
Com medidas concretas de gestão de demanda de viagens (TDM), as cidades podem ir além da dependência dos carros, em direção à mobilidade sustentável (Foto: Dylan Passmore/Flickr)
Este post foi escrito por Juan Miguel Velásquez e originalmente publicado no TheCityFix.
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Um século de desenvolvimento urbano carrocêntrico deixou nossas cidades poluídas, congestionadas e à procura de soluções sustentáveis. Estratégias de Gestão de Demanda de Viagens (Transport Demand Management – TDM) podem oferecer essas soluções ao unir políticas públicas e inovações do setor privado para reverter a dependência dos automóveis individuais. A série Moving Beyond Cars – produção exclusiva do TheCityFix e do WRI Insights – apresenta soluções de TDM no Brasil, na China, na Índia e no México, mostrando como as cidades podem restringir a cultura do carro e tornar o transporte sustentável uma realidade.
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Mais pessoas nas cidades significam mais carros. Até 2050, as cidades abrigarão pelo menos 2,5 bilhões de pessoas a mais e o índice de posse de veículos pode alcançar os 2 bilhões, aproximadamente o dobro do atual. Focando no que nos leva a optar pelo carro em primeiro lugar, estratégias de gestão de demanda de viagens (TDM, na sigla em inglês) podem melhorar a mobilidade e a qualidade de vida em um mundo em constante processo de urbanização.
Os custos econômicos, sociais e ambientais de cidades autodependentes já estão altos. Acidentes de trânsito tiram mais de 1,2 milhão de vidas a cada ano no mundo e estão em vias de se tornar a quinta principal causa de mortes até 2030. Nos Estados Unidos, as pessoas perdem 4,8 bilhões de horas no trânsito todos os anos, o que resulta em um prejuízo de US$ 101 bilhões em produtividade econômica. Em Pequim, na China, os custos dos congestionamentos e da poluição do ar são estimados entre 7% e 15% do PIB.
Tradicionalmente, as soluções de mobilidade urbana têm sido focadas no “suprimento”, em particular na expansão de estradas e rodovias. Em contraste, as medidas de TDM são direcionadas à redução da demanda de viagens, especialmente as feitas em carros levando apenas uma pessoa, e a tornar a mobilidade mais eficiente e sustentável, desincentivando deslocamentos de carro desnecessários e estimulando a mudança de comportamento em longo prazo.
Governos locais assumem a liderança, mas o setor privado vem logo em seguida
A maior parte das medidas de TDM existentes tem sido conduzida pelo setor público, resultando em casos de sucesso em diversas cidades do mundo. O preço do estacionamento em San Francisco agora é autoajustado em tempo real de acordo com a demanda; a medida ajuda a garantir vagas disponíveis suficientes e a reduzir os deslocamentos em busca de um local disponível. Como resultado, o número de quilômetros percorridos pelos carros nas áreas com essa taxação dinâmica registrou uma queda de 30%.
Em Londres, a taxação dos congestionamentos reduziu os deslocamentos de carro em 17%, impediu a emissão de 120 mil toneladas de dióxido de carbono e criou um fluxo de financiamento confiável para melhorias no transporte coletivo. Outros exemplos de estratégias de TDM incluem cotas de veículos em Singapura e Pequim, restrições na emissão de placas na América Latina, high occupancy toll lanes nos Estados Unidos (HOT lanes, faixas que cobram pedágio dos veículos, à exceção daqueles de alta ocupação) e zonas de baixa emissão na Europa.
São os governos locais que estabelecem as políticas de TDM, mas o setor privado também tem um papel importante na melhora da mobilidade, tanto para funcionários quanto para as cidades como todo. Os deslocamentos casa-trabalho-casa representam uma alta porcentagem do total de deslocamentos em uma cidade – em São Paulo, por exemplo, respondem por 45% – e a maior parte das pessoas realiza esses deslocamentos durante as horas de pico, quando os sistemas de transporte encontram-se saturados. As empresas podem ter uma influência bastante significativa sobre a escolha modal de seus funcionários ao promover opções sustentáveis de transporte e oferecer incentivos para desestimular o uso do carro.
TDM é bom para os negócios também
As empresas podem implementar diversas opções de TDM de acordo com suas necessidades e com o cotexto local. Podem incentivar o transporte ativo oferecendo chuveiros e estacionamento para as bicicletas. Também podem organizar grupos que utilizem o carro de forma mais eficiente, dando caronas ou por meio de programas de compartilhamento. Outras alternativas incluem horários de trabalho mais flexíveis ou teletrabalho. Incentivos financeiros podem encorajar o uso do transporte sustentável: são medidas como cobrar pelo estacionamento, dar benefícios para quem optar pelo transporte ativo ou oferecer vouchers para o transporte coletivo.
Todas essas estratégias beneficiam os funcionários na medida em que reduzem o tempo perdido por eles enquanto estão presos nos congestionamentos, além de ajudarem a melhorar a saúde e a economizar. Simultaneamente, as cidades são beneficiadas pela redução de congestionamentos e acidentes de trânsito, pela melhora na qualidade do ar e por menores índices de emissão de gases do efeito estufa. Da mesma forma, as empresas também são beneficiadas, uma vez que passam a operar em uma cidade mais competitiva, com pessoas mais satisfeitas e produtivas, e diminuem os gastos com infraestrutura para os carros, como os estacionamentos.
Essas medidas já têm sido bem sucedidas em algumas cidades e estão se tornando cada vez mais comuns. Nos Estados Unidos, o programa de TDM do Seattle Children’s Hospital reduziu o índice de funcionários dirigindo sozinhos para o trabalho de 73% em 1995 para 38% atualmente. Empresas de países em desenvolvimento também tiveram sucesso ao aplicar medidas de TDM. A rede PEMS, por exemplo – que coordena mobilidade corporativa sustentável entre grandes empresas de Bogotá –, realizou pela segunda vez em 2014 a Semana del Carro Compartido e conseguiu tirar mais 80 mil carros das ruas da cidade.
Direção inteligente para um mundo urbanizado
O TDM cria oportunidades concretas para que as cidades usem de forma inteligente a infraestrutura de transportes já existente e gerem fundos para qualificar as opções de transporte sustentável. Ao mesmo tempo, ajuda as empresas a elevarem seu ponto de partida e o bem-estar dos funcionários. Ainda assim, infelizmente as medidas de TDM estão longe de ser uma prioridade política ou corporativa.
De qualquer forma, os esforços inovadores já em curso ajudam governos e empresas a usufruir os benefícios das medidas de TDM e a trilhar um caminho rumo a cidades sustentáveis. A série Moving Beyound Cars vai explorar estratégias de TDM adotadas no Brasil, na China, na Índia e no México para mostrar como cidades no mundo inteiro podem ser pensadas para priorizar as pessoas e não os carros.
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