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“Bicicletas são um caminho sem volta”: entrevista com José Carlos Aziz Ary
José Carlos Aziz Ary participou do primeiro Manual de Bicicletas do Brasil (Foto: Aloha Boeck / WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

José Carlos Aziz Ary participou do primeiro Manual de Bicicletas do Brasil (Foto: Aloha Boeck / WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

José Carlos Aziz Ary é um dos precursores do incentivo ao uso da bicicleta no Brasil. Engenheiro formado pela Universidade Federal do Ceará, começou uma especialização na Bélgica e descobriu uma população que optava mais pela bicicleta para os deslocamentos. De volta ao Brasil, ao lado de Antônio Carlos Matos Miranda, integrou o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (GEIPOT). Em 1976, após pesquisas e baseado na sua experiência pessoal na Bélgica e nas experiências de países como França e Holanda com o uso de bicicletas, eles concluíram o Planejamento Cicloviário: Uma Política Nacional para o Uso da Bicicleta, adotado como primeiro documento oficial para o uso das bicicletas no Brasil.

Nos anos 2000, foi convidado novamente para colaborar com a elaboração de uma nova versão, chamada Manual de Bicicletas, que considera um documento muito mais elaborado e estruturado.  Em participação no workshop “Estratégias de Incentivo ao Ciclismo Urbano em Fortaleza”, realizado em Fortaleza pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis, com o apoio da Iniciativa Global em Segurança Viária da Bloomberg Philanthropies, Ary comentou sobre as diferenças entre o comportamento no Brasil e na Europa: “Antes, a bicicleta no Brasil era uma intrusa, transparente. Víamos pessoas de baixa renda utilizando, mas ninguém percebia. Na Bélgica, por exemplo, não havia uma política para bicicletas, mas as pessoas eram ciclistas por natureza, mesmo que tivessem carro. A escolha do modal se dava em função dos tipos de viagem que eram feitas”.

Com uma camiseta com a frase “O veículo do futuro foi inventado há muito tempo”, Ary compartilhou conosco sua visão sobre o cenário da bicicleta no Brasil. Confira:

Na época do primeiro documento que vocês produziram, não se falava muito sobre infraestrutura cicloviária. Como foi a aceitação daquele trabalho?

Tivemos uma aceitação extraordinária, não pela qualidade do trabalho em si, mas pela oportunidade e pela expectativa, que ainda não era manifestada. Somente depois que o documento foi concluído – e que as pessoas viram que é possível e desejável fazer alguma coisa pela segurança e pelo conforto dos ciclistas – houve uma repercussão grande, muito surpreendente pra mim. Nunca pensei que pudesse participar de um trabalho que tivesse uma repercussão nacional, mas foi o que aconteceu. De lá pra cá, o interesse só aumentou, e nos últimos anos cresceu extraordinariamente pela adoção de políticas públicas como os programas de bicicletas compartilhadas, a construção de ciclovias e, também, a sinalização pelas autoridades de que isso é importante. A própria execução dos projetos serve para que as pessoas também tenham mais conhecimento do que é possível fazer.

Em que momento estamos no Brasil em relação ao uso de bicicletas como meio de transporte?

Estamos em um momento que não é mais totalmente inicial. Acredito que esse movimento veio para ficar. No início, eu temia que a aceitação das políticas para a bicicleta acabasse sendo um modismo. Mas nós vimos que, no mundo inteiro, isso está sendo feito e acolhido. Me parece um caminho sem volta.

Como você acha que o ciclista se sente no Brasil em comparação aos usuários de outros modais?

Ainda se sente um pouco receoso, o que é normal. Muita gente – principalmente quem é acostumado a se deslocar de automóvel – tem receio. Eu imaginava, por conta da violência, que esse projeto de bicicletas compartilhadas, no caso específico de Fortaleza, não ia pegar. Eu mesmo era pessimista. No entanto, observamos que as pessoas estão usando, até com bastante intensidade. E vemos muitas mulheres pedalando também, um ponto importante e que antes praticamente não se via.

Daqui para a frente, quais as perspectivas para o desenvolvimento da infraestrutura cicloviária no Brasil?

Acredito que a aceitação, a consciência e a adoção de políticas públicas também são novidade, porque as autoridades antes não davam a menor importância. No ano 2000, lançada a nova versão do Manual de Bicicletas, a situação era embrionária e deixava bastante a desejar, o status da bicicleta era muito baixo. Depois, com o respaldo das bicicletas compartilhadas sendo usadas nas grandes cidades pelo mundo todo, as autoridades brasileiras também começaram a experimentar e foi dando certo. Essa é uma política sem volta. A bicicleta não é uma solução para o trânsito, mas dá uma contribuição importante. Cada modo de transporte tem seu papel e seu público, e a bicicleta nunca vai ser a única solução, mas vai complementar de forma econômica, ecológica e saudável as necessidades de deslocamento da população em geral.

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