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As sutilezas de Bremen: ciclistas, ciclovias, ciclorruas e cicloativismo

Por Eveline Trevisan, Guilherme Tampieri e Marcelo Cintra*

Em abril, fizemos juntos uma viagem de trabalho à Europa, onde visitamos três cidades bem interessantes e começamos a relatar o impacto que essa viagem nos causou no texto “SOLUTIONS, uma jornada pela mobilidade urbana europeia” publicado no TheCityFixBrasil. A primeira cidade visitada foi Bremen, motivo real da viagem e onde fomos para conhecer os projetos de Zonas 30, ciclovias e ciclorruas e as  políticas de bicicleta na cidade, que é parceira de Belo Horizonte no projeto europeu Solutions, que tem como base a troca de experiências entre cidades.

Antes de conhecer os projetos, duas coisas nos chamaram a atenção: a diversidade de ciclistas e a variedade de soluções. São diversos bebês nos carrinhos puxados por bicicletas maternas e paternas e em cadeirinhas especiais e protegidas. Até os 10 anos, vão cheios de si pedalando pelas calçadas com liberdade, de capacetes coloridos, com o pai ou a mãe próximos estimulando autonomia e a liberdade. Famílias inteiras, muitos adolescentes e jovens, trabalhadores e muitos ciclistas de cabelos brancos. Um dos motivos de tanta diversidade, nos conta Michael Glotz Richter, nosso anfitrião, é que as crianças são ensinadas a pedalar nas escolas e a usar as bicicletas nas ruas. Michael é gerente de Transportes da cidade.

Pais com filhos voltando da escola em ciclovia sobre calçada

Há também variedade na infraestrutura para bicicletas, tanto nas ruas quanto nas calçadas, onde apenas uma sutil mudança de piso indica a separação. É preciso atenção para não pedalar onde não se deve ou para não caminhar nas estruturas exclusivas para bicicletas. Esse compartilhamento de espaço e de velocidade está por todos os lados, inclusive em parques e praças, onde o conceito de bike free é plenamente exercido. Bike free ou fahrrad frei em alemão é a possibilidade de permitir (andar no contrafluxo, entrar parques e ruas para pedestres) onde outras cidades proíbem e o que vemos é harmonia ao invés de conflito. A sensação é incrível e poderosa de poder pedalar na “contramão”, nas ruas de pedestres, pelo caminho mais curto (ou mais agradável), ao mesmo tempo em que era alertado que devia respeitar os pedestres através de placas de compartilhamento.

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Sinalização de compartilhamento entre os modais.

Com certeza, o fato da cidade ser plana é um fator importante para que um quarto das viagens sejam feitas por bicicleta, mas existe nitidamente forte cultura de bicicleta entre todos que conhecemos, pois enquanto outras cidades europeias planas embarcaram no sonho de resolver tudo através do carro, Bremen conseguiu se manter com muito uso de bicicletas.

Não foi por acaso que a ADFC, a associação alemã de ciclistas, nasceu ali, nos anos 1980 e veio a se tornar a maior da Europa, com mais de 150.0000 associados. Em Bremen, a associação administra o bicicletário e uma oficina/loja que fica ao lado da estação de trem. Visitamos o escritório da ADFC para conhecer sua história e sua atuação na cidade. Apesar de seu longo tempo de atuação (em Belo Horizonte, a associação de ciclistas tem menos de três anos), da excelente estrutura e bons projetos e campanhas que passamos a conhecer, ficamos um pouco frustrados com a falta de vivacidade na relação com o poder público. Claro que eles já possuem muitas conquistas, mas parecem um pouco acomodados, principalmente quando escutamos do Willie, responsável pelos projetos de bicicleta em Bremen, que a equipe é pequena e são poucos recursos financeiros, sendo boa parte provenientes do governo.

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Sede da ADFC ao lado da estação central: loja e oficina no térreo, bicicletário público ao lado e escritório na parte de cima.

