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Nas cidades do futuro, mobilidade é mais que transporte

Fórum Vida Urbana: cerca de 150 pessoas acompanharam os debates sobre o futuro das áreas urbanas (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

“Há 118 anos, em Londres, aconteceu o primeiro acidente de trânsito já registrado no mundo. No laudo, era possível ler: “Um acidente que não mais se repetirá”. Alguém naquela época teria imaginado que o automóvel tomaria as proporções que têm hoje?”

O questionamento lançado por Lindau ao encerrar o painel indica e sintetiza o caminho percorrido pelas discussões da tarde desta terça-feira (17). No Fórum Vida Urbana, o painel “Mobilidade além do transporte: aproximando pessoas e atividades e criando comunidades vibrantes e sustentáveis” debateu o papel da mobilidade como meio de acesso a oportunidades oferecidas pelas áreas urbanas, consequentemente, como ferramenta de construção de cidades melhores. Realizado pela Frente Nacional de Prefeitos em parceria com a Prefeitura de BH, o evento reúne especialistas, pesquisadores e representantes de diferentes cidades em uma programação abrangente para debater soluções para qualificar o meio urbano desde a escala local até uma abordagem mais ampla.

Participaram do painel Luis Antonio Lindau, Diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, e Holger Dalkmann, Diretor de Estratégia e Política Global do WRI Ross Center for Sustainable Cities. A discussão contou também com a presença de Clarisse Linke, Diretora Executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), e de Regina Maria Prosperi Meyer, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e professora titular na mesma universidade. A mediação foi feita por Marcelo Cintra, Coordenador de Políticas de Sustentabilidade da BHTRANS.

Entre congestionamentos, frotas crescentes de automóveis e elevados números de acidentes e níveis de emissões, as cidades precisam agir agora para assegurar um futuro para seus cidadãos. Vivemos, hoje, tempos que devem registrar taxas de motorização nunca vistas antes – um cenário pouco otimista, mas que lança às cidades um desafio possível de ser enfrentado e vencido: “A mudança pode acontecer – muitas cidades mudaram a realidade investindo em capacitação e planejamento. Mas, para que se tenha o impacto desejado, essas práticas precisam ser pensadas de forma integrada”, afirmou o Holger. Do investimento em modais ativos e sistemas de transporte coletivo de alta qualidade à gestão de demanda de viagens, há muitos bons exemplos e diversas maneiras de aplica-los conforme o contexto de cada cidade. “Entre soluções convencionais e inovadoras, há muitas oportunidades em todo o mundo. É preciso ter visão para saber aproveitá-las e comprometimento para implementá-las”, declarou o especialista.

Lindau defendeu a melhor distribuição do espaço viário como caminho para um futuro mais sustentável nas cidades (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

Para planejar o futuro das áreas urbanas, é preciso ultrapassar os limites das cidades. Tomando como o exemplo o caso específico de São Paulo, conforme aponta a professora da Faculdade de Arquitetura da USP, é necessário levar em conta a existência da macrometrópole que envolve a cidade. “Existe, nessa macrometrópole, uma vida cotidiana, de milhares de pessoas que deslocam diariamente de uma cidade para outra. Esse cenário determina o próprio processo de urbanização. Às vezes, porém, esquecemos que urbanização não é sinônimo de cidade – vemos muita urbanização, mas sem que as cidades propriamente sejam consideradas”, ressaltou Regina. As cidades são resultado do que fazemos dela, e uma das origens para os problemas que enfrentam hoje, conforme a professora, já foi visto como solução: “Os problemas de são Paulo foram todos construídos pelas soluções que implantamos para e com o uso dos carros, acreditando que representavam o futuro quando na verdade são um modelo fadado ao saturamento”.

Conforme mostrou o estudo realizado em 2014 pela Global Infrastructure Basel75% da infraestrutura urbana necessária para acomodar o crescimento populacional estimado para o ano de 2050 ainda precisa ser construída. Isso inclui, entre outras variáveis, a infraestrutura de transportes para o deslocamento das pessoas de um ponto a outro na cidade. Para vislumbrar um futuro habitável e sustentável, “as cidades precisam lançar mão das infraestruturas já existentes para promover as melhorias necessárias para a qualificação do ambiente urbano”, apontou Clarisse. Conforme assinala a especialista do ITDP Brasil, essa qualificação é possível: “As cidades precisam e podem ser mais densas e compactas, podem promover o uso misto do solo, priorizar os deslocamentos de pedestres e ciclistas, reduzir o espaço destinado aos carros, expandir e qualificar a infraestrutura de transporte de alta capacidade – todas essas mudanças podem acontecer. Visão e recursos existem – precisamos investir na capacidade de lidar com esses recursos”.

Público lotou o auditório da Associação Médica de Minas Gerais (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

A construção de cidades mais compactas, a gestão do uso do solo e uma distribuição mais equilibrada do espaço viário são fatores diretamente ligados à sustentabilidade nos centros urbanos. “O índice de motorização cresce, e isso vai se refletir diretamente nos centros das cidades, onde se concentram as oportunidades e serviços, aonde todos precisam chegar”, iniciou Lindau. Para mudar esse cenário, o especialista explica, é preciso reestruturar os usos aos quais destinamos o espaço das vias: “Estacionamentos são a pior destinação para o espaço viário e algo que, no Brasil, infelizmente ainda estamos longe de deixar para trás. Garantir um futuro mais sustentável depende de destinar melhor o uso do espaço e, acima de tudo, planejar muito bem a expansão urbana”.

Em se tratando do futuro das cidades, o planejamento urbano tem uma função fundamental. Cabe a ele promover as melhorias necessárias ao ambiente das cidades, ampliar o acesso a oportunidades e serviços e qualificar as condições de deslocamento para os modais sustentáveis e não motorizados. Não existe um modelo de planejamento único, aplicável a qualquer realidade urbana – existe, sim, a urgência de se pensar nessas questões com a devida atenção e planejar as cidades para o futuro. Nas palavras de Regina, “com alguns problemas encaminhados e mudanças que a tecnologia já começa a proporcionar, a cidade do futuro é a que está aí fora”.

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