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Paisagens urbanas e a (in)felicidade dos pedestres
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Fachadas inativas criam ambientes sem estímulos visuais que, a longo prazo, podem ser prejudiciais à saúde dos pedestres (Foto: J. Michel/Flickr)

A quem habituou-se a ver a cidade com o filtro da janela de um carro, a diferença talvez não salte aos olhos. Não é um predicado das cidades brasileiras: em diversas partes do mundo, observa-se o mesmo fenômeno – grandes lojas ou edifícios construídos em áreas características pela baixa verticalidade, contrastando com os pequenos estabelecimentos locais e os prédios de poucos andares.

Embora o movimento talvez não seja tão perceptível, essas grandes infraestruturas podem impactar mais do que a paisagem urbana e exercer efeitos psicológicos nos pedestres que convivem com o contraste todos os dias. O que acontece no cérebro de quem caminha pelas cidades e, num repente, deixa para trás pequenos cafés e restaurantes, com mesas e bancos nas calçadas, para avistar uma megaconstrução, normalmente falha em oferecer um piso térreo atrativo para os pedestres?

O neurocientista e psicólogo ambiental Colin Ellard dedicou-se a responder essa pergunta depois que, em 2007, uma rede de supermercados instalou uma de suas maiores lojas em um bairro de construções históricas em Nova York. O pesquisador da Universidade de Waterloo, no Canadá, dividiu alguns voluntários em dois grupos que foram direcionados a duas áreas do bairro: um grupo em frente ao novo hipermercado e o outro, a poucos passos de distância, em uma das ruas repletas de bares, restaurantes e intensa circulação de pessoas.

As pessoas deveriam responder um pequeno questionário sobre como se sentiam no ambiente e, ao mesmo tempo, usavam pulseiras capazes de medir a condutância da pele – estado de alerta e a velocidade dos reflexos para agir, prestar atenção ou responder a possíveis ameaças. Alguns dos resultados obtidos eram previsíveis para Ellard: o grupo parado em frente ao supermercado descreveu o ambiente como monótono, frio e sem graça. As pessoas na rua movimentada e com vários pequenos estabelecimentos, ao contrário, foram afetadas positivamente e usaram palavras como “conversar” e “animado” para dizer como se sentiam.

Colin Ellard não foi o primeiro a investigar os efeitos psicológicos do desenho das cidades nos pedestres. Em 2006, Jan Gehl já havia se dedicado ao tema. Em seus estudos de campo, o arquiteto dinamarquês observou que as pessoas tendem a caminhar mais rápido ao passar em frente a fachadas vazias ou inativas – em contraste com o passo mais lento e tranquilo ao caminharem em ambientes mais vivos e ativos. Na visão de Gehl, uma boa rua precisa ser desenhada a fim de que os pedestres, que caminham a uma média de 5km/h, vejam algo interessante pelo menos uma vez a cada cinco segundos – o que, como Colin percebeu em sua pesquisa, não acontece em frente a grandes edifícios, sejam hipermercados, bancos ou torres empresariais.

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Em bairros de baixa verticalidade, onde predominam as fachadas ativas, as pessoas tendem a se sentir mais felizes (Foto: La Citta Vita/ Flickr)

Se pode soar exagerado dizer que apenas caminhar em frente a uma fachada inativa pode afetar seriamente a saúde de uma pessoa, o mesmo não vale para os efeitos de longo prazo de viver, todos os dias, um meio urbano sem vida. Estudos já mostraram, por exemplo, que ambientes “chatos”, sem estímulos positivos, estão relacionados a estresse, impulsividade, baixos níveis de sensações positivas e até mesmo comportamentos de risco. Como explica Ellard, não se trata apenas de uma questão de estética:

Os seres humanos evoluíram para “operar” de forma plena em ambientes com níveis de complexidade ligados à nossa biologia. Ou seja, nós naturalmente procuramos essas configurações com nossos olhos, mãos, pernas, corpos. Em retorno, o desenho e aparência desses objetos ou ambientes, ao afetarem nossos corpos, acionam no mesmo instante antigos circuitos responsáveis por gerar respostas e emoções que garantem nossa adaptação ao ambiente.

Gestões municipais e planejadores urbanos interessados em tornar as ruas mais seguras e convidativas para os pedestres podem se beneficiar significativamente de estudos como esse – a começar pelo fato de que a simples mudança da aparência e da estrutura física do piso térreo de um edifício pode ter um impacto decisivo no modo como a cidade é usada. Há alguns bons exemplos de cidades que criaram diretrizes para novas construções visando a alavancar esses efeitos. Em Estocolmo, Melbourne e Amsterdã, por exemplo, há diretrizes para as novas construções que estabelecem um mínimo de entradas que devem haver em um prédio conforme a extensão da calçada, além especificações para que seja mantido o contato visual entre os edifícios e a rua.

Cidades e construções que ignoram a necessidade do ser humano pela variedade de estímulos sensoriais agem contra traços evolutivos que carregamos por gerações e, assim, caminham na contramão do que se espera de ambientes confortáveis e que estimulem a felicidade e a plena funcionalidade das pessoas. O mundo em que vivemos e o tipo de mundo em que queremos viver – ambos estão intimamente ligados à maneira como desenhamos e construímos nossas cidades.

Para saber mais: Aeon, Places of the Heart.

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