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Nossa Cidade: A habitação social como um dos pilares do direito à cidade

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O projeto Nossa Cidade, do TheCityFix Brasil, explora questões importantes para a construção de cidades sustentáveis.

A cada mês um tema diferente.

Com a colaboração e a expertise dos especialistas do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, os posts trazem artigos especiais sobre planejamento urbano, mobilidade sustentável, resiliência, segurança viária, entre outros. A cada mês, uma nova temática explora por ângulos diferentes o desenvolvimento sustentável de nossas cidades.

 

A habitação social como um dos pilares fundamentais do direito à cidade

São Paulo-SP. 01/03/2016. Foto: Bruno Peres/Min. Cidades. Assessora Regional para o Brasil e a América Latina pela Aliança de Cidades/Cities Alliance, Anaclaudia Rossbach, participa do Encontro rumo à Conferência Habitat III.

Assessora Regional para o Brasil e a América Latina pela Aliança de Cidades/Cities Alliance, Anaclaudia Rossbach, participa do Encontro rumo à Conferência Habitat III (Foto: Bruno Peres/Min. Cidades)

Economista com Mestrado em Economia Política e especialista em habitação social, Anacláudia Rossbach acredita na importância de estimular mecanismos efetivos de participação das pessoas que residem na cidade. Para isso, é necessária a disponibilização de informações sobre o município e a institucionalização de espaços para construção e monitoramento de políticas públicas mais coordenadas. Sob a perspectiva do desenvolvimento econômico, os resultados sempre serão positivos se forem respeitados os componentes sociais e ambientais. Assim, o retorno dos investimentos e projetos será benéfico para toda a cidade em longo prazo, promovendo um ciclo positivo de transformações e aumento da capacidade de investir. A entrevistada dessa semana no Nossa Cidade trabalhou no Brasil e internacionalmente para várias instituições, tais como a Prefeitura de São Paulo, Banco Mundial, Instituto URBEM, Chinese Academy for Social Sciences, Rede Interação/Slum Dwellers International (SDI), entre outras. Atualmente, é Assessora Regional para a América Latina e o Caribe do Cities Alliance.”

 

Um acesso mais equitativo a serviços urbanos contribui para a prosperidade econômica e para o desenvolvimento sustentável. O Brasil passou um processo de urbanização rápido e que continua em andamento. Quais ações podemos colocar em prática para estimular uma transformação urbana positiva e como as cidades podem desenvolver e financiar bons projetos?

Acredito que a base para uma transformação urbana positiva está na participação efetiva da sociedade nos processos de planejamento e definição de projetos. As cidades brasileiras refletem a realidade urbana da América Latina caracterizada pela segregação socioespacial, fruto de uma sociedade desigual e da ausência de políticas públicas abrangentes e inclusivas. Nesse sentido, uma transformação urbana positiva implica romper com essa realidade histórica, promovendo a integração social aliada ao desenvolvimento econômico inclusivo e equitativo e o respeito aos nossos ativos ambientais, ampliando o direito à cidade com a devida legitimização pela sociedade como um todo. Estimular mecanismos efetivos de participação a partir da disponibilização de informações sobre a cidade, bem como da institucionalização de espaços para construção e monitoramento de políticas públicas mais coordenadas, é fundamental para garantir a sustentabilidade de intervenções urbanas transformadoras.

Hoje, no Brasil, contamos com um conjunto de políticas nacionais que integram um arcabouço de política urbana no país. Trata-se de um avanço ocorrido desde a aprovação do Estatuto da Cidade no ano de 2001, e oferece às cidades diretrizes e meios para o planejamento do desenvolvimento urbano e execução de bons projetos, inclusive com alguns mecanismos de financiamento por transferência e crédito que hoje estão naturalmente mais vulneráveis em função da crise econômica no país. Entretanto, creio ser perfeitamente possível elaborar projetos estruturados, que visem não somente à transformação física dos espaços urbanos, mas incorporem também as dimensões sociais, urbanas e ambientais. Na minha visão, também é possível financiá-los a partir de modelagens financeiras inovadoras, agregando subsídios disponíveis, instrumentos urbanísticos, incentivos regulatórios, mecanismos justos de desapropriação, operações de crédito de longo prazo e mesmo PPPs quando há espaço fiscal para endividamento. De toda forma, é importante ter em mente que, ao transformar as cidades respeitando profundamente os componentes social e ambiental, sob uma perspectiva de desenvolvimento econômico, o retorno desses investimentos e projetos será benéfico para toda a cidade em longo prazo, promovendo um ciclo positivo de transformações e aumento da capacidade de investir.

