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Crise na qualidade do ar de Nova Déli: lições de Pequim, Bogotá e Cidade do México

Com 26 milhões de habitantes, a área metropolitana de Nova Déli é a quinta maior do mundo. A cidade tem terrível qualidade do ar, com uma média anual de partículas 15 vezes maior do que a recomendação da Organização Mundial de Saúde. A poluição do ar é responsável por 10 a 30 mil mortes prematuras anualmente em Nova Déli, e é a quinta maior causa de morte prematura na Índia, com cerca de 620.000 mortes todos os anos.

Este alto nível de poluentes nocivos é uma consequência de vários problemas com o sistema de transportes da cidade. A maioria das partículas vêm do cano de escape dos veículos a motor e da poeira do tráfego em ruas não pavimentadas. A maior frota de veículos da Índia é a de Nova Déli, com cerca de 7,5 milhões de unidades. De acordo com o Centro da Índia para a Ciência e Meio Ambiente, veículos a motor são o “assassino silencioso” do povo indiano.

A resposta de Nova Déli à má qualidade do ar tem sido uma série de políticas. Em 1996, o Supremo Tribunal ordenou que o teor de enxofre no combustível para motores a diesel fosse reduzido de 1% para 0,05% até 2001. Então, em 1998, o Supremo Tribunal ordenou que todos os veículos comerciais (ônibus, táxis e três rodas – os “tuk-tuks”) fossem convertidos para gás natural comprimido (GNC) até 2002. Ao mesmo tempo, foram desenvolvidos padrões rigorosos de emissão para todos os veículos. Operações de metrô começaram nos anos 2000, e o sistema tornou-se uma das redes ferroviárias urbanas de mais rápido crescimento no mundo, com 213 quilômetros que transportam 2,4 milhões de passageiros por dia.

A estratégia de Nova Déli foi bem-sucedida durante os primeiros anos. As partículas caíram cerca de 16% entre 2002 e 2007, mas começaram a aumentar dramaticamente depois de 2007, pois a motorização e o tempo médio de viagem na cidade cresceram. O que deu errado? Uma resposta plausível é que a estratégia era incompleta, não levando em consideração políticas e decisões que promoveram a expansão urbana para os estados vizinhos de Haryana e Upi. Isto inclui a expansão em grande escala da rede de estradas, vias expressas e viadutos, bem como a falta de limitação para a posse e circulação de automóveis, além do aumento do número de veículos leves movidos à diesel (SUVs) e o crescimento dos subsídios aos combustíveis não-sustentáveis.

Como resultado da crise da qualidade do ar em 2015, o governo local experimentou o rodízio de placas, separando números de placas par-ímpar durante um período experimental de 15 dias. A medida aliviou o congestionamento, mas não reduziu a poluição do ar por muito. Um efeito colateral da redução dos congestionamentos foi a maior rapidez nas viagens de ônibus, o que beneficiou seis milhões de passageiros. O experimento foi repetido em abril de 2016. Essas restrições podem parecer úteis no curto prazo, mas não resolvem o problema. Então o que mais a cidade deve fazer para reduzir a poluição do ar? As experiências de Pequim, México e Bogotá no combate a esse problema podem fornecer algumas pistas.

Qualidade do Ar de Pequim estabiliza em meio a um rápido crescimento econômico

A capital chinesa também enfrentou desafios muito difíceis, mas em 2015 a sua qualidade do ar registrada foi cerca de um terço do nível de PM 2.5 de Déli. Esse progresso pode ser atribuído ao alto investimento no transporte público (metrô e ônibus), combinado com medidas de gestão de demanda de viagens (GDV). Pequim introduziu restrições de placa durante os Jogos Olímpicos de Verão em 2006, e a cidade atualmente restringe 20% da frota de acordo com números da placa. Em 2010, Pequim introduziu uma cota de registro do veículo que distribui apenas 20.000 novas licenças a cada mês através de um sistema de loteria – reduzindo o número de veículos permitidos. Atualmente, as autoridades municipais estão discutindo a possibilidade de implementação de uma taxa de congestionamento.

Até o final de 2015, a economia da cidade continuou a crescer 6,9%. A situação da qualidade do ar foi promissora, com concentrações estáveis em comparação aos dois invernos anteriores, ainda assim cinco vezes o limite recomendado pela OMS.

Cidade do México faz grandes progressos, mas declarou estado de emergência recentemente

O Governo local da Cidade do México tem trabalhado para melhorar a qualidade do ar por mais de três décadas, concentrando primeiro em tecnologia e, em seguida, em mudar para um foco na mobilidade sustentável. Na década de 1980, a cidade ordenou uma redução do teor de chumbo na gasolina, fechou uma refinaria de petróleo no vale do México e mudou indústrias para a periferia. Em 1989, também introduziu normas de controle de emissões para as empresas que fabricam e preparou um plano de qualidade do ar, que incluiu uma redução do teor de enxofre no diesel, bem como restrições para carros.

