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Caminhos e perspectivas: o que a Cidade do México tem a ensinar
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(Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

As cidades são organismos vivos e complexos, resultado de uma também complexa rede de relações entre os elementos que compõem o ambiente urbano. Calçadas e acessibilidade, limites de velocidade e travessias seguras para pedestres, priorização dos modos de transporte ativo e coletivo, iluminação pública, praças e parques, fachadas ativas e diversidade de usos – todos, entre tantos outros, atuam de forma integrada e são determinantes para fazer de uma cidade um ambiente atrativo e agradável a seus habitantes.

Os elementos por trás dos motivos que levam as pessoas a se sentirem bem e seguras (ou não) em determinados bairros ou cidades são muitos e atuam em conjunto. Para ser agradável, um bairro precisa de espaços públicos, mas também de segurança, boa iluminação, uso misto, entre tantos outros aspectos. Dois deles são a acessibilidade e a segurança viária, objeto dos concursos Acessibilidade para Todos e São Paulo Áreas 40, promovidos este ano pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis e que no final de setembro levou os vencedores a uma jornada de aprendizados técnicos na Cidade do México.

A capital mexicana enfrenta muitos desafios semelhantes aos das cidades brasileiras e tem implementado soluções que podem servir de exemplo e ajudar a melhorar as condições das ruas também por aqui. Com uma frota veicular crescente, congestionamentos e vidas perdidas em acidentes de trânsito, repensar o desenho urbano, de maneira que priorize as pessoas e a mobilidade ativa, é uma forma de garantir que o cenário mude. “Da mesma forma que eles têm o que aprender com a gente, também temos muito a aprender com eles. E o que vemos aqui são soluções criativas. Há dificuldade em conseguir financiamento, mas são mudanças simples e de grande impacto”, avaliou Chiara Oliveira, uma das arquitetas vencedoras do concurso de São Paulo.

Izabela, Chiara e Julia (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

No primeiro dia de viagem, a visita foi ao Centro Histórico da cidade, onde os viajantes conheceram três modelos de rua implementados por lá nos últimos anos: uma exclusiva para pedestres, uma destinada apenas à circulação de ônibus e uma via compartilhada, onde carros e ciclistas dividem o espaço. Essas mudanças, como explicou a Coordenadora de Segurança Viária do WRI México, Sonia Aguilar, levaram a uma redução na quantidade de pessoas que vai ao centro da cidade de carro e foram implementadas com o apoio da população. “Nas cidades, mais do que com desenhos e estruturas nós trabalhamos com gente. Uma mudança radical na maneira como as cidades são pensadas depende da união entre as pessoas e o setor público, pra que as cidades sejam construídas da forma mais humana possível”, acredita Jung Yun Chi, uma das arquitetas vencedoras em São Paulo.

A rotina de aprendizados prosseguiu, no dia seguinte, com uma caminhada que permitiu ao grupo vivenciar na prática algumas falhas de acessibilidade e entender que não se trata de um privilégio que beneficia apenas pessoas com restrições de mobilidade. Ao contrário: princípios básicos de acessibilidade, como calçadas planas e amplas, aumentam o conforto, a segurança e a eficiência dos espaços urbanos, impactando positivamente os deslocamentos de todos.

O encontro com Laura Bermejo Molina, Vice-Presidente da associação Libre Acceso, ressaltou um dos principais fundamentos da acessibilidade: se determinado ambiente não for adequado para a circulação de qualquer pessoa, independentemente de suas condições de mobilidade, não pode ser considerado acessível. Na visão de Flavia Horta, uma das vencedoras do concurso de Belo Horizonte, a questão não pode ser ignorada: “Com a viagem, estou percebendo que o diálogo é difícil em todos os lugares, não só no Brasil. Por mais que haja um programa de acessibilidade, por exemplo, é difícil garantir isso na prática e de uma forma holística. Mas é algo que impacta a vida das pessoas e não pode ser deixado de lado”, considerou a arquiteta.

Por fim, segurança viária foi o foco do último dia de visitas técnicas. O grupo começou o dia conhecendo melhor o primeiro código de trânsito da Cidade do México, aprovado em dezembro de 2015 e, desde então, possivelmente responsável pela queda de 18% no número de mortes no trânsito da cidade. Na prática, isso implica menores limites de velocidade, travessias seguras para os pedestres, tempos semafóricos adequados, intervenções de desenho urbano. Foi o que apresentou Jorge Cañez, cientista político do Laboratorio de La Ciudad e também conhecido por uma oura identidade: Peatónito, o super-herói urbano que luta pela segurança dos pedestres. “O maior benefício de uma experiência como essa é você conhecer os desafios de outros países para entender melhor o seu próprio. Conhecer pessoas novas, o que cada um tem para contribuir. Isso é muito enriquecedor”, avaliou Izabela Ribas, de Belo Horizonte.

Construindo caminhos

Como arquitetos ou engenheiros, o caminho não é chegar e falar: ‘Eu sei fazer, é assim que se faz e pronto’. Nossa função é dialogar com as pessoas que serão impactadas para conseguir o melhor resultado possível.

Julia Ferreira, São Paulo

 

Tem um trecho de um poema que diz: ‘Caminhos não existem. Os pés na grama os inventarão’. Ou seja: você pode construir uma praça, pode construir caminhos, mas, se as pessoas não quiserem usar esses caminhos, elas criarão os próprios, na grama.

Eduardo Pizarro, São Paulo

As afirmações dos dois arquitetos, tão semelhantes, vão ao encontro das discussões travadas durante a viagem e dos aprendizados compartilhados em cada encontro. São muitas as etapas e elementos a serem contemplados até a construção de cidades melhores para seus habitantes – intervenções de desenho urbano, mudanças na legislação, prioridade aos modos ativos e coletivos, diversidade de serviços nos bairros. Trabalhar na construção dessas cidades depende da integração de todos esses elementos e, ao mesmo tempo, de ouvir as pessoas e entender o que desejam para o lugar onde vivem.

O encerramento das atividades na Cidade do México reforçou na prática os aprendizados dos dias anteriores. Uma cidade pensada para os carros inevitavelmente terá as ruas ocupadas por eles – ou, nas palavras de Peatónito, será uma cidade “sequestrada pelos automóveis”. Reverter essa situação requere mudanças estruturais na forma como pensamos as áreas urbanas e no direcionamento da prioridade: dos carros para as pessoas. “Não basta só melhorar a estrutura física, também é preciso trabalhar com a questão cultural. Gostei de ver isso aqui. Principalmente porque esse também é um dos principais desafios brasileiros: mudar a cultura e compreender que o desenho da cidade impacta diretamente a vida das pessoas”, observou Chiara.


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