Um dos conceitos que aparecem quando se discute a qualificação urbana é a gentrificação. Como qualificar uma cidade sem que ela se torne ainda mais excludente por razões econômicas e sociais? 

Com a ampliação do direito à cidade. O Brasil conta com um dos marcos legais mais avançados na América Latina e no mundo para o reconhecimento da função social da terra e da cidade. O Estatuto da Cidade oferece aos municípios um menu de instrumentos a serem voluntariamente incorporados nos planos diretores, estes sim obrigatórios para cidades com mais de 20 mil habitantes. Um exemplo importante consiste no zoneamento de interesse social, zonas conhecidas como ZEIS ou AEIS, onde há limitações para a produção de habitações de mercado, e que constituem reservas de espaço na cidade para a preservação ou construção de novas habitações de interesse social. No entanto, esse instrumento ainda precisa ser mais estudado e sua aplicação deve ser aprimorada – só será efetivo a partir de uma combinação de investimentos de infraestrutura e disponibilização de subsídios para habitação social.

prédios em são paulo

Investir em eficiência energética nas construções é caminho para um futuro sustentável (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

O transporte coletivo é um dos canais para ampliar o acesso aos serviços urbanos. Quais as alternativas para aumentar o número de pessoas próximas a um transporte coletivo de qualidade?

Temos algumas respostas, como, por exemplo, o Plano Diretor de São Paulo, que prevê o adensamento em áreas próximas às estações e eixos estratégicos de mobilidade urbana. Outra frente de atuação possível é conectar as políticas de habitação e mobilidade nos municípios, por meio de planos setoriais mais integrados e coordenados no território.

A segurança viária foi incluída de maneira formal como um dos objetivos da Nova Agenda Urbana durante a Habitat III. Como o planejamento e o desenho urbano podem contribuir para tornar as cidades mais seguras para as pessoas?

A Nova Agenda Urbana traz conceitos importantes, como o “foco nas pessoas”, a promoção da equidade de gênero e inclusão social. O planejamento e o desenho urbano, quando consideram a dimensão humana prioritária, podem contribuir para a promoção de cidades mais seguras. A questão do gênero merece atenção bastante especial. A mulher, assim como a população mais jovem e idosa, deve participar ativamente do processo de tomada de decisão em nossas cidades, pois hoje constitui um grupo social extremamente afetado pela insegurança geral dos espaços públicos. Com a mobilidade restrita pela ameaça real da violência, mulheres e meninas se veem impedidas de usufruir as oportunidades sociais, econômicas e culturais oferecidas pela cidade. Esse processo aumenta ainda mais as desigualdades urbanas e limita o potencial de desenvolvimento econômico das cidades, com um contingente importante excluído ou subaproveitado pelo mercado de trabalho.

A habitação social pode ser pensada também como uma forma de democratização das cidades. Considerando que a habitação social é essencial na efetivação do direito à cidade, como tratar essa questão em um período de crise econômica?

A habitação social deve estar no centro da agenda urbana e constitui o pilar fundamental para a efetivação do direito à cidade. No Brasil, tivemos programas de larga escala, como o PAC e o Minha Casa, Minha Vida, que aproveitaram uma janela fiscal proporcionada pelo crescimento econômico do país. Esses programas de grande envergadura promoveram investimentos significativos em infraestrutura de assentamentos precários e habitação, contribuindo significativamente para a inclusão social e econômica de um amplo contingente populacional (aproximadamente 6 milhões de famílias atendidas pelos dois programas). Será um desafio preservar os montantes atuais de subsídio. Nessa linha, será fundamental priorizar o atendimento às faixas de renda mais baixas e domicílios em maior situação de vulnerabilidade (como favelas em áreas de risco, por exemplo), além de ampliar a gama de subsídios oferecidos para aproveitar ao máximo o parque residencial existente a partir de ampliação e melhorias habitacionais. Entretanto, é fundamental manter e consolidar a conexão desses programas com o planejamento urbano local e programas de regularização fundiária, bem como fortalecer os componentes de trabalho social e assessoria técnica a projetos e obras.


Essa entrevista marca o último post do projeto Nossa Cidade em 2016, um ano especial para a série. Neste ano, abordamos tópicos como transporte coletivo, segurança viária, governança urbana, cidades inteligentes, financiamento sustentável e outros temas pertinentes para a construção de cidades sustentáveis. Em todos os textos, trouxemos conteúdos aprofundados com a opinião de especialistas das áreas. Você pode ficar à vontade para conferir todos os posts da série aqui. De nossa parte, fica a promessa de que voltaremos em 2017 com novas histórias para inspirar a transformação das nossas cidades.

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