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Cidade do México: um caso de sensibilidade histórica e entraves do planejamento contemporâneo
cidade do méxico

Cidade do México tem a história contada pela paisagem (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

Texto escrito por Jung Yun Chi e Eduardo Pimentel Pizarro

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Uma vez vencedores do Concurso São Paulo Áreas 40 – Lote Brás, fomos contemplados pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis com uma visita técnica à Cidade do México, onde tomamos contato com iniciativas e intervenções que buscam qualificar os espaços públicos e garantir melhores condições de segurança viária, com foco em mobilidade ativa. Além das atividades técnicas propostas, vivenciar o dia a dia da cidade de diferentes formas – a pé, de bicicleta, ônibus, metrô e carro – contribuiu também com o entendimento das dinâmicas urbanas em transformação em uma metrópole latino-americana de mais de oito milhões de habitantes, trazendo uma série de lições para a discussão e proposição da nossa cidade, São Paulo.

Nossas primeiras impressões sobre a região central da Cidade do México foram marcadas pela monumentalidade, com praças amplas, avenidas e edifícios históricos, artefatos urbanos não só da colonização europeia, mas também de culturas ancestrais. A história dos lugares se nota nesses grandes marcos e também nos pequenos detalhes. É possível perceber as diferentes camadas de história que compõem o espaço presente em pequenos sinais como o nível de entrada das casas antigas e a altura de guias, sarjetas e canteiros. O terreno movediço faz afundar as construções e desloca as calçadas, mas os mexicanos não costumam descartar, demolir ou reconstruir. Com natural respeito pela história, eles preservam velhas árvores nas calçadas que receberam obras recentes de requalificação urbana, de mais fino acabamento. Parece que a história é prioridade quase que sem questionamento.

cidade do méxicoAtualmente, a Cidade do México indica avanço ao lançar uma política federal de espaços públicos. Por outro lado, apesar do aparente caráter unificador, o processo de projeto, construção e gestão dos espaços públicos da cidade ainda esbarra em alguns obstáculos institucionais. Em primeiro lugar, assim como costuma acontecer no Brasil, a descontinuidade política está diretamente relacionada à descontinuidade de planos, metas e projetos de governo (no México, o mandato é ainda mais curto, de três anos). Em segundo lugar, os espaços públicos são “loteados e delegados” a diferentes níveis governamentais, o que acaba dificultando a constituição de um conjunto coeso e contínuo. Podemos ilustrar essa questão com o caso das calçadas na Cidade do México: elas são de propriedade e gestão públicas, atendendo a parâmetros unificados; contudo, as calçadas junto a vias primárias são de responsabilidade do governo municipal, enquanto passeios em vias secundárias são geridas pelas delegaciones (algo semelhante às nossas subprefeituras) de cada colonia (bairro ou distrito).

As calçadas da cidade refletem no plano físico e espacial, portanto, descontinuidades temporais e institucionais. Mas, para a construção de um espaço público democrático e acessível, que ofereça segurança aos seus usuários e que, ao mesmo tempo, atinja plena eficiência de suas funções, passar pelo processo de padronização e normatização é inevitável. Para isso, faz falta uma instância centralizadora que confira unidade às ações urbanas. E como fazê-lo de maneira humanizada e sensível, sem deteriorar a complexidade histórica dos espaços? Eis um dos grandes entraves do planejamento urbano que a cidade tenta contornar.

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bicitour Cidade do México

Bicitour durante a missão na Cidade do México (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

Rosa! Se nos perguntassem qual cor nos vem à mente quando pensamos na Cidade do México, essa seria a resposta. Desde bicicletas públicas (ciclotaxis e bicibuses), a táxis, a sinalizações, a uniformes de garis, tudo tem um pouco de rosa. Isto faz parte de uma política iniciada em 2013, chamada Programa General de Desarrollo 2013-2018, para a construção da “Marca Ciudad” CDMX, como forma de fortalecimento e promoção da cidade, em âmbito local e internacional. CDMX é uma estratégia de marketing, que é benéfica na medida em que chama atenção dos mexicanos para as mudanças em curso (reconhecimento) e busca estabelecer uma relação de empatia (pertencimento e apropriação) com a cidade em si. Tomados os devidos cuidados, talvez pudéssemos experimentar algo semelhante para a cidade de São Paulo.

A experiência da Cidade do México mostra a importância tanto da estrutura física quanto da social para a qualidade de um espaço público, assim como aponta Jan Gehl. Em outras palavras, o suporte físico-material é fundamental para garantir segurança, acessibilidade e conforto, mas o suporte social é indispensável para a constituição da percepção do espaço e, consequentemente, de seu uso e apropriação.

De acordo com nossas impressões, na Cidade do México, passear pelas ruas nos finais de semana com amigos e familiares, frequentar o comércio de rua e os mercados populares e comer nas barracas é hábito dos mexicanos, independente do nível socioeconômico. Como no caso do bairro do Brás, em São Paulo, a mudança deve partir do ordenamento do que já existe, melhorando o cenário de convívio não só entre pedestres e carros, mas também entre os diferentes usos.

Podemos dizer que em nosso projeto para a Área 40 do Brás, em São Paulo, criamos estruturas físicas que priorizam o pedestre, ciclista e transporte público, garantem acessibilidade, segurança, drenagem urbana, iluminação pública e conforto ambiental, ao mesmo tempo em que se constrói uma nova identidade para a área, o “Brás +”, a ser reconhecido como elemento reestruturador e transformador de toda a área. Sendo assim, se pudéssemos pensar em uma receita para a constituição de um espaço público de qualidade, esta estaria entre o material e o imaterial, entre concretudes físicas e percepções sensíveis, como resultado da sobreposição e diálogo das diferentes matizes urbanas e de suas camadas temporais. No entanto, vivenciar a Cidade do México, andar pelas novas ruas ocupadas ainda por velhos hábitos, nos fez pensar sobre o desafio de empreender uma mudança fundada nesse entremeio.


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