
São Miguel Paulista, São Paulo. (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
O deslocamento a pé ou de bicicleta, chamado de transporte ativo, no Brasil é fundamentalmente baseado na qualidade do transporte coletivo, na segregação espacial e na restrição orçamentária da população, segundo indica a pesquisa Diferenças Socioeconômicas e Regionais na Prática do Deslocamento Ativo no Brasil. Recentemente publicado na Revista de Saúde Pública, o levantamento indica que um terço da população se desloca diariamente a pé ou de bicicleta no trajeto casa-trabalho, mas a prática pouco tem a ver com decisões baseadas em possíveis benefícios para a saúde ou socioambientais.
As vantagens da caminhabilidade e do pedalar são conhecidas por todos. O gasto de energia consequente dessas atividades pode reduzir os riscos de diversas doenças cardiovasculares e muitas outras ligadas à obesidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) identifica a inatividade como o quarto principal fator de risco da mortalidade global. A falta de atividade no contexto urbano é relacionado ao aumento no uso de carros particulares e outros meios “passivos” de transporte. Além disso, o transporte ativo significa, atualmente, uma das principais alternativas para um futuro de menos emissões poluentes nas grandes cidades. Porém, no Brasil, grande parte dos que optam por essa prática são motivados por razões alheias a essas.
Segundo a pesquisa, o deslocamento ativo para o trabalho é uma prática mais frequente entre a população mais pobre e nas áreas com menor renda (zona rural; regiões não metropolitanas; macrorregiões Norte e Nordeste; e regiões metropolitanas de Belém, Recife e Fortaleza). O estudo utilizou dados do Suplemento sobre Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizado em 2008 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) com o objetivo de prover estimativas nacionais sobre a frequência e distribuição do deslocamento a pé ou de bicicleta no Brasil no trajeto casa-trabalho.
Ao comparar as dez principais regiões metropolitanas do país, onde o índice de transporte ativo cai para 20%, o estudo levanta a hipótese de que os níveis de deslocamento a pé ou de bicicleta da população mais pobre podem diminuir a nível semelhante ao da população mais rica caso ocorra uma melhora nas condições de renda e de poder de compra. Isso porque, ao observar os índices do Distrito Federal – região com a menor proporção de deslocamento ativo tanto entre os mais ricos quanto entre os mais pobres – os pesquisadores atribuem tais resultados à singularidade do planejamento urbano de Brasília e às longas distâncias que boa parte da população precisa percorrer entre as cidades-satélites e a capital.

São Paulo. (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
A quantidade de veículos particulares também seria motivo para a piora do indicador. “O aumento da renda no País nos últimos anos foi acompanhado por aumento mais que proporcional nos gastos com transporte, sobretudo entre os estratos menores de renda, em virtude do aumento nas taxas de aquisição de motocicletas e automóveis”, diz a pesquisa. A taxa de deslocamento ativo brasileiro é semelhante à encontrada em países como França (34,9%) e Holanda (37,9%). O dado pode até surpreender, mas os fatores que levam a tais índices não devem ser ignorados, já que nesses países, especialmente na Holanda, o pedalar faz parte da cultura nacional.
Se tratando de gênero, o deslocamento ativo para o trabalho é mais frequente entre os homens em apenas algumas regiões metropolitanas (Recife, Belém e Fortaleza), na zona rural e entre os mais velhos (a partir dos 55 anos); sendo superior entre as mulheres nos estratos superiores de renda e escolaridade. “É possível que as diferenças segundo sexo nos estratos mais altos de renda sejam explicadas por questões relacionadas à adoção de hábitos mais saudáveis e diferenças em termos de posse de veículo dentro do domicílio”, explica o trabalho.
O incentivo por parte de políticas públicas aos deslocamentos a pé e de bicicleta é citado no estudo como ponto importante para o aumento do índice de deslocamentos ativos. A Política Nacional de Mobilidade Urbana orienta os municípios sem sistemas coletivos de transporte a focar no planejamento da infraestrutura urbana destinada aos deslocamentos a pé e por bicicleta. Ainda assim, os municípios precisam fazer mais pelos ciclistas e pedestres. “Gestores públicos devem garantir que os indivíduos mais pobres não sejam afetados por uma necessária migração para modos motorizados de transporte, por meio da redução das distâncias nos deslocamentos cotidianos, da oferta de infraestrutura para caminhada e bicicleta, e da ampliação do acesso ao transporte público”, salienta a análise.
Enquanto calçadas, ciclovias e infraestruturas bem planejadas influenciam no número de pessoas que optam pelo transporte não-motorizado, fomentar esse tipo de deslocamento através de medidas “inteligentes” e educativas – como propagandas, mapas, aulas gratuitas, eventos e até incentivos fiscais – são igualmente importantes. Políticas que promovem a caminhabilidade e o uso da bicicleta em bairros centrados na utilização de carros podem ajudar comunidades mais vulneráveis a ser menos dependentes do transporte privado, fomentando a integração social. Esse tipo de política pode fazer com que os benefícios dos deslocamentos ativos sejam evidenciados e multiplicados, além de torná-los a primeira opção de transporte, e não a última.
O trabalho é de autoria de Thiago Hérick de Sá e Carlos Augusto Monteiro, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo, Rafael Henrique Moraes Pereira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada de Brasília e do Transport Studies Unit da Universidade de Oxford, e Ana Clara Duran, da Universidade de Illinois.