Quanto você andaria pra pegar o coletivo?
Parece simples, mas a resposta pra essa pergunta pode influenciar tanto na decisão por qual modal utilizar quanto na operação do transporte coletivo: distância entre pontos, capacidade, tempo de viagem e confiabilidade.
Jarret Walker, especialista em planejamento e políticas de transporte coletivo, defende que, ao planejar o transporte coletivo na cidade, é preciso analisar – dentre tantos fatores essenciais a um serviço eficiente e de qualidade – não apenas o quanto as pessoas andam, mas quão dispostas a caminhar certas distâncias para chegar ao ponto mais próximo. Em sua experiência com algumas cidades onde trabalhou, algumas tendências foram reveladas (ele relata aqui). São elas:
- Se alguém precisar escolher um único padrão de curta distância para todas as situações, o mais comum é entre 400 m e 405 m. Na Europa, distâncias um pouco maiores também são aceitáveis;
- As pessoas estão dispostas a caminhar mais por um serviço mais rápido (os defensores do transporte ferroviário estão propensos a afirmar que as pessoas andam mais pelo trem ou metrô);
- Embora o padrão comum seja de 400 m até o ponto, sabemos que é preciso flexibilizar essa distância. Não faz sentido afirmar que alguém que vive a 395m do ponto necessariamente irá andar até o transporte coletivo enquanto o vizinho, que vive a 405m, não irá.
É interessante observar que um raio maior que 405m, embora não tenha sido mencionado pelas pessoas, é mais aceitável pelos europeus – talvez pela qualidade do serviço ofertado – e para modais mais ágeis, o que abre margem a pensarmos não apenas naqueles sobre trilhos, mas sistemas que contam com prioridades nas vias, como os BRTs (Bus Rapid Transit). Ou seja, transporte de qualidade atrai mais pessoas, mesmo que elas tenham que andar um pouco mais pra isso.
De todo modo, a caminhada não pode representar uma barreira na acessibilidade ao sistema. O acesso deve ser seguro, o transporte confiável. Não podemos esquecer que o acesso ao transporte coletivo não é necessariamente feito a pé, mas de carona, carro, bicicleta – a escolha também se reflete nas opções disponíveis ao usuário. E isso pode gerar impacto nas cidades.
Um mal exemplo do planejamento urbano são os subúrbios, que levam comunidades para longe da infraestrutura urbana e dos serviços e, consequentemente, das oportunidades de emprego, saúde e educação que os centros urbanos oferecem. Mas há um modelo para fomentar o desenvolvimento compacto, coordenado e conectado, o DOTS – Desenvolvimento Orientado pelo Transporte Sustentável.
Por outro lado, o planejamento do acesso impacta todo o sistema, e há até quem aumente os raios de distância para obter bons resultados. Jarret conta que, em Canberra (Austrália), a cidade decidiu por aumentar a distância de caminhada de um raio de 400m para 500m. “Não porque as pessoas queriam andar mais, mas porque constatamos quão mais a frequência e velocidade nós atingiríamos, e a demanda que poderíamos atrair, e decidimos que um raio de 100m a mais seria um pequeno preço a pagar por esses benefícios”, justifica.
A boa notícia é que usuários do transporte coletivo ainda praticam mais atividade física em relação aos de carro. Estudo descobriu que os passageiros do Metrobús, sistema BRT (Bus Rapid Transit) da Cidade do México, caminham uma média de 2,75 minutos a mais por dia do que costumavam fazer antes de a cidade implantar o sistema. Já em Pequim, a mesma pesquisa descobriu que os usuários do BRT ganharam 8,5 minutos de caminhada diária desde o início da operação do sistema.
Falando nisso, o WRI Brasil | EMBARQ Brasil e o USP Cidades promoveram, no fim do ano passado, o Concurso 3 Estações, para fomentar projetos de microacessibilidade a pedestres, ciclistas e usuários do transporte coletivo em torno de três grandes estações de trem em São Paulo. Relembre aqui.