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A poesia oculta dos coletivos

Foto: Felipe Meyenberg

Por Kaiodê Biague* 

Os tempos modernos, as cidades funcionalistas do século XX, pensadas em função do automóvel, muito contribuíram para uma espécie de “coletivofobia”. Para muitas pessoas, o transitar pelas ruas parece um caminhar pelo “vale da sombra da morte”. A utilização dos espaços públicos se assemelha ao desconforto de uma ressaca, com isso, perdem a oportunidade de contemplar a poesia oculta das cidades.

Ao longo de nossos trajetos deixamos passar cenas e situações, simplesmente, porque estamos ocupados demais em chegar rápido em nossas zonas de conforto. O contato com o outro é evitado sempre que possível. O senso de com-unidade parece algo ultrapassado, mesmo no coletivo os imperativos são no singular. Certa vez estava em um ônibus e observava como uma moça parecia estar enojada em viajar segurando aquelas barras de apoio.

Como sempre costumo carregar no bolso um pequeno bloco de papel e uma caneta, logo veio a inspiração para o seguinte poema:

De quem são essas mãos

Sobre estes corrimãos, mãos.

Mãos afetuosas, mãos rancorosas,

cheias de calos ou macias como seda.

Mãos prestativas e que negam socorro.

Mãos que subtraíram ou que trouxeram vida.

Negras e brancas, novas e velhas, místicas ou céticas,

inocentes, experientes e negligentes.

Sobre estes corrimãos até mãos não mais existentes.

Não pretendo aqui romantizar o ônibus, pois sei bem o quanto nossos transportes públicos ainda carecem de qualidade, este post é apenas um convite à reflexão. Mesmo em meio ao caos urbano ainda é possível encontrarmos fragmentos que fazem valer o levantar da cama. Recordo-me de um livro muito interessante sobre os usos do espaço público, “Morte e vida de grandes cidades”, da ativista urbana Jane Jacobs (1916 – 2006), no qual assim escreveu sobre a importância da coletividade:

“Ninguém pode manter a casa aberta a todos numa cidade grande. Nem ninguém deseja isso. Mesmo assim, se os contatos interessantes, proveitosos e significativos entre os habitantes das cidades se limitassem à convivência na vida privada, a cidade não teria serventia.”

 

* Estudante de arquitetura no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, em Belo Horizonte, e vencedor do Prêmio Jovem Cientista 2011.

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