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Bogotá foi recentemente intitulada como a cidade com o sistema de trânsito menos seguro para mulheres, muito por conta de uma epidemia de agressão sexual (definido aqui como qualquer tipo de contato sexual indesejado). De acordo com uma pesquisa conduzida no ano passado na Colômbia e na Bolívia como parte da Lee Schipper Memorial Scholarship, 38% das mulheres usuárias do TransMilenio, sistema BRT de Bogotá, sofreram assédio. O caso do TransMilenio é extremo, mas está longe de ser o único a enfrentar esse tipo de crise. No El Alto, Bolívia, 20% das mulheres, uma em cada cinco, sofreu assédio.
As condições dentro dos sistemas de trânsito, tais como a extrema superlotação, isolamento e falta de prestação de contas, geralmente contribuem para a agressão sexual, além de ter como resultado a falta de punição para os agressores. No entanto, as normas culturais também desempenham um papel na normalização e banalização da violência contra a mulher. A comunidade de transportes sustentáveis deve reconhecer isso e trabalhar para mudar tais condições e cultura – incluindo a própria.
Assédio sexual é uma crise de saúde pública
O risco de agressão sexual viola o direito das mulheres de acesso ao espaço público com segurança, e as agressões podem ter consequências prolongadas para as vítimas. Um estudo descobriu que um terço das vítimas sofre consequências psicológicas duradouras e quase dois terços são obrigadas a mudar o seu comportamento de alguma forma – muitas começam a prestar mais atenção à proximidade de outras pessoas (um comportamento conhecido como hipervigilância). Para aqueles que dependem do transporte coletivo, evitar multidões pode ser tarefa impossível. Uma usuária do TransMilenio descreveu sua tensão contínua, seis anos depois de ter sido agredida:
“Eu estava esperando pelo TransMilenio, e esse cara apareceu por trás de mim e começou a esfregar suas genitais em mim. Eu pensei que era por conta da plataforma lotada, mas quando entrei no TransMilenio, ele ficou para trás na plataforma. Ele estava olhando para outras mulheres, com certeza para fazer o mesmo com elas. Eu ainda não me sinto confortável no TransMilenio. Você está sempre na defensiva para que não toquem em você, olhando em volta para ver quem está na sua frente, quem está atrás de você, para ver quem está a sua volta”
Esse estado constante de estresse e hipervigilância impacta o emocional e bem-estar psicológico das passageiras, e pode eliminar a confiança em qualquer pessoa à volta. Menos da metade das vítimas violentadas no TransMilenio acreditam que outros passageiros fossem intervir se presenciassem um abuso.
Superlotação facilita abusos
As lendárias superlotações do TransMilenio criam uma atmosfera na qual os passageiros cometem abusos com pouco receio de consequências sociais ou legais. A multidão normaliza o contato íntimo com desconhecidos. Como resultado, sensações físicas que seriam normalmente claras indicações de abuso podem ser ambíguas. Nos veículos mais lotados, pode até não ser possível saber quem, da meia dúzia de pessoas nas redondezas, está encostando. Vítimas e testemunhas têm dito se sentirem incapazes de intervir por conta da ambiguidade e anonimato dos agressores.
Mesmo em condições menos movimentadas, a normalização do contato íntimo diminui a chance de que o agressor seja detectado. Muitas mulheres descrevem sensação de alguém se pressionando contra elas e pensam que é por causa das condições de superlotação, apenas percebem mais tarde que o contato foi inadequado. Em geral, as mulheres que não enfrentaram ou não puderam enfrentar os abusadores no momento (ou não o relataram legalmente), expressam mais sentimentos negativos posteriormente.

(Uma grande multidão se reúne na plataforma TransMilenio, em Bogotá, Colômbia. Foto de Gwen Kash)
Uma cultura que desencoraja a ação
Algumas pessoas, tanto em países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, enxergam a agressão sexual como algo que é culpa da própria vítima. Um trecho de uma entrevista da Bolívia ilustra esse sentimento:
“Coloque uma jaqueta grossa! Não penteie o cabelo! Se você ficar andando por aí de calças jeans apertada, as pessoas vão olhar para você. Eles vão tocar em você.”
Homens e mulheres expressaram opiniões semelhantes, apesar de muitos terem rejeitado a ideia de que as mulheres são responsáveis pelos abusos. Uma campanha recente em Curitiba capturou essa crença alternativa: “Hoje eu saí de casa maquiada. Mas não foi por sua causa”.
Outros entrevistados sentiram que a frequência e os efeitos do abuso sexual foram exagerados, como, por exemplo, esses dois entrevistados colombianos:
“Tem mulheres que, para se sentirem importantes ou serem rebeldes, usam esses mecanismos para se vingar de alguém que não pagou a tarifa, ou não as deixaram passar, ou passaram na frente delas. É muito comum.”
“Quando você vai a um lugar onde há muitas pessoas, você vai ser tocado. Mas as mulheres, assim como os homens, sentem desejo sexual, assim que cerca de 15-20% das mulheres tiram proveito quando isso acontece a elas, certo? Mas desde que o movimento feminista apareceu, as mulheres se queixam de tudo.”
Embora essas opiniões sejam perturbadoramente comuns, é interessante notar que muitos dos entrevistados, homens e mulheres, rejeitaram essa ideia com todo o coração.
No entanto, o sexismo não é apenas um problema entre usuários de transporte coletivo. Os três trechos anteriores vieram de entrevistas com planejadores de trânsito de diferentes idades. Ao aumentar a compreensão sobre violência no transporte público, defende-se que o transporte sustentável não deve negligenciar e examinar suas próprias perspectivas.
O caminho para um trânsito seguro
Para tratar da maneira certa a agressão sexual nos sistemas de transporte, as pessoas que trabalham para defender a população desse problema precisam sensibilizar os usuários e os planejadores de trânsito, mostrando que a agressão é um problema real e com graves consequências. É fundamental identificar as medidas culturais e técnicas para reduzir ataques futuros para que as mulheres se sintam seguras utilizando o transporte público. As perspectivas das mulheres que sofreram agressão podem ajudar a encontrar possíveis soluções. Por exemplo, a experiência de ambiguidade que algumas vítimas disseram sentir pode ser útil para se concentrar em capacitar as vítimas e testemunhas a reagir de uma forma que evite o conflito. A abordagem à agressão sexual é vital para melhorar a segurança física e emocional das mulheres enquanto estão em seus deslocamentos diários.
Nos últimos meses, o TransMilenio deu um passo importante para tratar a questão da agressão sexual, quando representantes se reuniram com várias vítimas durante a fase final do estudo da Lee Schipper. Embora a consciência dos recursos existentes, como a Linha Roxa (telefone para denunciar abusos oferecido pela Secretaria das Mulheres), seja baixa, novas recomendações incluem a segmentação de campanhas de sensibilização para homens e mulheres e no treinamento e construção de confiança em agentes da polícia de trânsito.