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Espaços Públicos: a participação como ferramenta para construir cidades mais democráticas
oficina, participação social

Oficina de participação em Olinda: conhecer as necessidades da população ajuda a conceber projetos urbanos efetivos e a criar cidades e espaços públicos melhores (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

Nossas impressões de uma cidade são formadas principalmente pela qualidade dos espaços públicos. Se não forem agradáveis e conservados, se transmitirem uma sensação de insegurança, dificilmente voltaremos. O bom planejamento desses espaços deve ser a regra, não a exceção. Na série “Espaços Públicos”, exploramos diferentes aspectos relacionados aos espaços públicos que determinam nossa experiência cotidiana nas cidades. No terceiro post, exploramos a participação social como ferramenta para construção de espaços e cidades mais democráticas.

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As pessoas influenciam o ambiente construído e o ambiente construído influencia as pessoas. Essa inter-relação, nem sempre evidente, aparece em algumas sutilezas cotidianas: de um lado, a presença de mobiliário que convida as pessoas a ocuparem um espaço, o novo café do bairro que dispõe mesas na calçada, uma boa iluminação; de outro, edifícios cercados por muros, o parque mal iluminado que traz sensação de insegurança. Essa troca entre pessoas e espaços/construções, do mesmo modo que a participação da sociedade no planejamento desses ambientes, ajuda a construir espaços públicos e cidades mais democráticas e equitativas.

Daisy Froud, especialista em engajamento comunitário e planejamento participativo, acredita que bons processos de participação popular podem gerar contribuições significativas para a tomada de decisão nas cidades. Conforme a especialista,

a participação popular na produção do ambiente construído é uma forma de política, e só será efetiva se for de fato encarada e gerenciada como tal. O bom envolvimento da comunidade, melhor traduzido como “participação cidadã”, é o processo de utilizar métodos e ferramentas apropriados para explorar, negociar e – muito importante – responder de forma adequada a pergunta “quem ganha o quê, quando e como?”.

No que diz respeito aos espaços públicos – locais de uso coletivo por definição –, a participação social se faz ainda mais importante: é um componente estratégico para garantir que as áreas não acabem subutilizadas. Ouvir as pessoas faz diferença na escala dos projetos, que passam a considerar as necessidades e o conhecimento da comunidade local, mas também pode ter impactos no nível dos bairros ou mesmo da cidade como um todo, se processos participativos forem adotados em diferentes escalas e tomadas de decisão. Esse é um movimento fundamental por duas razões principais:

1) Os moradores têm experiências e conhecimentos a respeito do local onde moram diferentes daqueles dominados por urbanistas, planejadores e gestores públicos. A expertise da comunidade local é o elemento qualificador que garante que os projetos atendam às demandas específicas da área onde serão implementados.

2) O envolvimento das pessoas no planejamento dos espaços a seu redor gera um sentimento de responsabilidade conjunta pelos resultados obtidos: as pessoas sentem-se parte do ambiente e, ao mesmo tempo, responsáveis por sua qualidade, o que acaba criando um círculo virtuoso de placemaking.

Por que promover a participação

Eventos de participação social são ocasiões que promovem a participação ativa das pessoas nos debates e deliberações sobre o futuro da cidade ou do bairro onde moram. Esses encontros precisam ser realizados com frequência e incentivados. De acordo com Daisy, é possível observar um interesse crescente das pessoas por esses espaços de diálogo: “as pessoas sabem (ou sentem) que uma democracia saudável precisa ser praticada, e não apenas “afirmada”, para que possa se manter e evoluir. Sabem também que essa democracia precisa ser discutida abertamente, nos espaços públicos, e querem apropriar-se das informações e dados disponíveis para participar de forma ativa desse diálogo”. Audiências públicas, oficinas de participação, consultas, reuniões com lideranças comunitárias e associações de moradores, entre outros formatos, são algumas possibilidades de reunir as pessoas para promover a participação.

As pessoas têm direito à cidade, mas também de fazer a cidade. O sociólogo Henri Lefebvre, autor do livro “O direito à vidade”, argumenta que, independentemente de sua origem, aqueles que vivem em uma cidade – e que, portanto, diariamente utilizam e ao mesmo produzem os ambientes urbanos a partir de suas atividades e de seu trabalho – têm tanto direito de participar das decisões sobre determinada área quanto aqueles que detêm a posse do terreno. Na visão do especialista, a noção de “direito à cidade” não diz respeito apenas ao direito de estar a cidade, mas também de moldá-la, de construí-la, de se apropriar de seus espaços também por meio da participação política.

A participação social beneficia a cidade e a democracia. Hoje, é possível perceber que as pessoas não se sentem representadas de forma adequada na maneira como as decisões sobre as cidades costumam ser tomadas. Um processo de planejamento que promova o envolvimento das pessoas desde a etapa de concepção dos projetos garante a participação efetiva dos moradores, que poderão decidir sobre mudanças que impactarão o lugar onde vivem e, consequentemente, suas vidas.

Democracia urbana

Ao conciliar demandas da sociedade com as necessidades do setor público, a participação cidadã ajuda a aumentar a efetividade de projetos e políticas e, em contrapartida, a reduzir a ineficiência da gestão pública. O processo está relacionado à descentralização de poder, ao compartilhamento de responsabilidades e à criação de canais que favoreçam o diálogo, a transparência e a disponibilização de informações. Trata-se, em suma, de promover a democracia urbana. E a cidade só tem a ganhar.

Espaços públicos de qualidade e que atendem às necessidades da população resultam de bons processos participativos (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

Boas práticas de participação, em especial no que diz respeito à transparência nas tomadas de decisão, fornecem contribuições significativas à política espacial urbana, ajudando a criar espaços públicos mais democráticos, equitativos e consonantes às necessidades e demandas da população. Geram dados estratégicos para embasar decisões justas e eficientes por parte da administração pública. Ajudam, enfim, a criar novos modelos de planejamento e governança, capazes não só de ouvir as pessoas, mas de levar para os projetos urbanos o que essas vozes têm a dizer.

O diálogo com a população, sabe-se, pode ser marcado por reivindicações, objeções, críticas. Nas oportunidades que encontram, as pessoas expõem seus problemas: podem se mostrar insatisfeitas com a gentrificação dos espaços, preocupadas com o impacto dessas mudanças em suas vidas e com a ineficiência do setor público em atender necessidades locais. Para ser bem feito e eficaz, o processo de participação é longo e deve ser pensado também a longo prazo. Muitas vezes, infelizmente, as administrações municipais evitam assumir esse papel, pois ao criar expectativas na população é preciso atendê-las – ou as críticas serão ainda mais fortes. Mas o fato é: se o que as pessoas dizem for ouvido e considerado nos processos de planejamento e gestão, os resultados sempre serão melhores e mais sólidos do que seriam sem esse diálogo.

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Este texto foi adaptado a partir do artigo “Falando de arquitetura com estranhos”, de Daisy Froud, publicado na coletânea “Making good – shaping places for people” (em português, “Fazendo o bem – formando espaços para pessoas”), produzida pela Centre for London e disponível aqui.

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