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As pessoas são menos sociáveis em áreas com alto tráfego de veículos
rua sem tráfego de veículos

(Foto: Tim Venchus/Flickr-CC)

Morar em uma rua com movimento pode passar uma ideia positiva de lugar adequado para viver, com maior segurança e proximidade aos serviços básicos de que necessitamos mais frequentemente. Porém, essa impressão pode mudar completamente dependendo do tipo de movimento que estamos falando, o de pessoas ou o de veículos. Em paralelo ao advento do carro vimos surgir o conflito entre o tráfego de veículos e a habitabilidade das áreas. Através de muitas pesquisas, foi identificado que o trânsito em ruas residenciais é uma questão subjacente por trás da baixa qualidade de habitabilidade (ou livability).

Em 1969, o urbanista britânico Donald Appleyard realizou diversos estudos para descobrir se as ruas com maior fluxo de veículos e um bom nível de habitabilidade poderiam coexistir. Na sua análise, Appleyard examina três diferentes ruas de São Francisco, na Califórnia, escolhidas por serem idênticas em todos os aspectos, exceto um: a quantidade de tráfego. O estudo foi capaz de mostrar que apenas a mera presença dos carros, com suas implicações, como a ameaça à segurança, o barulho e a poluição, já prejudica a qualidade de vida nos bairros.

Em seus estudos, Appleyard perseguia seu forte interesse pelos efeitos sociais do trânsito no contexto de um bairro ou comunidade. “Pessoas sempre viveram nas ruas. Elas são os lugares onde as crianças primeiro aprendem sobre o mundo, onde vizinhos se encontram, os centros sociais das cidades. As ruas sempre foram o cenário desse conflito, entre habitar e acessar, entre residir e viajar”, disse Appleyard.

Os residentes das ruas com alto fluxo veicular se relacionavam menos entre si em comparação aos que viviam em ruas com menos carros passando. Nas figuras extraídas da pesquisa do urbanista, é possível ver uma quantidade muito maior de linhas de conexões entre as pessoas em locais de trânsito moderado e baixo. O desenho também indica com pontos os locais onde as pessoas se reúnem, que também estão em menores quantidades em locais de tráfego intenso de veículos.

conexões entre vizinhos

Interações sociais detectadas pela pesquisa de Appleyard em 1970. (Foto: Safe Street Strategies)

A pesquisa de Appleyard foi replicada em Nova York em 2005 e os resultados foram os mesmos. Em locais de tráfego leve, onde passavam 2 mil veículos por dia, cada pessoa disse ter três amigos na vizinhança e uma média de 6,3 conhecidos. Já em uma rua com 16 mil veículos por dia, esse número foi para 0,9 amigos por pessoa e 3,1 conhecidos.

O levantamento de 2005 também perguntou às pessoas como elas lidavam com o trânsito em suas ruas. “Eu saio para a rua com menor frequência” recebeu 43,5% das respostas em ruas com tráfego intenso e 2,6% nas vias com baixo tráfego. “Eu proíbo meus filhos de brincarem na rua” recebeu 21,7% das respostas nas vias mais movimentadas , enquanto em tráfego leve esse percentual foi nulo.

Vias arteriais

Em muitos casos, para defender a habitabilidade dos bairros, afastar o trânsito pareceu ser uma solução. A típica saída para o problema foi remover o trânsito das zonas residenciais e colocá-lo nas vias maiores das cidades. Esse tipo de decisão evoluiu para uma proposta que chamamos de vias arteriais, usadas pela ampla maioria do tráfego de veículos.

Para expandir o olhar de Appleyard, um novo estudo realizado pela Universidade do Colorado, em Denver, procurou avaliar o impacto dessas vias arteriais para pessoas que vivem próximas a elas. Conforme a pesquisa, viver perto de uma via arterial, até mesmo a várias quadras de distância, pode também afetar a satisfação residencial.

vias arteriais de uma cidade

(Foto: Dylan Passmore/Flickr-CC)

A pesquisa, controlada pela renda dos moradores, explorou as preocupações sobre ruído, poluição e segurança, e pediu aos participantes para definirem a sua vizinhança. Sem muitas surpresas, as ruas de menor tráfego apresentaram melhores resultados. Porém, as características das vias arteriais próximas fez variar muito a percepção dos moradores. A população próxima a corredores arteriais, com calçadas amplas, comércio e atividades se mostraram muito mais satisfeitas do que a população próxima às vias arteriais desoladas e sem uso misto.

“Ao tentar melhorar a habitabilidade, planejadores e engenheiros não podem mais focar inteiramente em ruas residenciais em questão. Cidades habitáveis exigem um planejamento a nível de rede, que enxerga além da preocupação com ruas específicas”, afirmam os responsáveis pelo estudo.

Todos esses conceitos de redes de infraestrutura e serviços e de estratégias de desenho urbano fazem parte do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), modelo de planejamento que busca contemplar a diversidade do uso do solo, com espaços seguros, acessíveis e atrativos nos quais as pessoas possam utilizar modos de transporte coletivos e sustentáveis.

O DOTS Cidades – Manual de Desenvolvimento Urbano Orientado ao Transporte Sustentável apresenta os elementos da mobilidade sustentável e exemplos de boas práticas adotadas em projetos urbanos. A metodologia adotada consiste na aplicação de um conjunto de estratégias, critérios e recomendações de desenho urbano para reverter a tendência do modelo urbano 3D – distante, disperso e desconectado.

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