Na última segunda-feira (29), a Prefeitura do Recife apresentou um projeto viário para um trecho da margem do Rio Capibaribe, o principal curso-d’água da capital pernambucana, que corta a cidade em boa parte de sua extensão. Até aí, tudo bem, já que obras viárias às margens de rios urbanos são quase uma constante nas grandes cidades brasileiras. A novidade é que o projeto se propõe a ser a primeira via-parque da cidade, planejado como um espaço compartilhado entre pessoas, carros e bicicletas, que poderão transitar e usufruir com harmonia a margem do rio.
Localizada no bairro das Graças, zona Norte do Recife, a via (que insisto em não classificar como avenida) terá uma extensão de 950 m, ligando duas das pontes que cortam o Capibaribe, e um limite de velocidade de 30 km/h. O projeto executivo, que prevê um investimento de R$ 22 milhões do Governo Federal, contempla passeios, praças, passarela e ruas compartilhadas, utilizando-se de especificações técnicas que reduzem o impacto ambiental. O conceito de via-parque é ainda garantido pela renaturalização de um trecho da margem e de um píer que se projeta para o rio.
O caráter inovador da beira-rio das Graças se deve à sua inclusão no projeto Parque Capibaribe, uma iniciativa cooperada entre a Prefeitura do Recife e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O projeto promove diretrizes de articulação entre o rio e os espaços da cidade, conectando as margens com áreas verdes e equipamentos urbanos do Recife. O objetivo é resgatar o Capibaribe da degradação – fazendo dele um elo entre os bairros e devolvendo-o às pessoas – e implantar no Recife um conceito de cidade-parque.
Mobilização dos cidadãos foi fundamental para a revisão do projeto
Considerada uma das cidades brasileiras onde o trânsito piora mais rapidamente, o Recife já carregou o triste título de capital onde mais se morre no trânsito no país – em 2013, foram 34,7 mortes a cada 100 mil habitantes, de acordo com o Observatório Nacional da Segurança Viária. Com um transporte público de péssima qualidade (que vai do metrô federal ao sistema metropolitano de ônibus), calçadas irregulares e espaços públicos mal distribuídos, o desenvolvimento urbano do Recife parece ter tido o carro como prioridade absoluta. E era exatamente neste contexto que se enquadrava o conceito original da beira-rio das Graças.
O primeiro projeto apresentado pela Prefeitura do Recife chocou os moradores do pacato bairro de classe média. Com 4 faixas de rolamento exclusivas para carros e até um elevado sobre o rio, a avenida ligaria as duas pontes com uma proposta de via rápida, que colocava a fluidez dos automóveis acima de qualquer coisa. A velocidade máxima seria de 60 km/h, sem semáforos, e o recurso – vultuosos R$ 56 milhões – já estavam garantidos pela Caixa Econômica Federal através de um convênio com o Ministério das Cidades.
A notícia caiu como uma bomba sobre os moradores do bairro, acostumados com o fluxo intenso de veículos, graças à grande concentração de escolas particulares no entorno. Organizados em uma Associação – carinhosamente batizada de Por Amor às Graças – estudantes, aposentados, urbanistas e comerciantes realizaram diversas manifestações de desagravo ao projeto, que foram de debates acalorados a ocupações na margem do rio. O recado era muito claro: as Graças queriam a beira do rio para as pessoas, não para os carros.
No início, membros do Poder Público (especialmente os da Secretaria de Mobilidade da Prefeitura) resistiram ao diálogo, chegando a afirmar que o projeto seria executado de qualquer jeito. Mas a mobilização das pessoas parece ter despertado na Prefeitura a oportunidade de virar jogo, fazendo daquele péssimo projeto uma das melhores novidades da mobilidade e do espaço urbano da cidade nos últimos anos.
A beira-rio das Graças é um exemplo do quanto o diálogo entre o Poder Público e a sociedade civil pode ser saudável. O conceito de via-parque pode transformar a paisagem urbana do Recife e servir como garantia para o futuro do projeto Parque Capibaribe e como referência para outras cidades brasileiras. Em uma cidade tão assolada pelos problemas de mobilidade, nada mal ser lembrada por algo de bom, não é? O meio-ambiente e as pessoas agradecem!
Fernando Holanda é coordenador do eixo Cidades Sustentáveis no Centro de Estudos da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e morador do bairro das Graças há 10 anos.