
Ciclovias lotadas no Dia sem Carro, em Bogotá (foto: Diego Bauman / Prefeitura de Bogotá)
Há 18 anos, Bogotá, na Colômbia, mostra que uma cidade grande pode sobreviver sem carros. Sugerido em 2000 por Enrique Peñalosa – atualmente em seu segundo mandato como prefeito da cidade – e aceito pela população via referendo, o Dia sem Carros e Motos é sempre realizado em um dia útil, e tem finalidade prática e pedagógica: o trânsito fica suave para a maioria e quem usa carros ou motos experimenta um jeito diferente de ir trabalhar. Também fica mais evidente o impacto que a minoria impõe sobre os outros, afinal, cerca de 80% dos habitantes da cidade não usam o carro no dia a dia.
Os números são animadores. Apenas neste dia, cerca de 1,6 milhão de carros e 500 mil motos (11% e 7% das viagens regulares, respectivamente) saem de circulação entre as 5h e 19h30. Ficam liberados taxis (e Uber), transporte público e bicicletas, que ganham 100km de faixas exclusivas temporárias, somados aos 400km já existentes. Uma contabilização mostrou que o número de ciclistas no Dia sem Carro pula de 700 mil para 1,5 milhão. Há também uma brusca queda no número de acidentes e um alívio para a contaminação do ar.
Mas há o lado negativo. O transporte público da cidade mostrou que não consegue atender os horários de pico de forma adequada. O BRT Transmilênio, lançado também em 2000, ficou lotado, e os usuários revoltados com a demora. Como nos últimos anos, alguns comerciantes reclamaram da queda no movimento e do comportamento agressivo de alguns ciclistas. “O mais importante é que essa jornada nos colocou a discutir, novamente, qual o modelo de cidade é mais sustentável, se a cidade orientada aos carros ou a cidade orientada às pessoas que viajam a pé, de bicicleta e pelo transporte público”, comenta Dario Hidalgo, diretor de Transporte Integrado do WRI Ross Centro para Cidades Sustentáveis, natural de Bogotá.
Mais horas do dia sem carro, todos os dias
Em 2000, quando foi realizado o referendo que decidiu pelo Dia sem Carro sempre na primeira quinta-feira de fevereiro, a população também votou sim a outra proposta: proibir a circulação de veículos particulares na cidade a partir de janeiro de 2015 (mudança que exigiria da cidade importantes investimentos no transporte público, na infraestrutura para bicicletas e pedestres). Apesar de ter tido maioria positiva, o número de votos totais não foi suficiente para que essa mudança mais “radical” se enquadrasse no mínimo exigido para virar regra. Já a primeira pergunta tornou o Dia sem Carro uma resolução popular que só pode ser revertida por outro referendo.

Prefeito Enrique Peñalosa pedalou no Dia sem Carro, em Bogotá (foto: Camilo Monsalve / Prefeitura de Bogotá)
No Dia sem Carro de 2016, Enrique Peñalosa, agora no segundo mandato, trouxe novamente à tona a ideia de proibir totalmente os carros por uma hora ao dia. Na edição deste ano, falou em uma hora e meia de bloqueio aos veículos particulares pela manhã e uma hora e meia à tarde. Em meio ao amplo debate, alguns consideraram a proposta utópica, e nas consultas populares da imprensa a disputa foi acirrada. A TV também deu destaque à discussão, e incluiu Dario Hidalgo neste debate. Dias depois, em entrevista à RCN Radio, Peñalosa amenizou, dizendo que ainda não vai propor nada, mas ressaltou que “a maioria está muito melhor quando não há carros porque há menos trânsito e menores tempos de viagem, e se fôssemos radicalmente democráticos deveríamos ter muitos dias sem carro”.
As lições de Bogotá podem ser compartilhadas com outras cidades. Com o Dia sem Carro atingindo a maioridade, é possível enxergar claramente como a proposta mexeu com os moradores da cidade colombiana. A proposta traz à tona a discussão da mobilidade e é uma ação em favor da ampla maioria dos habitantes, que não usam veículos privados. Algumas cidades brasileiras, como São Paulo com a Paulista Aberta, Rio de Janeiro, que também abre a orla aos domingos, entre várias outras com iniciativas do tipo, têm se focado mais na experimentação voltada ao lazer. Estimular mudanças de comportamento em relação à mobilidade e outros temas a partir da experimentação é uma ótima forma de propor mudanças. Desde que as mudanças sejam definidas pela maioria.
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