
Cidade do México: ruas redesenhadas para aumentar a segurança dos pedestres (Foto: SEDEMA CDMX)
Este post foi escrito por Claudia Adriazola-Steil, Anna Bray Sharpin e Ben Welle e publicado originalmente no WRI Insights e no TheCityFix.
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Na Suécia, menos de três pessoas a cada 100 mil morrem em acidentes de trânsito atualmente – é uma das taxas mais baixas em todo o mundo. Em contraste, são 11 mortes a cada 100 mil habitantes nos Estados Unidos e 23,4 a cada 100 mil no Brasil.
Um motivo para a diferença? A abordagem de “Sistemas Seguros”.
Evitando mortes no trânsito com um Sistema Seguro
Em 1999, o Parlamento Sueco estabeleceu o programa de segurança viária conhecido como “Visão Zero”. Indo além dos métodos tradicionais de segurança, focados nos motoristas – como campanhas pelo uso do cinto de segurança e advertindo sobre o perigo de dirigir depois de ingerir bebidas alcoólicas –, o país adotou a abordagem dos Sistemas Seguros. A premissa é que, se é inevitável que as pessoas cometam erros, as mortes e acidentes no trânsito não são. Em vez de esperar que as pessoas tenham um comportamento exemplar e perfeitamente seguro, um Sistema Seguro faz com que todos os elementos de uma rede de mobilidade sejam seguros, a fim de reduzir as chances de um acidente grave ou fatal acontecer. O foco dessa abordagem é reduzir a exposição das pessoas a acidentes fatais mantendo limites de velocidade aos quais é possível sobreviver em caso de acidente e segregando os modos de transporte nas vias em que for necessário. A estratégia funcionou: a taxa de mortalidade no trânsito da Suécia caiu 55% entre 1994 e 2015.
Outros países, como Noruega e Holanda, adotaram abordagens semelhantes. Como documentado em um novo relatório do WRI, os países que implementaram um Sistema Seguro conseguiram ao mesmo tempo as taxas mais baixas de mortalidade no trânsito e as maiores reduções no número de mortes ao longo dos últimos 20 anos. Mais de um milhão de mortes podem ser evitadas todos os anos se o resto do mundo atingir níveis de segurança viária comparáveis aos desses países.
Essa é uma abordagem promissora principalmente para os países em desenvolvimento, de baixa ou média renda, onde acontecem 90% das mortes decorrentes de acidentes de trânsito (veja no gráfico à direita, extraído da nova publicação do WRI).
Como é um Sistema Seguro?
Normalmente, as pessoas são consideradas culpadas pelos acidentes – porque não estavam prestando atenção ou porque estavam dirigindo rápido demais. Essa, porém é, uma mentalidade que falha em avaliar se as vias em si são seguras para pedestres, ciclistas e motoristas. As pessoas sempre cometerão erros – e não deveriam ter de pagar por esses erros com suas vidas. A abordagem Sistema Seguro entende a segurança viária como uma questão de saúde pública mais do que apenas de responsabilidade pessoal. Essa perspectiva reduz a responsabilidade dos usuários das vias para colocá-las sobre os planejadores urbanos e gestores públicos responsáveis pelo planejamento. Trata-se de uma abordagem que envolve estratégias holísticas:
- Desenhar ruas seguras
A maneira como as ruas são desenhadas impacta profundamente o comportamento das pessoas. Pode parecer óbvio, mas a realidade é que muitas vias em cidades ao redor do mundo são planejadas principalmente para permitir altas velocidades e a fluidez do tráfego, resultando em ambientes perigosos para as pessoas. Bogotá (Colômbia) recentemente implementou um Sistema Seguro baseado na Visão Zero cuja primeira fase é focada no desenho de vias no entorno de escolas e hospitais. Medidas de moderação de tráfego como lombadas, faixas mais estreitas e bem sinalizadas e espaços seguros para a circulação dos pedestres reduziram a velocidade dos carros e aumentaram a visibilidade das pessoas caminhando nessas áreas. Resultados preliminares mostram que essa estratégia, junto a outras ações dentro da abordagem Sistema Seguro, contribuiu para que as fatalidades de trânsito em Bogotá caíssem 8% em apenas um ano.
