Este artigo foi originalmente publicado em espanhol no Jornal El Tiempo, em 4 de março, 2016. Também foi postado no TheCityFix Mexico e traduzido para o inglês no TheCityFix.
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Dois anos atrás, em uma sessão de treinamento no Banco Mundial, em Washington, o Dr. Kavi Bhalla da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health pediu aos participantes que encarassem suas próprias palmas das mãos. O encontro contava com profissionais de todo o mundo que trabalham com os governos nacionais e locais sobre a política e os projetos de transporte. Quando as pessoas, ainda hesitantes, acataram seu chamado e encararam as próprias mãos, o Dr. Bhalla sentenciou: “suas mãos estão manchadas de sangue”.
Começar assim sua palestra foi escolhida por Bhalla para demonstrar que aqueles responsáveis pelo planejamento das estradas têm cometido um grave erro há mais de 100 anos. Exatamente por utilizarem a capacidade das estradas e velocidade como os principais objetivos do seu trabalho. Quando, na verdade, esta abordagem tem sido um fracasso monumental. Não só a construção de estradas não melhora o tráfego em áreas urbanas, como também aumenta o número de mortos e feridos graves. Vias expressas e rodovias urbanas tornaram-se “estacionamentos” durante as horas de pico e armadilhas mortais nas outras horas do dia.
Mais espaço viário = mais congestionamento, mais fatalidades
Economia básica explica como a mobilidade não melhora com maior capacidade para carros. Desde Ibn Taymiyyah, no século XIV e John Locke em 1691, ficou claro que a demanda por um bem ou serviço aumenta à medida que o preço baixa, e isso serve para tudo. No tráfego rodoviário, o princípio é o mesmo: quando o tempo de viagem cai, o tráfego de automóveis sobe. A capacidade adicional que foi adquirida por meio da expansão da estrada é perdida para o tráfego devido à demanda induzida (também conhecida como “efeito rebote”), após 3-4 anos. Como Lewis Munford escreveu em 1963: “Aumentar a largura da estrada para reduzir o congestionamento é o mesmo que afrouxar o cinto para combater a obesidade.”
Ao mesmo tempo, a construção de vias expressas urbanas reduz a segurança rodoviária, particularmente nos estágios iniciais do desenvolvimento de uma cidade. Como as estradas são ampliadas para acomodar mais tráfego, as velocidades médias sobem – resultando no aumento significativo do risco de mortes e ferimentos graves. Um impacto em alta velocidade está além do que uma pessoa pode sobreviver. Isso significa colocar os pedestres em maior risco. A probabilidade de um pedestre morrer em um acidente quando atingido por um carro a 50 km/h é de 85%.

Risco de mortes de pedestres diminui de acordo com a redução da velocidade em km/h
Mudando o paradigma
Por muitos anos, os planos de segurança viária têm colocado o fardo de responsabilidade em cima dos motoristas e pedestres. Estes planos tradicionais insistem em focar na educação os usuários da estrada para que eles “respeitem as regras de trânsito“. Apesar de isso ajudar, não resolve o problema da segurança viária, pois os seres humanos são capazes de errar.
Uma nova abordagem para a segurança viária, denominada “Visão Zero” (desde 1997 na Suécia) ou chamada “sistema de segurança” (desde 1998 na Austrália), reconhece o fato de que as pessoas cometem erros, e toma como objetivo reduzir os efeitos de nossos erros através da concepção um sistema mais seguro. Esta é uma mudança considerável em perspectiva: o usuário não é mais responsável por falhas; em vez disso, a responsabilidade é compartilhada com o designer, construtor e gerente da estrada.
Uma cidade mais lenta é uma cidade mais segura
Um resultado dessa mudança de pensamento é que não é mais aceitável projetar estradas urbanas de altas velocidades. Esta abordagem se opõe a propostas comuns para a construção de vias urbanas expressas e totalmente segregadas como um meio para resolver os congestionamentos. Felizmente, cidades e não apenas países como a Suécia e a Austrália estão se movendo para além da velha lógica orientada para o carro:
- A Prefeita de Paris, Anne Hidalgo, reduziu o limite de velocidade para 30 km/h;
- O Prefeito de Nova York Bill de Blasio definiu o limite de velocidade como 43 km/h por hora
- Ano passado, na Cidade do México, o Prefeito Miguel Mancera lançou um novo código de trânsito que se concentra na redução da velocidade e dá prioridade aos pedestres, ciclistas e usuários de transporte público.
- O prefeito de São Paulo Fernando Haddad reduziu o limite de velocidade para 40 km/h em estradas urbanas, com exceção de algumas grandes artérias e rodovias urbanas. O resultado foi uma queda impressionante de 33% em mortes na estrada.
Claro, Hidalgo, de Blasio, Mancera e Haddad encontraram muitos desafios. Uma resposta comum do público é que as reduções de velocidade são um absurdo. Comentaristas culpam os governantes de fazer das viagens cotidianas percorridas por motoristas mais dolorosas, mas a realidade é que a redução do limite de velocidade só afeta as velocidades médias de 3-5%. Isto significa que os tempos de viagem são reduzidos a apenas 7 segundos por quilómetro. Outros afirmam que baixas velocidades de deslocamento podem resultar em emissões mais elevadas, quando há evidências que indicam o contrário.
Qualquer cidade que leva a sério sua segurança viária deveria reduzir seus limites de velocidade. Mas isso é muito mais do que colocar novas placas ao redor da cidade, como o cumprimento é geralmente baixo e a aplicação em toda a cidade é muito cara. A solução real é tronar as cidades mais seguras por design. Isso envolve mudanças no projeto de estrada, aumentar o número de travessias de pedestres com semáforos em vias arteriais, mudar projetos de intersecção, estreitando as faixas de trânsito, a introdução de dispositivos de abrandamento de tráfego como as lombadas, assim como levantar pavimentos, proporcionando alta qualidade, calçadas conectadas com ciclovias e instalação de câmeras de velocidade de execução automática. Ou seja, não é apenas uma questão de “educação e fiscalização.”
Se não baixarmos os limites de velocidade em nossas cidades, estamos nos comprometendo com um futuro cheio de mortes de trânsito e lesões. É hora de mudar isso.