O município de Riosucio (“rio sujo”), localizado no noroeste da Colômbia no departamento de Chocó, sofre com as enchentes anualmente. Tradicionalmente, a cidade tem lidado com esse problema anual construindo pontes informais de madeira que os cidadãos precisam atravessar cuidadosamente para chegar a seu destino. Para atenuar esta situação o município construiu a passarela para pedestres mais longa da Colômbia, que se estende por quase 3 km, um comprimento maior do que o da Golden Gate Bridge. Embora esta estrutura tenha melhorado significativamente a qualidade de vida dos 27 mil moradores de Riosucio, o município enfrenta desafios enormes, incluindo o deslocamento e a violência decorrentes do longo conflito armado, enchentes anuais e sistema de saúde precário.
Riosucio se espalha ao longo das margens do rio Aroto, quando este inunda os moradores constroem uma rede informal de pranchas de madeira que os cidadãos precisam percorrer cautelosamente como equilibristas. “Nós tivemos muito trabalho por causa das enchentes. Fizemos pontes com tábuas”, diz Josefina Mena, moradora de Riosucio, “mas elas não funcionam muito bem: às vezes ficam submersas, demoram muito pra ser construídas e já vi crianças caindo n’água. Alguns tiveram sorte e saíram com fraturas ou cortes, mas alguns se afogaram porque se enroscaram em raízes escondidas e não conseguiram sair.” Em média, 7 crianças se afogam em Riosucio a cada temporada de chuvas.
Quando Rafael Burgos, da Cruz Vermelha colombiana, visitou pela primeira vez Riosucio ele caiu duas vezes das pontes de tábua e mal conseguiu evitar ferimentos. Ensopado e desencorajado, Burgos e sua equipe desenvolveram a idéia da passarela de pedestres. “A ponte serve para facilitar a mobilidade daqueles cidadãos que vivem nos bairros mais isolados”, diz Fernando Cardenas, presidente da Cruz Vermelha na Colômbia, “essa área se tornou um local de difícil acesso, completamente desconectada do resto da comunidade de Riosucio.” As 80 mil tábuas foram feitas a partir de 1 milhão de garrafas de plástico recicladas coletadas de Bogotá e Cali. “A ponte se tornou a via principal para ajudar a mobilidade da cidade”, segundo o ex-prefeito Jorge Isaac Mosquera.

Em média, 7 crianças se afogam em Riosucio no período de enchentes (Foto com permissão de Juan Diego Restrepo E.)
Os residentes da área apelidaram a passarela de “o metrô”. “Antes ninguém vinha para cá, agora o metrô traz professores, enfermeiras, engenheiros e administradores da cidade. A cidade inteira agora está em contato com esta área”, diz Manuel Salas, um residente cego de Riosucio que percorre o caminho de tábuas com a ajuda de uma bengala,”o metrô é emocionante porque é a única passagem que existe na cidade quando estamos inundados.” Decorrentes da necessidade de conectar a cidade e reduzir as taxas de acidentes, a ponte tem protegido os cidadãos mais vulneráveis como idosos, jovens e pessoas com deficiência. Infelizmente, a ponte sofreu sérios danos por causa das enchentes e precisa urgentemente de reparos, após apenas dois anos de existência.
Riosucio é segundo município mais antigo da Colômbia e, assim como outros assentamentos informais, os cidadãos construíram suas casas às margens de planícies que apresentam situações precárias anualmente durante as épocas de chuva intensa. A Colômbia foi devastada por enchentes este ano devido às fortes chuvas causadas pelo fenômeno La Niña. Mais de 3 milhões de pessoas foram afetadas pelas enchentes neste ano, a maioria nas zonas rurais mais pobres. A destruição causada pelas enchentes atingiu plantações de banana, arroz e a criação de gado, o que tem prejudicado a subsistência dos riosuceños. No Fórum de Bogotá para o Transporte Sustentável, os líderes da conferência ressaltaram a urgência de se adaptar a infraestrutura atual e a futura aos novos padrões climáticos e riscos inerentes de desastres naturais.
“A água da chuva é a única fonte de água”, segundo o dr. Edgar Augusto Hernandez Perdomo, um cirurgião ortopédico da Associação Colombiana de Diabetes , que passou dois anos em Riosucio servindo como único médico do município, “toda água potável é tratada com cloro de acordo com as diretrizes estabelecidas pela CODECHOCO, uma agência do governo local.” O programa de serviço rural da Colômbia é um requisito, de 6 a 12 meses, no currículo dos médicos recém formados, que dão assistência em regiões isoladas do país. Médicos rurais normalmente só são obrigados a servir seis meses em regiões de conflito, caso de Riosucio, no entanto, Hernandez permaneceu por dois anos. “Há uma série de problemas de saúde por causa da água”, Hernandez continua, “a enchente traz contaminação e doenças.” Hernandez queria ajudar o povo do Chocó, onde a expectativa de vida é de 58,3 anos de idade, contrastando com a média de 70,3 da Colômbia como um todo.
Os problemas de saúde desta região tropical é agravada pelas enchentes e pela falta de um sistema de saneamento. As doenças tropicais como malária, dengue e leishmaniose são inflições comuns do departamento de Chocó. Quando Hernandez chegou, o hospital da cidade não tinha eletricidade, camas, cadeiras, janelas, telhados, recepção e má manutenção de medicamentos e aparelhagem médica. Com colaboração de várias ONGs da região, Hernandez trabalhou muito para melhorar o hospital rural com suprimentos médicos, computadores e outros recursos necessários. “O mais terrível é o cemitério, ele está localizado no final da vila, quando vem a enchente é inacreditável, os corpos emergem do solo. Muitas vezes você não consegue nem chegar ao cemitério”, continua Hernandez.
O estilo de vida árduo ao longo do rio ficou ainda mais complicado com o deslocamento forçado por forças paramilitares, em meados de 1990. Os paramilitares, que se acredita serem apoiados por empresários poderosos e proprietários de terras, forçaram os moradores de maioria afro-colombiana e indígena a trabalharem nas terras de seus ancestrais com oportunidade mais rentável na agricultura, incluindo o cultivo de coca – o ingrediente ativo da cocaína. Ambos os grupos, FARC e paramilitares, operam nesta região, que devido à sua proximidade estratégica com a fronteira com o Panamá, e com o Oceano Pacífico, serve como uma rota marítima para a cocaína, uma fonte de renda enorme para os grupos armados.
Presos entre o tiroteio dos paramilitares, guerrilheiros e tropas do governo, 17.000 pessoas fugiram de suas casas por causa da violência na região baixa de Atrato entre 1996 e 1998. Esses refugiados se juntaram a outros 3,3 milhões de colombianos, chegando ao segundo maior número de pessoas internamente refugiadas no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas. Este capítulo difícil está tão arraigada na história da comunidade que é recontado em detalhes no site do município. A violência onipresente e os desastres naturais do interior mais afastado tem afetado demais os grupos marginalizados e minoritários da Colômbia.
Em seu hit vencedor do Grammy De Donde Vengo Yo, Choquibtown, um grupo de hip-hop colombiano de Chocó, fez um rap sobre a luta de seu povo: De donde vengo yo, La cosa no es fácil pero siempre igual sobrevivimos. “Alguém da cidade não pode entender a realidade que o povo de Riosucio vive”, alerta Hernandez. Os cidadãos de Riosucio se acostumaram a viver neste ambiente difícil, no entanto, a vida continua a ser um desafio eterno para esta antiga vila pesqueira no noroeste da Colômbia.