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A visão de três mulheres especialistas em segurança viária para salvar vidas no trânsito
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Fortaleza é uma das cidades brasileiras que trabalha para desenvolver seu Plano de Visão Zero e reduzir as mortes no trânsito (Foto: Rodrigo Capote/WRI Brasil)

Pensar em segurança viária é buscar meios de salvar vidas. Zerar o número de mortes no trânsito deve ser o principal objetivo das cidades. Três especialistas da área, com trajetórias diversas e atuantes em países de diferentes realidades, decidiram trabalhar para mudar o paradigma atual, que registra globalmente 1,25 milhão de mortes por ano no trânsito. Para isso, defendem a abordagem e o planejamento dos conceitos de Visão Zero e Sistemas Seguros, que partem da premissa de que erros humanos são inevitáveis, mas fatalidades e ferimentos graves no trânsito não são.

Claudia Adriazola, diretora global de Segurança Viária do WRI, iniciou sua trajetória na área ao trabalhar com o primeiro Programa de Segurança Viária do Peru, momento em que o tema a fascinou. Na ocasião, ela teve a oportunidade de trabalhar com especialistas da Dinamarca, Holanda e Suíça, com quem afirma ter aprendido os conceitos de Sistemas Seguros e mobilidade sustentável.

Anne Eriksson, da Direção Rodoviária Dinamarquesa, iniciou seu contato com segurança viária ao trabalhar na prefeitura de Copenhagen. Em 1991, participou de uma iniciativa nacional que levantou os efeitos do tráfego de veículos e fez com que ela iniciasse os estudos sobre acidentes de trânsito. Desde então, esse tem sido o foco do seu trabalho.

Já o envolvimento da boliviana Sofia Salek de Braun, atual analista de negócios e defensora da segurança viária do Grupo PTV, na Alemanha, com segurança viária começou diferente. “Eu gostaria de ter outra resposta, mas o início da minha incansável motivação para melhorar a segurança viária no mundo ocorreu devido a uma experiência pessoal, a perda do meu filho de cinco anos e meus sogros em um trágico acidente de carro em dezembro de 2015, na Bolívia”, conta ela. “Sabemos que todos os dias pessoas morrem ou são gravemente feridas em colisões de trânsito. Mas sempre pensamos que isso apenas acontece com outras pessoas, distantes de nós, que não conhecemos. Mas aconteceu conosco. E em segundos nossas vidas mudaram completamente”.

Confira entrevista que o TheCityFix Brasil realizou com as três especialistas durante uma visita ao Brasil para disseminar os conceitos de Visão Zero e Sistemas Seguros.

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Quais são os principais obstáculos que os países e as cidades precisam superar na adoção da estratégia Visão Zero?

Claudia – O primeiro obstáculo é aceitar que Visão Zero não é uma marca, é uma mudança fundamental que significa priorizar a vida e a saúde em vez de velocidade e conveniência. Os países e as cidades precisam ter suas prioridades claras e uma sociedade civil fortalecida que possa exigir mudanças.

Sofia – A abordagem tradicional da segurança viária aceita esse equilíbrio entre mobilidade e perda de vidas. Há uma falta de consciência pública sobre a magnitude do problema e uma baixa percepção dos perigos reais. Medidas importantes, como limites de velocidade e uso de capacete, são vistas como restrições às liberdades pessoais. Isso gera uma dificuldade para a mudança de paradigma. Além disso, é fundamental uma visão acordada e um forte compromisso entre a ampla gama de atores envolvidos. Portanto, essa visão deve ser apoiada por uma forte governança, liderança visionária, gestão eficaz e ampla coordenação.

Anne – A nível nacional, pode ser um desafio fazer com que tomadores de decisão trabalhem juntos, mas leis podem ser mudadas em relação a veículos, em termos de fiscalização, entre outros. As cidades podem assumir o papel de encorajar os atores envolvidos a fazerem sua parte e inspirarem uns aos outros.

O que esse novo compromisso significa para a cidade? Como a comunidade pode se envolver?

Claudia – O compromisso com a Visão Zero significa mudanças necessárias. Primeiro, grande parte da responsabilidade precisa ser dada àqueles que podem tomar decisões, que têm o poder de alocar recursos e que têm o conhecimento. Depois, é preciso parar de culpar as vítimas. Olhar para a segurança no trânsito, nas vias, é o que reduzirá o número de mortes. Por fim, precisamos de metas ambiciosas mas realistas. E a comunidade é fundamental para impulsionar essas mudanças. É muito fácil voltar à inércia de culpar as vítimas, mas uma comunidade informada manterá a promessa viva, a luta será constante, se engajará na tomada de decisões.

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Claudia Adriazola (Foto: Débora Pinho/WRI Brasil)

 

Sofia – Significa que a cidade e a comunidade devem considerar-se afortunadas por ter líderes visionários no nível político. A vontade política é um dos maiores desafios da segurança viária e, se essa vontade existe, deve haver muito apoio da comunidade. A segurança viária é uma responsabilidade compartilhada.

Anne – Também é importante lembrar as pessoas sobre o porquê da introdução dessas mudanças. É preciso falar de novo e de novo, continuamente, que podemos evitar que pessoas morram ou se machuquem se tornarmos o sistema viário mais seguro.

Infelizmente, o Brasil não tem tradição de trabalhar com segurança no trânsito. Quanto tempo levará para construirmos essa nova cultura, essa nova abordagem?

Sofia – O trabalho com segurança no trânsito é um processo contínuo, que requer compromisso contínuo. Fiquei positivamente surpresa com o trabalho que as cidades que visitamos vêm realizando. Elas não estão começando do zero, elas já têm uma base muito boa. Mas é importante ter em mente que uma mudança de paradigma raramente ocorre de forma repentina, mas sim como uma jornada, dependendo da cultura e do contexto temporal e local, que apresenta oportunidades, perigos e desafios ao longo do caminho.

