Entrevista originalmente publicada pelo site do Congresso SIBRT, em 08/05/2013
Em entrevista exclusiva, Jaime Lerner falou dos desafios a serem enfrentados no transporte público no Brasil e das suas expectativas para o III Congresso SIBRT.
O arquiteto e urbanista Jaime Lerner tem uma visão única sobre os problemas dos grandes centros urbanos. Para ele, quem acredita que as grandes cidades estão fadadas ao fracasso no que se refere à mobilidade urbana, estão com uma visão turva sobre a cidade, “organismo que acolhe a vida e que não é só um aglomerado de concreto e vias”.
Ex-prefeito de Curitiba por três vezes e ex-governador do Paraná por duas vezes, o homem que lançou seu olhar sobre a cidade de Curitiba, criando novos modelos e conceitos de urbanização ainda em 1971, hoje dedica-se ao Instituto Jaime Lerner, é consultor da ONU para questões de urbanismo, presidente honorário de SIBRT e membro de conselhos consultivos de várias organizações internacionais voltadas para mudanças climáticas e sustentabilidade.
Eleito em 2010 pela RevistaTimecomo um dos 25 pensadores mais influentes do mundo, Jaime Lerner acredita que o carro particular, no futuro, será visto como o cigarro nos dias de hoje: “Você poderá usá-lo, mas será encorajado a não fazê-lo para não incomodar as pessoas”.
Convidado a participar como palestrante principal do III Congresso As Melhores Práticas SIBRT na América Latina (Belo Horizonte, de 4 a 7 de junho), Lerner falou, entre outros assuntos, das suas ideias para o sucesso da mobilidade urbana, os benefícios de se investir em transportes de superfície, em especial o BRT, e a importância de mudar os paradigmas das pessoas que “não mudam seus conceitos se as alternativas não forem melhores”. Para isso, propõe um transporte público de qualidade e acessível para todos.
Confira na íntegra a entrevista:
SIBRT – Quais as principais deficiências dos sistemas de transporte público das grandes metrópoles brasileiras?
Jaime Lerner – A principal deficiência é a falta de confiança das pessoas no transporte coletivo, o que faz com que elas optem pelo carro particular. O Brasil é um dos países que mais tem condições, em minha opinião, de resolver a questão da mobilidade urbana: temos as tecnologias necessárias, programas de financiamento e a recente boa vontade por parte das empresas de transporte público, que estão dispostas a melhorar. O momento atual é muito bom!
SIBRT – Quais medidas são mais urgentes para sanar essas deficiências ou, ao menos, minimizá-las?
Jaime Lerner – O que falta para que esse cenário positivo se complete é a decisão política com comprometimento técnico para vencer as atuais barreiras. O sistema deve ser integrado para que possa atender às necessidades das pessoas. O segredo da mobilidade é ter um metrô que opere bem e que seja integrado a linhas de ônibus com serviços eficazes, além de outras soluções de superfície. Temos que usar tudo. O ônibus hoje é responsável por 70%, 80% dos transportes atuais.
O poder público, muitas vezes, não sabe o que quer e, além disso, é difícil fazer a população acreditar em melhorias. A visão da cidade também carece de revisão: é preciso que as pessoas tenham uma visão inserida na cidade já que ela é uma estrutura de vida, trabalho, lazer, tudo junto. Não dá para pensar em definir a cidade sem pensar em local que mora, onde se trabalha, onde acontece o lazer, tudo junto.
SIBRT – É de sua autoria a expressão “metronizar” o ônibus: O que exatamente isso quer dizer?
Jaime Lerner – Significa dar ao ônibus a mesmaperformancedo metrô, onde o usuário paga sua passagem em estações externas e não dentro do ônibus, agilizando a entrada dos passageiros. Agilizar o acesso por meio de embarque no mesmo nível e promover tráfego em pista exclusiva para oferecer mais conforto, qualidade e segurança. E acima de tudo, significa garantir a frequência, muito importante para promover a credibilidade. Com os ônibus é possível ter frequência de minuto em minuto, com o metrô não.
As pessoas simplesmente não irão acreditar em uma alternativa que não é melhor. Temos que oferecer um sistema de altíssima qualidade para mudar o paradigma. O carro vai ser como o cigarro no futuro. Você pode até ter o carro, mas vai ser aconselhado a não usá-lo para não incomodar as pessoas.
SIBRT – Quais as principais vantagens/diferenciais do transporte de superfície?
Jaime Lerner – A grande vantagem é o custo, que é de 50 a 100 vezes menor por quilômetro se comparado aos transportes subterrâneos. Além disso, a rapidez na implantação, que é de 2 a 3 anos. A operação em si já se paga, ou seja, não há necessidade de subsídios, se bem planejado; não é preciso sacrificar gerações para oferecer um sistema de transporte de qualidade.
SIBRT – O senhor acredita que o transporte de superfície será o futuro do transporte urbano no Brasil e no mundo?
Jaime Lerner – O futuro está na superfície, mas é fundamental que cada implantação do BRT seja bem operada, integrada ao uso do solo e com visão de crescimento das cidades. O Brasil é o país que tem melhorknow howde BRT, sistema que está implantado atualmente em 156 cidades no mundo, como Bogotá e Cidade do México, na Europa, China e nos EUA.
Eu não acredito, por exemplo, na expressão corredor de transporte. Eu prefiro utilizar eixo de transporte integrado ao planejamento da cidade. O corredor não tem ligação com o uso do solo.
SIBRT – Em sua opinião, por que o setor de transportes ainda não é visto como prioridade das políticas públicas no Brasil?
Jaime Lerner – Acredito que há uma reação contra soluções simples por parte do poder público. No Brasil isso não é possível. Vivemos um falso dilema: ou o carro ou o metrô. O fato é que não podemos pensar em um só tipo de transporte. Dificilmente teremos um sistema de metrô como em Paris ou Londres, que foram implantados há mais de 100 anos. Sabemos que, somente em São Paulo, 84% dos deslocamentos são de superfície. É necessário, então, que a superfície seja bem operada. Em alguns casos, no Brasil, a implantação do BRT não tem sido realizada com visão integrada de cidade.
SIBRT – Curitiba é referência mundial em transporte público, por conta da implantação do BRT há mais de 30 anos, durante o seu mandato. Quais fatores determinaram o sucesso desse modelo hoje adotado em todo mundo?
Jaime Lerner – Curitiba trabalhou com uma visão integrada de cidade, que passou a ser pensada com estrutura: vida, trabalho, lazer e mobilidade, tudo isso foi trabalhado em conjunto. O que a gente fez foi utilizar esse conceito, e principalmente, fazer bom uso do solo. Por isso, somos referência.
SIBRT – Em junho, será realizado o III Congresso As Melhores Práticas SIBRT na América Latina, em Belo Horizonte. Qual sua expectativa para o evento?
Jaime Lerner – A minha expectativa é de que a implantação do BRT no Brasil aconteça de forma mais rápida. A grande resistência era dos operadores de ônibus. Esta resistência não existe mais. Espero que o Congresso promova um roteiro de implantação nas cidades e que elas pensem seus sistemas com mais qualidade. É necessário que isso aconteça já!
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