Tudo começou como um incentivo para que as pessoas praticassem mais esportes. O aplicativo Strava, que usa dados de GPS para registrar trajetos, ajudou as pessoas a medirem melhor suas corridas e pedaladas, para que tivessem metas mais ambiciosas ou mesmo saber a quantos anos-luz de distância de Usain Bolt estava seu preparo físico. Não demorou muito para virar febre e já tem gente até fazendo arte com esses dados.
Com tantos ciclistas e pedestres registrando seus trajetos, começaram a surgir outras oportunidades. Gestores públicos, até então dependentes de tecnologias inferiores – muitas vezes limitadas a bloco e caneta –, começaram a perceber que essa riqueza de informações poderia ajudar cidades a melhorar. Se antes as pesquisas eram limitadas a poucas horas de observação em dias e horários determinados, com o volume de dados proveniente de aplicativos é possível ter uma visão muito mais completa do comportamento das pessoas nas cidades.
Em caderno técnico da Agência Nacional de Transportes Públicos (ANTP) publicado em dezembro de 2015, cujo título é Estudo do Custo das Externalidades Negativas da Mobilidade das Pessoas nos Vários Modos de Transporte no Brasil, os autores classificam as tradicionais pesquisas de “Origem-Destino” como custosas e demoradas, com limitações de tamanho de amostras e altos custos.
Eles também destacam que é possível, analisando grandes volumes de dados e por mais tempo, medir efeitos de eventos não planejados, como manifestações, acidentes, fenômenos climáticos e falhas na operação de transporte público. Esses grandes repertórios de informações podem dar respostas mais diversas, ao contrário de pesquisas feitas durante pouco tempo, em que normalmente se busca um dia “típico” do ano.
Ao perceber as dificuldades de administradores públicos, os criadores do Strava desenvolveram o Strava Metro, específico para compilar dados e fornecê-los para pesquisas. Claro, o sistema tem restrições: há um número limitado de pessoas que usam o app e, como ele conta com um aspecto competitivo, a tendência é que haja mais ciclistas de grandes distâncias e com roupas de lycra do que pessoas se movimentando diariamente de casa para o trabalho.
Porém, de acordo com uma reportagem do The Guardian, quando os proprietários do Strava compararam seus dados aos coletados por alguns municípios, descobriram que o serviço capturava 5% a 10% dos deslocamentos de forma bastante sólida. E, nas cidades, a tendência era que os trajetos desse grupo fossem muito semelhantes aos dos outros ciclistas.
Michael Horvath, um dos fundadores do app, informou ao Guardian que 76 cidades já usam o serviço – o estado do Oregon, por exemplo, pagou razoáveis US$ 20 mil, mas algumas informações são fornecidas gratuitamente para fins acadêmicos.
A era do planejamento baseado em big data (termo usado para definir esses grandes volumes de informação) está chegando e deve influenciar decisões em todos os modais de transporte nos próximos anos. Com um volume tão grande de dados em mãos, o desafio é digerir tudo e transformar em políticas públicas para aplicar em um desenho de cidade que beneficie os usuários. De qualquer forma, já é uma maneira de mostrar, de maneira mais precisa, de que forma a infraestrutura urbana está sendo utilizada, e evitar que críticas gratuitas e sem embasamento sejam disseminadas. Quem nunca ouviu que “as ciclovias estão a maior parte do tempo vazias” sem que houvesse dados para comprovar?