- Melhorar as opções de mobilidade
Pesquisas mostram que quanto mais quilômetros são percorridos em veículos privados maior é a exposição ao risco para motoristas, passageiros e demais usuários da via. Assim, quando mais pessoas caminham, pedalam ou andam de ônibus, a segurança viária melhora de forma geral – além de contribuir para o aumento da prática de atividade física e redução das emissões.
Também na capital colombiana, o sistema de transporte coletivo caótico com que costumavam conviver os moradores mudou a partir da implementação do BRT, que trouxe corredores dedicados, estações melhores, ônibus de alta qualidade e qualificação das calçadas e ciclofaixas. Como resultado, a cidade viu uma queda significativa nas mortes no trânsito. No momento em que a expansão da infraestrutura desacelerou, o mesmo pôde ser observado na redução do número de mortes. Assim, planos ambiciosos da cidade para ampliar o BRT e, também, construir um metrô, devem contribuir para tornar a mobilidade ainda mais segura.
- Controlar a velocidade para reduzir as mortes
A velocidades mais baixas, motoristas enxergam melhor o entorno, têm mais tempo de reagir a eventos inesperados e conseguem parar mais rapidamente se necessário. Além disso, os limites de velocidade aos quais uma pessoa pode sobreviver em uma colisão são, em geral, mais baixos do que se acredita. Por exemplo: se atingido por um carro a 30 km/h, um pedestre tem 90% de chance de sobreviver ao acidente; se o veículo estiver a 50 km/h, a chance de sobrevivência cai para apenas 15%.
A Cidade do México, que recentemente implementou uma estratégia de segurança viária baseada na abordagem Sistema Seguro, reduziu os limites de velocidade e atualizou o sistema de cobrança de multas. Essas e outras ações, como mudanças no desenho viário, ajudaram a reduzir em 14% a taxa de mortalidade em acidentes de trânsito nos últimos dois anos.

Pequenas reduções de velocidade diminuem significativamente as mortes no trânsito (Arte: WRI Brasil)
- Coordenar as instituições
Um Sistema Seguro começa na premissa de que planejadores, operadores e tomadores de decisão no campo da mobilidade precisam garantir a segurança das pessoas e oferecer aos usuários da via as melhores condições para que tenham um comportamento seguro em seus deslocamentos. Isso exige profunda coordenação entre os diversos atores envolvidos. O plano de Visão Zero da Suécia, por exemplo, inclui o trabalho de engenheiros de tráfego, profissionais para fiscalização, designers de veículos, especialistas da saúde, educadores, jornalistas, cientistas sociais e funcionários do governo.
O custo humano de não agir
Um Sistema Seguro pode ser aplicado em qualquer lugar, mas é especialmente urgente nos países em desenvolvimento. Noventa por centro do 1,25 milhão de mortes anuais acontecem nos países de baixa e média renda. É uma crise de saúde tanto quanto econômica: os acidentes de trânsito consomem cerca de 5% da produtividade econômica desses países. É o equivalente a viver em permanente estado de recessão – na crise de 2008, também chamada de “Grande Recessão”, os Estados Unidos perderam 5% de seu produto interno bruto.
Ruas seguras não são um luxo, mas uma necessidade, e o custo de não agir é muito maior do que o de tomar as medias necessárias. O mais impressionante é que nós sabemos como prevenir mortes no trânsito. A publicação “Sustainable and Safe: A Vision and Guidance for Zero Road Deaths” (em tradução livre, “Seguro e Sustentável: visão e orientação para zerar as mortes no trânsito”) mostra como. Agora, cabe aos tomadores de decisão, especialistas técnicos e comunidades começarem a salvar vidas.
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