Os problemas existem e vão se revelando aos poucos nas visitas técnicas e nas pedaladas de observações e sensações. Existem conflitos políticos com grupos que querem mais espaço para carros, não existe um Plano Cicloviário estruturado, faltam recursos para implantar mais projetos, que surpreendentemente vêm sendo realizados há apenas pouco mais de dez anos, e várias medidas implantadas não trazem os resultados esperados e algumas vezes são desfeitas.

Mas o objetivo principal da nossa viagem era conhecer melhor a experiência de fahrradstrasse, medida que foi selecionada para ser implantada em Belo Horizonte como parte do projeto Solutions. A fahrradstrasse, uma rua para bicicletas, ou Ciclorrua, é uma rua de aparência comum, que se transforma em ciclovia com sinalização específica onde carros e motos são apenas permitidos. Bremen possui menos que uma dezena dessas ciclorruas, que se desdobraram de ruas com velocidade limitada a 30km/h (nas Zonas 30), com vantagens sutis, mas importantes para os ciclistas: podem pedalar lado a lado e têm a certeza de que é dele a prioridade da rua.

Depois de algumas reuniões e muitas observações, atingimos o objetivo de entender os limites dessas ciclorruas e seus critérios para implantação. Soubemos de alguns problemas e sentimos na pele a sensação de poder pedalar lado a lado, com um carro lentamente atrás de você, respeitando nossa prioridade de pedalar. Há pouca diferença entre implantar uma Rua a 30 km/h ou uma ciclorrua, pois nos dois casos, a prioridade é sempre do pedestre sobre todos os demais modos e em seguida, da bicicleta. O maior questionamento que medidas como ciclorruas e Zonas 30 nos colocam é que devemos baixar a velocidade da cidade, principalmente onde já se circula mais lentamente.

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Ciclorruas em Bremen, onde pedala-se lado a lado e os carros esperam pacientemente.

Após vermos na teoria e experimentarmos a prática, temos certeza de que, para dar certo, uma  ciclorrua em Belo Horizonte terá que ser diferente da fahrradstrasse de Bremen. A diferença já começa na forma de pensar o projeto. Assim que chegamos, fizemos uma vistoria na região da Savassi, que escolhemos para receber a medida, pedalando junto com ciclistas e pessoas interessadas. Ao final, começamos um trabalho conjunto para desenvolver o nosso projeto da ciclorrua e decidimos implantar conjuntamente com uma Zona 30, para poder avaliar e comparar as duas medidas. A esse grupo de poder público e ciclistas, juntaram-se alunos e professores da Escola de Arquitetura da UFMG, que coincidentemente está na rota escolhida para a ciclorrua.

Na fábula dos músicos de Bremen, eles só conseguem sucesso por juntar suas melhores qualidades. Pela imagem que se vê espalhada por Bremen, na campanha Bremen Bike it, a bicicleta parece ter esse poder, pois tem rapidez, economia e liberdade. Essa lição nos foi dada pelos ciclistas dessa encantadora cidade, não importando a idade. E a proposta de desenvolvermos participativamente os projetos de ciclorrua e Zona 30 em Belo Horizonte vai nessa mesma direção.

Imagem de campanha de estímulo ao uso de bicicleta em Bremen.

 

Ao longo das próximas semanas, escreveremos ainda sobre Berlim e Paris e explicaremos como Belo Horizonte está se planejando para ser uma cidade mais amiga do ciclista – o que já tem sido feito e o que está por vir.

* A viagem a Bremen dos representantes da BHTRANS (Eveline Trevisan e Marcelo Cintra) foi paga pelo Projeto SOLUTIONS, com verba da Comunidade Europeia. Os dias em Berlim e Paris, bem como a totalidade da viagem de Guilherme Tampieri foram totalmente cobertos com recursos próprios dos viajantes. Saiba mais sobre o SOLUTIONS.

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