
Marcio Nigro (Caronetas), Brenda Medeiros (EMBARQ Brasil), Raquel Biderman (WRI Brasil) e Carlos Nomoto (Santander) no painel de abertura. (Foto: Mariana Gil/EMBARQ Brasil)
O seminário A Nova Economia da Mobilidade selou o fim da Virada da Mobilidade com o encontro de importantes nomes nacionais e internacionais do setor de transportes. Realizado nesta sexta-feira (26), o evento é uma parceria entre WRI Brasil, EMBARQ Brasil (produtora deste blog) e Caronetas, e foi sediado na Torre Santander em São Paulo. Ao longo de todo o dia, palestrantes e público puderam debater a mobilidade urbana sob diversas perspectivas – econômica, social e ambiental. Na primeira parte da atividade, foram analisados os desafios e possíveis soluções, do ponto de vista da economia, para tornar o transporte sustentável uma realidade no cotidiano do cidadão brasileiro .
“A mobilidade urbana é um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta”, alertou Rachel Biderman, diretora do WRI Brasil. “No entanto, ao mesmo tempo em que é um problema, gera oportunidades. A mobilidade urbana deve entrar na agenda política, econômica e financeira. Deve estar no centro da tomada de decisões e no dia a dia da população”, disse, na mesa de abertura do seminário, na qual esteve ao lado de Carlos Nomoto, do Santander; Brenda Medeiros, gerente de projetos de transporte da EMBARQ Brasil; e Márcio Nigro, do Caronetas.
O conservadorismo brasileiro que acredita não ser possível implantar bons modelos de mobilidade foi referenciado por Brenda, da EMBARQ Brasil. “Ouço pessoas dizendo que não somos Copenhague. Mas por que não aprender com eles? O brasileiro é criativo. Vamos entender o que foi feito em cidades que são exemplos em mobilidade, aprender e implementar as boas práticas”, pontuou. Nigro, por sua vez, reforçou o ideal de transporte integrado como solução, mencionando que não há um só modal de transporte como solução para os cidadãos. Já Nomoto notou o crescente respeito ao pedestre pelo motorista paulistano, ponto positivo a favor da mobilidade sustentável hoje e no futuro.
Contextualizando a mobilidade urbana no Brasil

Eduardo Vasconcellos destaca papel de um transporte mais equitativo para uma mobilidade urbana eficiente. (Foto: Mariana Gil/EMBARQ Brasil)
Com o intuito de subsidiar os participantes do seminário com uma visão holística sobre a mobilidade urbana no país, um time de especialistas formado por Eduardo Vasconcellos, da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos); Orlando Strambi, professor da Poli-USP; e Valérica Pero, professora da IE-UFRJ; foi moderado pelo jornalista Marcelo Moura, da Revista Época sobre a atual situação da mobilidade urbana no Brasil.
Vasconcellos abriu o painel resgatando a origem da problemática. “Para entender como transformar, temos que entender como as cidades foram construídas e em qual contexto”, disse. Desde 1930, a mobilidade urbana foi planejada com o favorecimento do transporte individual motorizado.
Trazendo a discussão de volta ao presente, o especialista acredita que somente movimentos sociais, como os que se manifestaram nos protestos do ano passado, são a força capaz de reverter a situação caótica e de exclusão a que o país chegou “Desde os anos 30 somos reféns do automóvel. Nossa urbanização desenfreada colocou o pobre na periferia, sem acesso à mobilidade urbana, e as forças políticas seguiram neste modelo”. Não apenas o automóvel, mas a motocicleta é também uma grande vilã. “Globalmente, 1,2 milhão de pessoas morreram ou foram gravemente feriadas no ano passado. É a pior tragédia de que temos notícia desde o século passado”, alertou.
Sobre o papel das políticas públicas, Eduardo criticou sua ineficiência. “Leis nós temos. Só que as forças políticas e econômicas vêm tirando proveito do modelo atual”, alertou. Como soluções, ele vê não apenas a melhoria do transporte coletivo, mas também a taxação pelo uso do transporte individual, prática já comum em países europeus “Os usuários das vias devem pagar por seus consumos e seus custos, e o espaço público deve ser reorganizado e reapropriado, uma vez que tomado pelo automóvel”, pontuou, finalizando que é disto que a nova economia da mobilidade deve se apropriar.