Claudia – Existem cidades, como São Paulo e Fortaleza, que estão trabalhando muito bem com a segurança viária, o esforço está mostrando resultados positivos e as cidades já estão prontas para fazer mais.

Anne – Muitos atores trabalham com segurança no trânsito no Brasil. Acredito que o Brasil e suas cidades vão se sair bem.

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Anne Eriksson (Foto: Débora Pinho/WRI Brasil)

 

Durante a visita ao Brasil, o que você observou em termos de segurança no trânsito?

Anne – O Brasil tem algumas cidades muito planejadas para os carros. Um grande desafio que também afeta a mobilidade é a falta de segurança pública, já que há uma percepção de que o transporte coletivo ou a pé expõem as pessoas a mais riscos. A prioridade dada aos carros afeta as decisões sobre como projetar espaços públicos e infraestrutura de transporte.

Claudia – Como em muitos outros países, a velocidade é uma questão séria, juntamente com políticas de mobilidade sustentável. Ambos os tópicos precisam ter metas claras para medir o progresso.

Sofia Salek de Braun (Foto: Débora Pinho/WRI Brasil)

Sofia – Uma das coisas que notei foi o grande número de motocicletas. Isso não é apenas um problema no Brasil, mas também em outros países. Atualmente, existe uma preocupação com a crescente população de motociclistas na Ásia, África e América Latina. As motocicletas são predominantes no mundo em desenvolvimento porque são relativamente baratas de comprar e operar, geralmente menos reguladas. As quedas envolvendo motociclistas tornaram-se uma questão importante e precisam de atenção e pesquisa específicas.

 

Experiência em São Paulo e Fortaleza

Como foram as conversas com as cidades de São Paulo e Fortaleza?

Anne – Os funcionários municipais estavam muito interessados, tanto a equipe das prefeituras quanto os líderes. Também existe uma cooperação dentro da administração da cidade e outros órgãos. Isso é muito bom.

Claudia – As conversas foram ótimas, as cidades realmente querem trabalhar na segurança viária e abraçar Sistemas Seguros/Visão Zero. Os tomadores de decisão e técnicos precisam de apoio para assumir maiores responsabilidades e construir seus sistemas seguros.

Sofia – Nas duas cidades eu vi uma equipe altamente disposta e engajada na segurança viária. Foi muito encorajador e, ao mesmo tempo, um privilégio acompanhar a visão de liderança corajosa, inteligente e dedicada, com uma forte bússola moral, que tem valores éticos fundamentais e coragem para agir em nome do bem comum. Espero que todas as partes interessadas externas a esse grupo de trabalho percebam que a segurança no trânsito não diz respeito a ideologias, mas é um dos problemas mais sérios de saúde pública; as consequências dos acidentes de trânsito representam uma série de implicações sociais, econômicas e emocionais.

Faixa em X em São Paulo prioriza os pedestres e melhora a segurança (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil)

 

Você pode dar exemplos de boas medidas de segurança no trânsito que você considera mais eficazes para essas cidades?

Sofia – É precisamente ao desenvolver um plano de segurança viária local que as medidas e ações necessárias são identificadas. Isso não significa que você tenha que esperar para agir até que o plano seja concluído. Estabelecer um Plano de Segurança Viária é fundamental para alcançar os objetivos do Visão Zero e serve como diretriz. Porém, focar nas ações é a parte mais importante. Existem medidas que não são dispendiosas, como limites de velocidade, e podem ter um efeito imediato.

Anne – Muito pode ser feito para melhorar a infraestrutura através do planejamento voltado aos pedestres, ciclistas e motociclistas. No entanto, vejo que também existe uma demanda de transporte coletivo suficiente e sustentável, o que pode ser uma oportunidade para redesenhar as ruas de maneira mais segura.

Claudia – Metas diretas para melhorar a segurança de usuários mais vulneráveis das vias. Maior foco em melhorar e aumentar o transporte coletivo, a pé e de bicicleta. Planos de gerenciamento de velocidade que respondem à demanda das cidades.

Sofia – Uma vez identificadas as principais vias de circulação da cidade, os esforços e a fiscalização do trânsito, de acordo com os critérios de segurança viária, devem ser concentrados na verificação e organização das travessias de pedestres, paradas de transporte público, estacionamentos, obstáculos, intersecções, comércio no pavimento etc.

 

Como mudar a imagem negativa da população em relação ao aumento de fiscalização, especialmente sobre os limites de velocidade?

Anne – Não devem ser os motoristas de carro os tomadores de decisão em relação aos limites de velocidade, mas sim a cidade. Será que pessoas cujos filhos têm de atravessar a rua todos os dias para ir à escola têm essa visão negativa? Ou quem mora perto de ruas que permitem altas velocidades?

Claudia – O controle da velocidade é uma medida de segurança que demonstrou ser muito eficaz. Muitos países lidaram com questões semelhantes e aprendemos que precisamos ser transparentes sobre o programa, as metas de redução de mortes e ferimentos graves devem ser claramente expostas e os recursos coletados por multas devem ser reinvestidos em melhorias de segurança.

Sofia – É preciso melhorar a compreensão e a conscientização do público sobre os perigos do excesso de velocidade. Ao explicar bem e de forma exaustiva – com uma boa estratégia de comunicação – que medidas de controle, como radares de velocidade ou câmeras de segurança de tráfego, existem para salvar vidas e proteger os usuários da via e não para gerar dinheiro. O reinvestimento da receita arrecadada de multas em programas e iniciativas de segurança viária deve contribuir para mudar a percepção negativa que os cidadãos têm sobre o sistema.

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