O projeto Nossa Cidade, do TheCityFix Brasil, explora questões importantes para a construção de cidades sustentáveis.
A cada mês um tema diferente.
Com a colaboração e a expertise dos especialistas do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, as séries trazem artigos especiais sobre planejamento urbano, mobilidade sustentável, gênero, resiliência, entre outros temas essenciais para um desenvolvimento mais sustentável de nossas cidades
Políticas públicas e medidas de GDV beneficiam empresas, pessoas e cidades
Nos últimos posts do Nossa Cidade em dezembro, vimos a representatividade dos deslocamentos motivados pelo trabalho e sua influência no dia a dia das pessoas no trânsito das nossas cidades. Mostramos, também, a importância e o potencial da mobilidade corporativa de reduzir o congestionamento e as emissões de poluentes e de aumentar a qualidade de vida das pessoas, estimulando o desenvolvimento econômico e social das cidades. Mas o poder público pode incentivar ou cobrar que novos empreendimentos, ou até mesmo aqueles já instalados, desenvolvam planos de mobilidade corporativa?
Empreendimentos que atraem um grande número de pessoas e afetam a circulação da área onde estão inseridos são definidos como polos geradores de viagens (PGV). Para reduzir impactos negativos ao ambiente urbano, como congestionamentos e o aumento da demanda por estacionamentos e da poluição, os municípios analisam cada caso buscando uma abordagem sistêmica para aplicar medidas mitigadoras adequadas.
As medidas aplicadas, entretanto, geralmente são baseadas no aumento da oferta. Quem nunca presenciou a construção de um novo shopping e a consequente duplicação e pavimentação de vias em seu entorno? Tudo isso para facilitar o acesso dos carros e, muitas vezes, sem a presença de paraciclos ou espaços dignos para pedestres. Uma medida que pode reverter esse cenário é a aplicação de estratégias de gestão de demanda de viagens (GDV), conceito ainda pouco difundido no Brasil, mas já consolidado em cidades norte-americanas e europeias.
Algumas cidades brasileiras possuem políticas públicas de gestão de demanda de viagens há muitos anos, tais como a restrição do trânsito de veículos pela placa em São Paulo, desde de 1997, e a cobrança de estacionamento em vias públicas desde 1987 em Porto Alegre. No entanto, essas políticas não são suficientes e precisam ser aplicadas em conjunto com outras medidas para que sejam efetivas na contenção do aumento dos congestionamentos. Com isso, e levando em conta o grande potencial que as empresas possuem em interferir no padrão de deslocamentos de seus funcionários, este post aborda políticas públicas voltadas a corporações, ainda não exploradas em cidades brasileiras mas que se mostraram muito eficazes em cidades norte-americanas e europeias.
Conhecidas como Trip Reduction Ordinances (TROs), ou Normas para Redução de Viagens (NRVs), em tradução livre, essas políticas têm como objetivo reduzir as viagens provenientes do trabalho através de planos de mobilidade corporativa. Com isso, expande-se a adoção dos planos e aumenta-se a efetividade dos já existentes, incentivando alternativas de modais sustentáveis e ainda contribuindo com os setores de transportes, energia e meio ambiente.
Essas políticas já estão estabelecidas em dezenas de cidades norte-americanas e europeias. De modo geral, as metas definidas são a redução das emissões ou a redução das viagens em veículos com um único ocupante. Já os critérios de aplicabilidade são estabelecidos em função do número de funcionários, vagas de estacionamento, área construída ou para casos de novos empreendimentos.
Como forma de incentivar a implantação de planos de mobilidade corporativa, o setor público pode disponibilizar apoio técnico através de diretrizes como o Passo a Passo para a Construção de um Plano de Mobilidade Corporativa e realizar o processamento das pesquisas de padrão de deslocamento dos funcionários. Além disso, pode conceder o licenciamento do empreendimento e ser flexível em relação a leis que requerem um mínimo de vagas de estacionamento, otimizando o uso do espaço disponível. Em contrapartida, como forma de monitorar e controlar a adoção dos planos, aplicam-se penalizações, tanto através de multas quanto licenciamentos recusados e proibição de expansões do empreendimento.
Os níveis dos critérios adotados pelas cidades variam consideravelmente. Em termos de área construída computável, na cidade de Bloomington, Minnesota, os planos de mobilidade corporativa são obrigatórios para empresas com área a partir de 92,9 m², enquanto que em Minneapolis o limite é bem menos rigoroso – 9.290 m². Da mesma forma, mas de acordo com o número de funcionários, na cidade de São Francisco, Califórnia, as TROs são aplicadas para qualquer empreendimento com mais de 20 trabalhadores. Já no Estado de Massachusetts esse critério vale para empresas com mil funcionários ou mais. Conforme A Better City Transportation Management Association, o critério mais comum de TROs entre as cidades norte-americanas é para empresas com cem funcionários ou mais.
O exemplo de Washington
Desde 1991, o Estado de Washington possui o programa Commute Trip Reduction (CTR), promulgado para melhorar a qualidade do ar, reduzir os congestionamentos e o uso de combustível. Com a adoção do programa, através de pesquisas e análises, verificou-se uma evolução constante da adoção de medidas mais sustentáveis nos deslocamentos diários ao trabalho. Boa parte do sucesso deve-se a uma parceria eficaz entre Estado, prefeituras e o setor privado.
O programa CTR é construído sobre uma base sólida de parcerias público-privadas, sendo que, em 2006, os empregadores investiram 45 milhões de dólares no programa, mais do que 16 vezes o valor investido pelo governo. Muitos empregadores investem no programa porque, ao proporcionar um benefício para seus funcionários e reduzir a procura por estacionamento, o programa gera um impacto real sobre os resultados financeiros. Por outro lado, liderança, comprometimento e apoio técnico por parte dos governos estaduais e municipais deixam a rede de parceiros unida e criam a estrutura e a motivação necessárias para o engajamento das empresas.
Segundo o Washington State Commute Trip Reduction Board, em uma pesquisa realizada entre 2009 e 2010, foram constatados progressos significativos nos objetivos de apoiar o crescimento do emprego e melhorar o transporte. Em empreendimentos com o programa CTR, as reduções de viagens de automóvel com um único ocupante e milhas percorridas pelos veículos foram, respectivamente, de 4,8% e 5,6%. Na figura abaixo, é possível verificar a diferença das taxas de viagens realizadas com um único ocupante entre a média nacional americana, a média do Estado de Washington e a média das empresas que fazem parte do programa Commute Trip Reduction.