Os eixos de transporte coletivo aparecem como locais prioritários para a transformação urbana e otimização da terra urbana, o que permite resguardar mais tranquilidade para os bairros residenciais situados entre os eixos dessa rede. Ao longo dos eixos de transporte será permitido construir até 4 vezes a área do terreno. O estímulo a térreos com serviços e equipamentos urbanos, comércio (uso misto e fachada ativa) e calçadas largas, vão qualificar as interações entre o espaço da rua e os edifícios. A desobrigação da existência mínima de um número de vagas de garagem e o estímulo à doação de terrenos para construção de corredores de transporte através de benefícios fiscais – como o direito de construir, conforme potencial original – aparecem como desestímulo ao uso do automóvel. (…) Paralelo ao incentivo ao desenvolvimento ao longo dos eixos de transporte, o novo Plano Diretor vai qualificar a vida urbana na escala de bairro. O estímulo às construções com uso misto amplia a oferta de emprego próximo à moradia, suprimindo a necessidade de deslocamentos.
O trecho acima, retirado da apresentação do Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE), mostra o caráter inovador do documento que, no último sábado (7), foi premiado na Convocação Pública de Práticas Inovadoras da Nova Agenda Urbana, promovida pela ONU-Habitat. Entre outros critérios, os projetos vencedores deveriam ser inovadores, apresentar potencial de replicabilidade em outras cidades, contemplar a perspectiva de gênero e contribuir para a construção de um ambiente urbano mais inclusivo. Depois de avaliar 146 candidaturas de 14 países, a comissão avaliadora selecionou projetos de quatro países: Brasil, Costa Rica, Equador e Porto Rico.
“Esses projetos”, conforme apontado pela ONU, “são exemplos claros do trabalho feito em prol do direito à cidade – para todos e para todas”. O Plano Diretor Estratégico de São Paulo foi selecionado por promover “um projeto democrático de cidade inclusiva, ambientalmente responsável, produtiva e, sobretudo, que promove a melhora da qualidade de vida”. A preocupação com o uso do solo, com um adensamento urbano ordenado em relação às oportunidades de trabalho e com a interação entre as construções e a rua, elementos característicos do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS) e contemplados pelo PDE, têm o potencial de provocar uma quebra de paradigma no desenvolvimento da cidade.
Referência de planejamento urbano
Sancionado em julho de 2014, o Plano Diretor Estratégico de São Paulo estabelece as diretrizes que vão orientar o desenvolvimento urbano e o crescimento da capital paulista até 2029 e é regido por sete princípios: função social da cidade; função social da propriedade urbana; função social da propriedade rural; equidade e inclusão social e territorial; direito à cidade; direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e gestão democrática. Esses elementos são destrinchados em uma série de ações que visam, entre outros objetivos,
- conter a expansão urbana;
- implementar uma política fundiária e de uso e ocupação do solo que garanta o acesso à terra para as funções sociais da cidade;
- ampliar e requalificar os espaços públicos;
- acomodar o crescimento urbano nas áreas subutilizadas dotadas de infraestrutura e no entorno da rede de transporte coletivo de alta e média capacidade;
- expandir as redes de transporte coletivo de alta e média capacidade e os modos não motorizados, racionalizando o uso de automóvel;
- reduzir a necessidade de deslocamento, equilibrando a relação entre os locais de emprego e de moradia.
Por conta de diretrizes como essas, traçadas para promover o uso do transporte ativo e coletivo e construir uma cidade mais humanizada, o PDE de São Paulo tornou-se uma referência para o planejamento urbano. A última versão do plano, de 2002, não foi capaz de conter a força do mercado imobiliário nem de refrear o uso descontrolado do carro como meio de transporte. Ao reformular antigas propostas, o novo documento busca um reequilíbrio para a cidade – aproximando moradia e emprego, mitigando desigualdades socioterritoriais, incentivando o adensamento nas áreas próximas ao transporte coletivo, propondo um novo paradigma para a mobilidade urbana.
Pelo PDE de 2014, foram delimitados os “eixos de transformação urbana” (abaixo): empreendimentos no raio de até 400 metros de estações de trem, metrô e monotrilho ou a até 150 metros de corredores de ônibus estão aptos a intensificar seu uso a partir do aumento do potencial construtivo permitido. Outra medida significativa para o desincentivo ao uso do carro é o fim da exigência de uma quantidade mínima de vagas de garagem (à direita) nas edificações próximas a esses eixos. O documento também instituiu a “Macroárea de Estruturação Metropolitana” (abaixo), um território estratégico na relação de São Paulo com outras cidades da Região Metropolitana (RM). A área compreende vias estruturais, sistema ferroviário e rodovias que conectam diferentes municípios e polos de empregos da RM e onde é possível observar “processos de transformação econômica e de padrões de uso e ocupação do solo, bem como a necessidade de equilíbrio na relação entre emprego e moradia”. O estímulo à densificação nas áreas próximas ao transporte coletivo, a implementação de uma política fundiária para gerenciar a ocupação do solo e a distribuição mais equilibrada da oferta de serviços, trabalho e locais residenciais são exemplos de dispositivos do plano que visam tornar São Paulo uma cidade mais compacta, conectada e coordenada.
O reconhecimento do plano de São Paulo pela ONU acontece em um momento oportuno. Dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE, mostram que 10,8% dos municípios com mais de 20 mil habitantes ainda não tinham seus planos diretores em 2015. Além disso, conforme previsto no Estatuto da Cidade, lei que rege os planos diretores, os municípios têm o prazo de dez anos para fazer a revisão de seus planos – nesse caso, para os que concluíram os planos no último período estipulado, 2008, esse prazo fecha em 2018. E há, por fim, a exigência, por parte do Estatuto da Metrópole, de que as cidades das RMs desenvolvam seus planos de Desenvolvimento Integrado em consonância com os planos diretores.
Essas cidades, tanto as que ainda estão pendentes com seus planos quanto as que agora precisam revisá-los, podem encontrar no documento desenvolvido pela capital paulista uma referência de modelo de planejamento. Além disso, o processo de construção do PDE demonstra que, com um bom planejamento e envolvimento da sociedade civil e organizada, é possível estabelecer um modelo de desenvolvimento urbano mais justo e sustentável, independentemente do tamanho e das dificuldades da cidade, a exemplo de São Paulo. A adoção de princípios do DOTS, como as medidas e dispositivos descritos acima, e a noção de direito à cidade criam uma nova rota de desenvolvimento para a cidade, a partir da escala humana, endereçando a transformação urbana, que deve ser planejada e equilibrada.
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