Artigo originalmente publicado em inglês por Clayton Lane, no TheCityFix, em 08/01/2013.
A compra de US$ 500 milhões da Zipcar pelo Grupo Avis, anunciado na última quarta-feira, é um divisor de águas para a indústria de car-sharing (compartilhamento de carros). O que isso significará?
Clayton Lane é diretor-operacional da EMBARQ, o Centro de Transporte Sustentável do WRI, e ajuda a liderar as iniciativas globais de Cidades do WRI, com foco em energia, água e transportes. Em 2002, Clayton co-fundou o PhillyCarShare, na Filadélfia.
Apenas dez anos atrás, ninguém sabia se o car-sharing poderia sequer funcionar na América do Norte, muito menos se tornar um lance de moda da vida urbana pragmática. Ainda hoje a Zipcar, mais dezenas de start-ups inovadoras como City CarShare, PhillyCarShare, I-Go e CommunAuto, têm crescido bastante em todas as principais cidades americanas e canadenses.
O car-sharing marcou de forma indelével o modo como vivemos nas cidades. A adesão passa de uma em cada cinco adultos em muitos bairros urbanos de Montreal a San Francisco. Cada veículo compartilhado na América do Norte substitui 9 a 13 carros pessoais e reduz a condução em cerca de 44% – já que os cadastrados nos sistemas economizam e optam pela caminhada e bicicleta para se deslocar.
A Zipcar tem estado na vanguarda dessa transformação. Lançada em Cambridge, Massachusetts, com alguns New Beatles verde-limão da Volkswagen, a start-up pioneira catalisou mudanças em todo o mundo e ajudou a inspirar um movimento inteiro em direção ao acesso compartilhado a tudo: desde casas, bicicletas, estacionamento, e até mesmo animais de estimação.
Dado o sucesso contracultural do car-sharing, o que devemos aprender com a aquisição da Zipcar na indústria automobilística? A compra da Zipcar pelos “marmanjos” é o maior sucesso para o car-sharing, ou seu fracasso final no “mundo real” das grandes companhias e da cultura mainstream? Isso levará a revolucionárias inovações – do tipo que impulsionou a Zipcar ao estrelato de tendência – ou é o feitiço final do car-sharing?
Impacto da aquisição
A verdade é que a Zipcar tirou o pé do pedal da inovação há muito tempo, em favor de sua corrida para larga escala e alta rentabilidade. Enquanto a Zipcar inovou na margem – recentemente introduziu moving vans, um novo aplicativo para celular e alguns veículos elétricos – já não é o modelo-para-mudar-o-mundo que define “o que será”.
Embora os 760.000 membros da Zipcar representem quase a metade dos membros de car-sharing globais, a empresa nunca gerou lucro anual desde a sua fundação em 2000. Após um bem sucedido IPO em abril de 2011 – outro momento decisivo- o estoque da Zipcar inicialmente subiu para US$31.50 milhões, mas caiu após derrotas consecutivas, fechando em apenas US$8.24 milhões antes do anúncio de compra pela Avis. A Zipcar tinha apenas dois meses operacional do dinheiro na mão já que foi antes do fechamento de setembro.
A aquisição da Avis, em vez de restringir a inovação, pode fornecer um pouso suave que permitirá a Zipcar pensar grande novamente. O negócio deve oferecer melhora e comodidade aos membros, que terão acesso a frota maciça da Avis nos fins de semana, período em que a Zipcar geralmente sofre com a falta de carros e a Avis com a falta de clientes. E a Zipcar deve desfrutar de economias significativas em seguro e compras de frota, o que deve melhorar a sustentabilidade financeira.
A Zipcar continuará sendo a maior e mais recente marca de propriedade Big Rental – ao lado de Hertz Connect, DriveNow (Sixt), e WeCar e PhillyCarShare (ambos Enterprise). A incursão do estabelecimento do car-sharing é uma resposta para a sua integração bem sucedida – e um sinal de que a inovação em grande escala mudou.
A grande notícia de hoje
Mas a notícia mais excitante sobre car-sharing não está no papel. Está na rua. Os empreendedores sociais estão redefinindo a forma como pensamos sobre o carro e como compartilhá-lo, assim como na forma de serviços, acesso espontâneo (sem reservas), e muito mais. Dois avanços vão revolucionar o compartilhamento de carros: o serviço peer-to-peer, e inovações para os países em desenvolvimento.
Serviços Peer to Peer
Serviços Peer-to-peer (P2P) permitem que indivíduos compartilhem seus carros pessoais diretamente com os outros. Imaginem acesso conveniente a cada hora para praticamente todos os carros estacionados na rua. A maioria dos carros fica ocioso 95% do tempo. O P2P nos permite ter acesso a essa grande capacidade inutilizada, e permite que os proprietários de carro ganhem dinheiro dirigindo menos – uma vitória para o meio ambiente. O P2P também elimina o enorme capital necessário para a expansão da frota de automóveis de compartilhamento, permitindo um aumento de escala como nunca houve antes.
O britânico WhipCar, por exemplo, cresceu para 19 mil veículos em dois curtos anos, quase dobrando a frota mundial da Zipcar, com apenas uma pequena fração do seu capital. San Francisco, um viveiro de inovação, viu nascer cinco start-ups P2P em 2012. O RelayRides, lançado em 2010, já atende a 13 cidades dos EUA com dezenas de modelos de carros, geralmente com preços mais baixos do que o do Zipcar e de locadoras tradicionais. O futuro da inovação, definitivamente, não é corporativa. É colaborativo, participativo e co-criado.
Países em desenvolvimento
Os empreendedores sociais também estão abrindo caminho na Ásia, África e América Latina – a casa de 74% da população urbana do mundo, mas de apenas 4,5% dos membros de car-sharing. Só as cidades da Índia e da China devem ter 700 milhões a mais de residentes em 2030, a maioria aspirantes à crescente classe média. Será que essas cidades crescerão com carros poluentes?
Em vez disso, imagine se o primeiro carro de uma família for aquele compartilhado com os vizinhos. Imagine se o car-sharing pode ganhar força antes da propriedade se tornar onipresente. O compartilhamento de carros pode ajudar as cidades a ficarem compactas e tranquilas, e a estabelecer uma cultura de mobilidade sustentável.
Novas start-ups foram, recentemente, lançadas em São Paulo, Pequim, Hangzhou, Istambul e Cidade do México. Elas estão experimentando servir a diversas culturas e enfrentar os desafios únicos de países em desenvolvimento – como restrições de veículos em Pequim, três horas de tráfego em São Paulo, e o escasso estacionamento na rua em Mumbai. Elas estão educando os governos, estabelecendo uma indústria de fornecedores, e construindo novos mercados.
Estas são as grandes histórias do car-sharing.
A compra da Avis pode muito bem permitir que a Zipcar retorne a um período de maior inovação, escala e qualidade. Esperamos que sim. Independentemente disso, os empresários estão redefinindo o nosso relacionamento com o carro, nas ruas de São Francisco e de São Paulo. Este é o sucesso duradouro do car-sharing.