O plano de qualidade do ar foi acompanhado por melhorias no sistema de transporte público e um maior foco em caminhadas e ciclismo. A cidade expandiu o sistema de metrô (Linha 12, a 20 km, 367 mil passageiros por dia), e construiu o Suburban Rail Buenavista-Cuatitlan (27 quilômetros, 150.000 passageiros por dia) e implementou o sistema Metrobús BRT (125 quilômetros, a mais extensa BRT rede nas Américas, locomovendo um milhão de passageiros por dia). A Cidade do México também lançou e ampliou um sistema de compartilhamento de bicicletas, o chamado Ecobici. E ampliou a rede de ciclovias. O governo também pedestrianizou ruas principais do centro e introduziu um sistema de gestão de estacionamento na rua chamado Ecoparq.

Tudo isso ajudou a melhorar a qualidade do ar ao mesmo tempo que melhorou a mobilidade. Partículas em suspensão menores que PM 10 caíram de uma média de 160 ug / m3 em 1989 para 40 em 2014. No entanto, a qualidade do ar da Cidade do México tomou recentemente uma guinada para o pior. Em 4 de março de 2016 a cidade declarou a primeira contingência de qualidade do ar em 14 anos. A crise é o resultado da falta de avanço nas normas de emissão (México ainda mantém as normas Euro IV), uma frota envelhecida e atrasos no plano para reduzir o teor de enxofre no diesel.

A Cidade do México, como Nova Déli, também tem experimentado um rápido crescimento da sua frota de veículos: de três milhões em 2000 para perto de nove milhões hoje. Vias expressas urbanas também se expandiram rapidamente. Mesmo a política de “Hoy No Circula”, que restringe veículos, acabou se tornando uma medida pouco eficaz. Mesmo com a propriedade de veículos triplicando, as restrições a placas acabaram afetando apenas 3% da frota de veículos em 2016. No entanto, com a recente crise qualidade do ar, a cidade eliminou as isenções e restabeleceu as restrições não só para automóveis, mas também motocicletas, incluindo veículos novos.

Felizmente, as autoridades mexicanas estão conscientes de que esta é apenas uma resposta de emergência, e que a cidade terá de se concentrar em mobilidade sustentável e gestão da demanda de transportes no futuro.

Bogotá registra progressos, mas ainda não chegou lá

Bogotá também mostrou progresso na gestão da qualidade do ar, mas ainda não alcançou o padrão estabelecido pela OMS. Como no México, o progresso é o resultado de uma combinação de várias medidas com foco não apenas na qualidade do ar, mas em melhorar a mobilidade em geral para os residentes da cidade. Os níveis médios de partículas diminuíram de 100 ug/m3 em 2015 para 50 ug/m3 em 2016 (embora ainda esteja 2,5 vezes a média recomendada da OMS).

A cidade tem reduzido o teor de enxofre no diesel, introduziu restrições de tráfego para caminhões e ônibus e substituiu veículos públicos por novos com tecnologias mais recentes, incluindo 428 ônibus elétricos híbridos. Estas medidas reforçam passos que Bogotá tem tomado desde 1998: rodízio de placas (inicialmente 40% da frota, agora 50% em um esquema de par-ímpar durante o horário de pico), a construção do BRT sistema TransMilenio (agora 113 km de comprimento, servindo 2,4 milhões de passageiros por dia) e a implementação de uma rede extensa de bicicleta (agora com 410 quilômetros de comprimento). O uso da bicicleta na cidade aumentou de menos de 1% do total de viagens em 1998 para 4,5% em 2015 e o uso do transporte público manteve-se estável ao longo dos últimos 20 anos.

Com constante queda nos níveis de partículas, a qualidade do ar de Bogotá está melhorando, mas a cidade ainda não alcançou o nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Fonte: Dr. Nestor Rojas, National University of Colombia, com dados do Sistema da rede de monitoramento de ar, administrada pela Secretária do Meio Ambiente de Bogotá.

Num futuro próximo, a cidade terá de finalizar a implementação do sistema integrado de transportes públicos, iniciar novos projetos como a primeira linha de metrô, expandir e melhorar a TransMilenio e a rede de bicicletas. O objetivo do plano de descontaminação do ar 2010-2020  é atingir concentrações médias inferiores a 20 ug/m3 de PM10 e inferior a 10 ug/m3 de PM 2,5. Conseguir isso é possível, mas exigirá um trabalho contínuo.

Uma questão de vida ou morte

Algumas cidades que enfrentam problemas de qualidade do ar têm recorrido a medidas extremas, como a proibição da circulação de veículos. Essas medidas de emergência podem ser úteis no curto prazo, mas são ineficazes no médio e longo prazo. As mudanças estruturais são necessárias, não apenas para melhorar a qualidade do ar, mas para satisfazer a necessidade de mobilidade das pessoas. As cidades precisam de gestão de demanda de viagens (GDV), como a gestão de estacionamento e taxa de congestionamento, bem como os transportes públicos de alta qualidade e infraestrutura para caminhadas e ciclismo.

Evitar a dispersão das cidades por meio do desenvolvimento urbano compacto, conectado e coordenado é também uma parte importante da equação, juntamente com tecnologias de combustíveis limpos e padrões de emissões. Melhorar a qualidade do ar é uma questão de vida ou morte.

A discussão sobre a qualidade do ar será continuada nas Cidades Globais na Connect Karo 2016, uma conferência anual organizada pelo WRI Índia. Para saber mais, clique aqui.

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