O projeto Nossa Cidade, do TheCityFix Brasil, explora questões importantes para a construção de cidades sustentáveis.
A cada mês um tema diferente.
Com a colaboração e a expertise dos especialistas do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, os posts trazem artigos especiais sobre planejamento urbano, mobilidade sustentável, resiliência, segurança viária, entre outros. A cada mês, uma nova temática explora por ângulos diferentes o desenvolvimento sustentável de nossas cidades.
A importância da habitação para as cidades inteligentes
Nas últimas semanas, mostramos como as cidades inteligentes serão determinantes para um futuro mais sustentável, baseado em um planejamento que leva em conta questões como mobilidade e resiliência. E tão importante para o desenvolvimento urbano quanto os lugares em que as pessoas circulam e convivem é onde elas moram. Por isso, a habitação também deve passar por mudanças nos próximos anos, para que a moradia também siga os preceitos das smart cities.
Podemos pensar em dois pontos que são determinantes nas construções inteligentes: a melhor administração dos recursos naturais – nesse sentido, a tecnologia é uma grande aliada – e a inserção urbana, com foco na otimização da infraestrutura e na redução do déficit habitacional. A ideia é que os projetos tenham um objetivo claro desde o início, já que fazer alterações depois pode ser muito mais difícil e custoso.

Investir em eficiência energética nas construções é caminho para um futuro sustentável (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
A publicação Accelerating Building Efficiency, do WRI Ross Center for Sustainable Cities, mostra que investir em prédios eficientes influencia muito no retorno financeiro, social e ambiental tanto para quem constrói quanto para a cidade e os moradores dos empreendimentos. Segundo o levantamento, pelo mundo, edifícios e construções são responsáveis por 60% do uso de eletricidade, 12% do uso de água, 40% do lixo e 40% dos recursos materiais. Mesmo as estruturas que já estão consolidadas também podem passar por melhorias de eficiência energética e aprimorar seus desempenhos.
De acordo com dados da Agenda de Ação Lima-Paris (LPAA), o setor de edifícios e construções também é responsável por 30% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2). No entanto, se aplicadas medidas de eficiência, é um setor que poderia evitar a emissão de 3,2 gigatoneladas de CO2 até 2050. Uma das iniciativas para contribuir com este cenário é a Aliança Global para Edifícios e Construção, formada por 18 países e mais de 60 organizações, que tem como objetivo estimular a adoção de políticas, materiais de construção, design e tecnologias mais eficientes. A projeção é evitar, ao menos, 50% do crescimento de consumo energético previsto, a partir de novos prédios altamente eficientes.
Outra parceria é o Building Efficiency Accelerator, que reúne mais de 20 organizações (entre elas, o WRI Ross Center for Sustainable Cities) para ajudar cidades e governos subnacionais a aumentar o ritmo das implementações dessas boas práticas nas construções. As cidades que se unem à proposta devem se comprometer com a adoção de novas políticas ou a atualização das existentes, além de mensurar e comunicar os progressos.
O uso de dados e informações é essencial para que as edificações sejam mais eficientes e inteligentes. É preciso pensar a longo prazo. Por isso, o compartilhamento de novas técnicas e casos de projetos de sucesso é tão importante, para que as cidades cada vez mais dividam suas experiências e monitores os seus resultados.
Buenos Aires, por exemplo, tem seu Programa de Eficiência Energética em Edifícios Públicos. O site de apresentação explica que o programa “busca otimizar o consumo energético nos edifícios públicos para alcançar a propagação e assimilação, por parte de toda a sociedade, de medidas que promovam a eficiência energética”.
Ou seja, a cidade quer dar o exemplo e mostrar que as ações realizadas nos prédios do governo podem ser aplicadas em todos os níveis de construção, levando adiante a informação com capacitações e diagnósticos.
