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Mobilidade sustentável, um mundo paralelo

Amsterdã é um exemplo de como a mobilidade sustentável está enraizada na cultura da população. Mesmo com avanços, Brasil ainda não chegou nesse nível. (Foto: Marc van Woudenberg/Flickr)

No último mês, participei do seminário “A Nova Economia da Mobilidade” – uma iniciativa da EMBARQ Brasil (produtora deste blog), WRI Brasil e Caronetas – que reuniu grandes nomes ligados ao tema.

Um deles era o professor da USP Orlando Strambi, que disse o seguinte: no Brasil, os comerciantes não querem faixa de ônibus nem ciclovia, enquanto na Europa são coisas maravilhosas. Aqui, temos barreiras políticas e econômicas em oposição à construção da mobilidade urbana sustentável, enquanto em outras partes do mundo ela já é realidade. Será que por trás disso há um mundo melhor?

Essas palavras ressoaram como um balde de água fria. Já sei que as cidades brasileiras hostilizam o ciclista e o pedestre (crianças, jovens, idosos, cadeirantes ou não – todos) ao não oferecer as mínimas condições para ir e vir com segurança. Os próprios cidadãos, dentro dos seus carros, tiram uma “lasquinha” pra dar uma lição na bicicleta, quase atropelam quem ousa pisar na faixa de pedestre e por aí vai. O transporte público está cada vez mais lotado. Quando surgem corredores BRT, ciclovias e políticas de restrição de velocidade a opinião pública vai contra.

Essa lógica é contraditória. A maior parte dos deslocamentos é feita a pé. Em 2011 os pedestres realizaram 58.009 milhões de deslocamentos contra 18.951 milhões de carro, 68% a mais. Juntos, pedestres e ciclistas correspondem a 25% das fatalidades no trânsito. Então por que continuamos pensando assim?

Saber que existe um mundo paralelo, que prioriza transporte público e sustentável, que restringe o carro e que implementa estratégias massivas pra zerar mortes no trânsito é muito bom. E muito ruim, pois é frustrante saber que nosso país – embora transportando 12 milhões de pessoas em vias dedicadas ao ônibus todos os dias – ainda não chegou nesse nível.

Mecanismo para a mudança

Juiz de Fora (MG) está elaborando seu plano de mobilidade urbana com apoio da EMBARQ Brasil. (Foto: Priscila Kichler Pacheco/EMBARQ Brasil)

A Política Nacional de Mobilidade Urbana, aprovada em 2012, decreta que municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes devem entregar um Plano de Mobilidade Urbana até abril do ano que vem. A lei abrange 3.065 cidades, que devem priorizar os modais coletivos e não motorizados e restringir veículos motorizados em determinados locais e horários, inclusive com cobrança monetária, conforme regem as diretrizes da lei. Caso contrário, estão sujeitos a não receberem verbas do governo federal para investimentos em seus projetos de mobilidade.

Em 2012, somente 3,8% das cidades em todo o país – ao todo o Brasil tem 5.570 municípios – tinham algum tipo de plano voltado aos transportes. Dentre as 27 capitais, uma ferramenta do GreenPeace aponta que apenas quatro delas já concluíram seus planos, 20 estão em fase de elaboração e três sequer deram início.

Os planos de mobilidade são uma estratégia ímpar para que as cidades tenham um instrumento em que se embasar na hora de investir seus recursos. A fim de garantir que as cidades elaborassem, de fato, mecanismos de transformação para as cidades – e não só mais um documento para atender a uma lei – o Ministério das Cidades desenvolveu um programa de capacitação, o Capacidades, do qual a EMBARQ Brasil (produtora deste blog) foi parceira. Através de uma série de seminários levados a cada município, especialistas buscaram munir as cidades com conhecimentos técnicos à elaboração dos seus planos.

Implementar infraestrutura em prol do transporte sustentável também pode fazer muita diferença na maneira como as pessoas usam e enxergam sua cidade. São Paulo é um bom exemplo disso. Em apenas um ano, o número de ciclistas na capital cresceu 50%, e sem dúvidas isso se deve à política massiva de construção de ciclovias por lá, com a implantação de 78km até o final do último mês, número que já deve ter aumentado, já que são implantados 10km de ciclovias por semana, em média, e a meta são os 400km até o fim do próximo ano. Sem contar as faixas de ônibus, que conquistaram 90% da população.

Não custa lembrar: as cidades ocupam somente 2% de todo o território mundial, mas respondem por 70% das emissões mundiais. No setor de energia, transportes são responsáveis por 22% das emissões. Com a expansão urbana e a preferência pelo carro, as cidades que não agirem vão dar um verdadeiro “tiro no pé”, matando sua economia e seus cidadãos. Se outros já o fizeram, nós também podemos.

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