O professor Orlando Strambi concordou com Vasconcellos sobre a característica inerente à economia em favorecer o uso do automóvel e listou quatro ações-chave para promover o uso do transporte sustentável: substituir uma viagem por uma “não viagem”; reduzir a quantidade de viagens, aspecto que pode contar com ajuda do planejamento urbano; mudar modais de transportes e aumentar eficiência energética dos modais. Além dessas, outras medidas de restrição ao automóvel foram mencionadas. “O pedágio urbano é a mais detestável do ponto de vista da aceitação pública, mas, uma vez comprovados os benefícios, é possível fazer pessoas mudarem de opinião. O prefeito de Londres foi reeleito após implantar o pedágio urbano”, lembrou.
Numa visão otimista do cenário, traçou os universos paralelos existentes no debate sobre a questão. “Comerciantes insatisfeitos com faixa de ônibus ou ciclovia; mas andar a pé na Europa é maravilhoso. No Brasil, existem barreiras políticas, econômicas e culturais, mas será que por trás disso há um mundo melhor?”, provocou, finalizando: “parece que sim”. A professora Valéria, da UFRJ, por sua vez, lembrou que o gasto com transporte é inversamente proporcional ao da renda, salientando a necessidade da criação de políticas que favoreçam a mobilidade urbana sustentável.
Fator econômico não é considerado em ampla escala
O fator econômico é determinante ao modo como país prioriza sua mobilidade urbana. Hoje, o automóvel é o centro das políticas em função dos mitos, prejudiciais ao entendimento dos leigos, constatou Eduardo Vasconcellos da ANTP. “Eu não entendo nada de ciências espaciais ou de golfe. Por que alguém leigo em mobilidade urbana irá entender sobre o assunto?”, provocou o especialista.
Numa realidade capitalista como a brasileira, há que pensar a lógica do metabolismo da mobilidade. Ou seja, consome-se espaço viário, tempo, dinheiro e energia. Os impactos desse metabolismo podem ser positivos ou negativos, Eduardo explicou, acrescentando que “os três impactos mais severos são o congestionamento, a segurança viária e a saúde pública”. Tomando a Europa como exemplo, ele afirmou que o fato de europeus possuírem carro não significa que eles o utilizem. “O europeu roda de 10 a 12 mil km com seu automóvel. Não por causa do meio ambiente. Mas porque é caro usar o carro na área urbana”, afirmou, alegando que a discussão no Brasil ainda é leiga. “Aqui há o manto ideológico e não há discussão. Taxar o uso do carro é realidade na Europa, mas aqui essa discussão sequer começa a ser feita. Há uma barreira”.
A informação é um ponto-chave a ser questionado, destacou o professor da USP Orlando. Enquanto é comum ouvir notícias sobre qual a quilometragem de congestionamentos São Paulo tem, por outro lado não há dados veiculados sobre o nível de poluição atmosférica, as mortes prematuras em decorrência dela, e mortes que poderiam ter sido evitadas, quanto dinheiro se perde nas horas paradas, quanto dinheiro foi despendido para atender crianças, idosos no SUS por problemas respiratórios. “Essas são as histórias que precisamos contar com mais frequência para ampliar o debate e sairmos da situação em que estamos”, concluiu o professor.
Por fim, Vasconcellos avaliou que a pressão legítima dos movimentos sociais, sem violência, mas forte suficiente para que o sistema mude, é um importante agente de mudança. Além disso, é preciso desmistificar a ideologia de que “o automóvel é um bem supremo que todos desejam”, seja por parte de cidadãos mal informados, seja por parte da imprensa irresponsável. “Um mito, por exemplo, é que ônibus com seis pessoas dentro é um desperdício. Embora desejável que tenha mais passageiros, é ainda mais vantajoso que o automóvel só com o motorista, em termos econômicos e de poluição”, frisou, completando que há que fazer propostas concretas que mudem o sistema de mobilidade. Orlando, retomando a perspectiva de um universo paralelo, questiona se São Paulo será, em 30 anos, a mesma. “Pode ser melhor ou pior do ponto de vista da mobilidade. As cidades se transformam e não de um dia para o outro. A urgência do momento é não correr risco de estamos em uma cidade pior em 30 anos”, concluiu. Valéria atentou para a distribuição de recursos às soluções. Priorizar medidas de longo prazo agora pode ser crucial para a construção de um futuro melhor.
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