Além da tecnologia
No entanto, quando falamos em cidades inteligentes, não estamos apenas pensando em tecnologia e inovação. É preciso ter atenção especial para a demanda por habitação e pensar formas de reduzir o déficit. Do ponto de vista econômico, não basta apenas administrar os recursos se os projetos das cidades não forem repensados. Um dos princípios do Desenvolvimento Orientado pelo Transporte Sustentável (DOTS) é a mistura de edifícios residenciais com comerciais. Esse uso misto favorece deslocamentos curtos, não motorizados.
O Programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, foi criado para conceder moradia popular e tem incluído a preocupação de melhorar a eficiência energética com algumas medidas. As ações sustentáveis podem servir aos interesses das cidades e ainda gerar economia para os moradores. Seis iniciativas sustentáveis são destacadas: aquecimento solar, energia solar, biodigestores, desenvolvimento sustentável, metodologia wood frame nas construções e Selo Casa Azul.
O aquecimento solar, usado para a água do chuveiro de 224 mil unidades em todo o país, e as placas de energia solar instaladas nos condomínios Praia do Rodeadouro e Morada do Salitre, em Juazeiro, na Bahia, são alguns exemplos. Enquanto a primeira medida gera redução de até 30% na conta de luz, a segunda gera renda, pois os empreendimentos se tornaram uma microusina de energia solar, capaz de abastecer até 3,6 mil casas por ano. O dinheiro arrecadado vai para o fundo de investimentos do condomínio e da associação de moradores ou para pagar despesas de manutenção.
Em agosto de 2016, o prêmio Pritzker surpreendeu e premiou o arquiteto chileno Alejandro Aravena, justamente por um projeto de habitação a preços acessíveis e que ajudou a empoderar os cidadãos de uma comunidade no Chile. A Elemental, empresa de Aravena, foi contratada para encontrar uma maneira de criar novas casas para uma comunidade de 100 famílias. A sugestão foi uma abordagem incremental: em vez de construir casas pequenas, o investimento se deu na estrutura (fundações, paredes, escadas, cozinha e banheiros) e em entregar uma casa que as próprias famílias poderiam projetar e ampliar ao longo do tempo.
O esquema permitiu construir casas de custo-efetivo, garantindo moradia estável e, ainda, personalizável. Alguns moradores conseguiram alugar quartos, ampliando a renda a partir da oportunidade. Boa parte das ideias do projeto, segundo Aravena, surgiram após conversas com os moradores, e foram pensadas a partir de suas necessidades.
Outra ideia interessante é de São Francisco que, sofrendo com sistema de trânsito sobrecarregado e alto custo habitacional, começou a buscar uma alternativa para os novos edifícios. Usando conceitos da Gestão de Demanda de Viagens (GDV), a cidade está tentando estabelecer um programa municipal para exigir que os projetistas pensem em construções que reduzam o número de veículos e as distâncias percorridas. Para isso, foi criada uma escala de alternativas possíveis, cada uma com uma pontuação específica. Assim, para que um projeto seja realizado, deve atingir determinada pontuação em GDV.
E a intenção não é apenas reduzir vagas de estacionamento. Projetos que levem em conta o uso misto, colocando opções de comércio próximas aos moradores, por exemplo, terão uma pontuação mais alta. Ao longo do tempo, as iniciativas serão avaliadas, com entrevistas e pesquisas. O programa acaba por se tornar um laboratório de habitação e transporte: ajuda a cidade a entender, através de dados, como pode melhorar sua mobilidade urbana, administrando o crescimento populacional de maneira eficiente.
Cidades inteligentes requerem bom planejamento, com visão de futuro. São uma união de mobilidade, resiliência, habitação e todos os conceitos que permeiam o desenvolvimento urbano sustentável. A administração dos recursos deve aproveitar o apoio da tecnologia, mas sem esquecer que as cidades são feitas de pessoas – e para elas. Portanto, para serem mais eficientes, as novas construções devem andar no mesmo caminho dos outros projetos e sempre buscar melhorar a qualidade de vida daqueles que vão ocupar os espaços.