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DOTS: o que falta para preencher as lacunas de conhecimento
Foto: Bradley Schroeder / Flickr

(Foto: Bradley Schroeder/Flickr)

Este post foi escrito por  e publicado originalmente no TheCityFix.

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Com o crescimento das taxas de urbanização, muitos países de baixa ou média renda sentem o aumento da demanda por serviços urbanos, instalações e infraestruturas. Para lidar com isso, muitas cidades adotaram práticas que levaram ao desenvolvimento desordenado (para construir mais e mais rápido) e acabaram enfrentando desafios adicionais: excesso de deslocamentos, migração descontrolada, maior tráfego, alta no preço dos terrenos, falta de habitação acessível, entre outros.

O Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS) é um modelo de planejamento que prevê a criação de áreas urbanas caminháveis, compactas e que estimulem o uso misto no entorno de estações de transporte coletivo. Adotar o DOTS como modelo pode não só evitar muitos dos efeitos negativos supracitados, como trazer benefícios econômicos, culturais e sociais para as pessoas. Para que seja bem-sucedido, porém, o DOTS exige uma abordagem integrada em todos os níveis do processo de planejamento – e isso pode ser um desafio para cidades em todo o mundo. Os tomadores de decisão devem se familiarizar com os mecanismos que viabilizam o DOTS se quiserem implementar efetivamente essa estratégia de desenvolvimento, uma vez que são poucos os recursos e ferramentas para a capacitação e geração de novos conhecimentos.

Como ultrapassar essas barreiras e impulsionar o DOTS em escala global?

Sem conhecimento compartilhado, enfrentamos os mesmos obstáculos

Sem uma ampla base de conhecimento, o DOTS permanece vulnerável a três desafios de implementação recorrentes: planejamento coordenado, estruturas regulatórias e financiamento de projetos.

Primeiro, a falta de coordenação entre o planejamento do uso do solo e de transportes tem impedido, historicamente, que se siga uma abordagem holística no que diz respeito ao planejamento do uso do solo, dos transportes e do desenvolvimento econômico. Essa desconexão levou a perda de tempo, aumento dos custos de infraestrutura, piora na saúde e perda de espaço público. Em Varsóvia, na Polônia, por exemplo, a procura por habitação não acompanhou a criação de uma rede de transportes capaz de atender a população. O resultado foi a dependência dos veículos particulares e o aumento do congestionamento nas redes viárias disponíveis. Para colocar o DOTS em prática, as agências envolvidas precisam estabelecer objetivos claros para o crescimento, garantindo a continuidade dos projetos em transições políticas e entre diferentes departamentos de desenvolvimento e assegurando o envolvimento e apoio da população.

Em segundo lugar, a ausência de políticas de apoio às tecnologias da informação nas cidades impediu o progresso, criando áreas isoladas de desenvolvimento e com pouca visão de crescimento futuro. Os projetos DOTS exigem políticas que permitam o desenvolvimento de áreas de alta densidade e uso misto, frequentemente baseadas em regulações que respondam rapidamente às mudanças econômicas e de uso de espaço. Sem mecanismos locais que permitam a renovação do uso da terra, o DOTS fica restringido por regulamentações nacionais e restrições financeiras.

Por último, uma vez que o DOTS é um empreendimento de capital intensivo, encontrar fundos para projetos de larga escala é um desafio para muitas cidades. Ao usufruir e mesclar mecanismos de financiamento de forma criativa, cidades como São Paulo podem aproveitar instrumentos de captura de valor que produzem melhores retornos para suas comunidades. Esses modelos também podem indicar quais projetos e tecnologias são os mais vantajosos, mas os tomadores de decisão locais muitas vezes não estão familiarizados com as opções disponíveis.

Grandes lições do Brasil e outras partes do mundo

Embora diferentes cidades apresentem diferentes contextos, exemplos de sucesso de implementação do DOTS indicam quatro lições em comuns: a importância da economia política, planejamento e regulação, financiamento e implementação.

BRT de Curitiba (Foto: whl.travel / Flickr)

BRT de Curitiba (Foto: whl.travel / Flickr)

Uma forte legislação de planejamento pode ajudar a solucionar algumas preocupações, assegurando que os projetos DOTS sejam mantidos ao longo da fase de implementação. Dessa forma, uma vez que um projeto foi aceito, os processos de planejamento bem definidos ajudam a integrar iniciativas individuais na visão de futuro da cidade ou região. O sucesso de Curitiba é amplamente creditado à visão e ao comprometimento do ex-prefeito, Jaime Lerner, que apoiou investimentos em sistemas de transporte coletivo e outras iniciativas sustentáveis para a cidade. Os códigos de zoneamento e os parâmetros de projeto de Curitiba foram reajustados para atrair novos empreendimentos e, ao mesmo tempo, manter a integridade da cidade no nível institucional. O exemplo de Curitiba também oferece bons insights sobre coordenação, transferência e entrega de projetos DOTS: a capital paranaense instituiu uma rede de agências para proteger os interesses daqueles que interagem com a cidade em todos os níveis.

O grande atrativo do DOTS está na distribuição equilibrada dos diferentes modos de transporte e nas oportunidades que são criadas para aqueles que usam o transporte coletivo na área contemplada pelo projeto. Para que um projeto realmente siga uma linha de DOTS inclusiva, é preciso contemplar acesso equitativo a habitação acessível e a uma diversidade de oportunidades de trabalho, além de preservar a cultura local. Essa tarefa, porém, pode se tornar um desafio nas etapas de financiamento e implementação. Para atrair investidores privados, o setor público deve estar disposto a não apenas assumir o financiamento inicial, mas a oferecer incentivos à construção e manutenção de habitação a preços acessíveis.

Como exemplo, temos a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC), instrumento de financiamento brasileiro que permite aos desenvolvedores construir com maior densidade a partir do pagamento de uma contrapartida financeira. Esses fundos são então compartilhados com áreas subdesenvolvidas da cidade. Em São Paulo, entre 20% e 30% dos recursos obtidos com OODC são destinados a habitação acessível. Outra inovação financeira inclui a vinculação de fundos específicos para DOTS, fazendo empréstimos para que as construtoras ofereçam habitação a preços acessíveis como parte do planejamento da cidade. Exemplos aqui incluem o Transit Oriented Affordable Housing Fund em São Francisco;  o Arlington County Affordable Housing Trust Fund, na Virginia; o Denver Regional Transit Oriented Development Fund, no Colorado (todos nos Estados Unidos).

Novas ferramentas são necessárias para preencher a falta de conhecimento

Embora extensas pesquisas venham sendo conduzidas sobre o DOTS em cidades norte-americanas e europeias, há pouco conhecimento compilado sobre estruturas regulatórias e mecanismos de financiamento existentes para cidades no Hemisfério Sul – principalmente considerando aspectos como inclusão e equidade. Para que um projeto seja bem-sucedido, gestões e tomadores de decisão precisam conhecer bem os desafios relacionados ao DOTS e como podem apoiar cada etapa do processo de implementação de bons projetos. À medida que a urbanização global continuar, as cidades terão de atender, de forma equitativa e sustentável, as necessidades sociais, econômicas, de mobilidade e habitação de uma população urbana crescente. O DOTS pode desempenhar um papel fundamental nesse processo, e novas ferramentas, informações e recursos são necessários para capacitar as cidades e torná-las aptas a enfrentar esse desafio em larga escala.

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