação de contas. A área de abrangência da taxação de congestionamento provavelmente será expandida para cobrir toda a cidade e usará pedágios eletrônicos para cobrar os motoristas conforme horário, local e quanto tempo passaram dirigindo. A capital inglesa também está introduzindo uma taxa de toxicidade, ou T-charge, para ajudar no combate à poluição e que futuramente evoluirá para uma “zona de emissão ultra baixa”. Unindo as diferentes as ações, a recém lançada “Estratégia de Transporte do Prefeito” aposta que até 2041 Londres terá aumentado para 80% a participação da caminhada, da bicicleta e do transporte coletivo na divisão modal da cidade.