Uma das maiores tendências globais dessa década está centrada no coletivo. A força do crowdfunding, de outras formas de colaboração de pessoa para pessoa e a lógica peer-to-peer estão propondo novas interações sociais e econômicas, além de uma reestruturação na relação das pessoas com o conceito de propriedade. Em diversas partes do mundo as comunidades começaram a dividir, a compartilhar. É uma tendência chamada economia colaborativa (sharing economy), onde o acesso é mais importante do que a posse.
No Brasil, o processo já iniciou. “Em Porto Alegre vimos encontros com pessoas apaixonadas pela economia colaborativa, no recente ShareFest. Se acontece em Porto Alegre poderá acontecer em São Paulo, Rio, e outras cidades brasileiras. Você só precisa começar”, explica Angelo Meuleman, gerente de Projetos da Taxistop, aplicativo de gerenciamento de caronas da Bélgica, em recente passagem pelo Brasil, durante as atividades do Dia Mundial Sem Carro, em Florianópolis (SC).
De acordo com o especialista, os jovens de 20 a 30 anos estão liderando o movimento, que ganha cada dia mais força, especialmente na Europa e Estados Unidos. Cidades como Bruxelas (Bélgica) e Paris (França) já são referência por possuírem diversos aplicativos que facilitam o empréstimo de carros, bicicletas, e caronas. O aplicativo Djump é um exemplo. Ele permite uma comunicação ágil e simples entre o pedestre e seu ‘caroneiro’. Outro destaque é o Uber, um serviço exclusivo para quem quer mais conveniência e privacidade. Com apenas um toque no celular, um carro executivo chega até a sua porta em questão de minutos.
Quais os benefícios do car-sharing e outras alternativas de mobilidade compartilhada?“Atualmente 3 milhões de pessoas usam car-sharing no mundo. Em 2020, serão 26,2 milhões”, prevê Meuleman. O belga é um dos grandes entusiastas e especialistas no assunto. Além de gerenciar a Taxistop, é o criador do Carpooling, Eventpool, e do MOMO car‐sharing. É o atual presidente do Steering Committee Flemish Network Sustainable Mobility e líder do grupo de estudos para novos serviços de compartilhamento de carros e integração da cidade. Conversamos com Meuleman para entender um pouco mais sobre essa tendência colaborativa que pode transformar o modo como nos deslocamos nas cidades hoje. Acompanhe:
Quais os benefícios do car-sharing e outras alternativas de mobilidade compartilhada?
AM – Os carros ocupam muito espaço nas cidades, então, se você usa um carro com outras pessoas, ganhamos mais espaço urbano, ou melhor, reconquistamos espaço nas ruas. O mesmo acontece quando você dá carona. Também é mais eficiente economicamente, pois é mais barato que implantar infraestrutura – apesar de a infraestrutura ser importante para promover o car-sharing. Você precisa começar a criar boa infraestrutura para bicicletas, transporte coletivo de alta qualidade. Se você tem boas alternativas para deixar seu carro próprio, o compartilhamento de automóveis se torna uma engrenagem de um pacote completo de alternativas ao carro privado.
Quais são os melhores exemplos de cidades que já adotaram o car-sharing?
AM – Os melhores exemplos estão na Suíça. Há dez anos, 100 mil pessoas já utilizavam o sistema de car-sharing e a principal razão disso é a boa qualidade do transporte coletivo. Lá a maioria das pessoas utilizam o tram para ir trabalhar, já no meu país as pessoas não fazem isso, apenas os estudantes têm esse hábito. Isso nos faz perceber que se o transporte público funciona bem, não precisamos tanto dos carros.
Pesquisas na Bélgica e na Alemanha indicam que 1 carro compartilhado está substituindo 11 carros particulares. Na Alemanha temos 13 mil carros compartilhados que substituem mais de 140 mil carros privados nas ruas. Estamos reconquistando o espaço urbano com isso. Os dados mostram que com essa mudança de modal, as pessoas estão utilizando mais o transporte público, mais bicicletas, estão caminhando mais.
O car-sharing já é popular na Bélgica?
AM – Ainda não é tão comum. Temos 11 milhões de habitantes no país e apenas 20.000 compartilham carros. Estamos apenas no começo. É uma tendência da economia coletiva que está crescendo por todo globo – cerca de 20% a 30% ao ano (car-sharing). É o começo de uma transição.
É bom lembrar que o car-sharing não é recomendado para uso diário, pois pode se tornar muito caro. É útil para uma vez na semana ou poucas no mês. Já o bike-sharing é para uso diário, muitas pessoas adotaram essa prática no dia a dia. Já as caronas para o trabalho são menos populares, pois as pessoas não gostam de pegar carona todos os dias com os mesmos colegas, mas por dois ou três dias da semana já fica mais agradável. É uma mudança cultural que está acontecendo.
Como será o processo para inserir o conceito em cidades de Santa Catarina e outras regiões brasileiras?
AM – Não será um processo fácil, pois não é fácil convencer operadores do transporte coletivo e os representantes locais do governo. Quando começamos na Bélgica, o setor de táxi tinha receio do nosso trabalho. Mas agora sabemos que as pessoas que compartilham carros e não têm mais carros próprios passaram a utilizar mais o táxi, ou seja, o uso de táxi aumentou por causa do car-sharing. Essa questão é muito interessante. Em muitos países, operadores do transporte público têm medo da mobilidade compartilhada, mas organizações que apoiam o transporte sustentável hoje já estão promovendo o conceito, que serve como um complemento do transporte coletivo e sustentável.
Entrevista originalmente publicada por Maria Fernanda Cavalcanti no site oficial do PLAMUS em 07/10/2014.