A necessidade de construir um futuro sustentável pode ser também a oportunidade para a união das nações. Envolta a tantas polêmicas, a fronteira dos Estados Unidos com o México hoje está constantemente nas manchetes graças ao projeto do candidato à presidência americana, Donald Trump, de construir um muro sobre a divisa entre os países. Já Hilary Clinton, a rival do magnata no pleito, fala em estabelecer mais elos entre as nações vizinhas, premissa que motiva um arquiteto a pensar em uma proposta ainda mais ambiciosa: “Border City“.
O mexicano Fernando Romero sustenta a ideia de que limitações são obsoletas. Foi por essa razão que ele desenhou um plano diretor de uma metrópole caminhável, totalmente conectada e multipolar na fronteira com os dois países. A concepção do projeto do arquiteto e de sua companhia, a FR-EE, é baseada na ideia de que os locais onde as fronteiras se encontram são pontos onde diferentes culturas colidem e se misturam. “Essa é uma visão a longo prazo, uma visão utópica que não trata de construir muros, mas de pensar mais ambiciosamente sobre essa relação mútua (entre México e Estados Unidos) e sobre o que as fronteiras realmente significam entre os países”, afirmou o arquiteto na abertura da Bienal de Design de Londres, onde o projeto está em exposição.
A cidade seria instalada entre os estados do Novo México e do Texas nos Estados Unidos e de Chihuahua, no México. O local teria regiões temáticas dispostas em um plano hexagonal, cada um com um epicentro contendo serviços médicos, culturais ou industriais. Avenidas irradiariam a partir de seus centros e ligariam as zonas vizinhas. Romero já projetou quase tudo: o uso do solo, os itinerários dos ônibus, as vias conectadas para carros, toda a rede cicloviária e até raios de 8 minutos de caminhada.
A proposta para a Border City é estabelecer uma zona econômica especial com sua própria governança entre os dois países. A ideia é semelhante ao que ocorre na cidade de Andorra, situada entre a França e a Espanha. Não existiria preocupação com mercado cambial ou restrições de movimentos, estudo ou trabalho nos dois lados da divisa. Ele acredita que a proximidade da cidade com os Estados Unidos pode tornar o México mais competitivo comercialmente e impulsionar sua economia. Sua crença é baseada no sucesso econômico das cidades fronteiriças de El Paso e Ciudad Juárez.
No núcleo do município se localiza o porto interior de Santa Teresa, plataforma de frete recentemente aberta na fronteira entre o estado do Novo México e o México. A rodovia I-10 conectaria a cidade a regiões distantes nas costas Leste e Oeste dos Estados Unidos e uma rede de outras estradas e linhas de trens expressos levaria a vários focos industriais e econômicos. “São tremendas possibilidades de negócios”, diz Romero, “qualquer bem que você produzir tem imediatamente um trem que conecta a Los Angeles, então é uma situação dos sonhos em termos de conectividade com os Estados Unidos”.
E o projeto não é apenas para ficar no imaginário. O arquiteto já tem um plano de construção que levaria 12 anos, com três fases, cada uma levando quatro anos para ser montada. Três epicentros seriam desenvolvidos durante a primeira fase. O mexicano está nos estágios finais do planejamento do empreendimento com os três proprietários do espaço e planos de conclusão até o final da próxima década. Romero afirma que o esquema pode ser reproduzido globalmente para criar cidades sustentáveis na medida em que a população e os fluxos migratórios crescem. Assista ao vídeo da instalação de Romero na Bienal de Londres.
O planejamento pensado pelo mexicano vai ao encontro de diversos elementos-chaves descritos no guia O Desenho de Cidades Seguras, desenvolvido pelo WRI Ross Centro para Cidades Sustentáveis. A conectividade da malha viária, que mede o quão diretas são as rotas de pedestres e/ou de veículos, é um elementos-chave de projetos urbanos. A noção de conectividade viária descrita na publicação é um dos fatores mais importantes para promover viagens a pé e para diminuir as viagens de veículos motorizados. “Os pedestres e ciclistas podem encontrar mais rotas diretas em uma malha ou grade viária mais conectada do que em redes desconectadas, com ruas sem saída e superquadras, fatores que desestimulam as pessoas a andar a pé ou de bicicleta”, diz o guia.
O tamanho de quadra, largura das vias, acesso aos destinos e a densidade populacional também são fatores importantes do planejamento urbano para a construção de cidades mais seguras e sustentáveis.
Conurbação internacional
Para além do aparentemente utópico projeto de Romero, parte da fronteira México-Estados Unidos já está recebendo atenção especial. O Colégio Nacional de Jurisprudência Urbanística (CNJUR), em parceria com o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-HABITAT), lançou, em janeiro, o Laboratório Urbano permanente, que tem como objetivo a implementação de ações pelo reconhecimento legal de uma área binacional conurbada entre o México e os Estados Unidos. A fronteira compartilhada pelas cidades de Brownsville, no Texas, e Matamoros, no estado mexicano de Tamaulipas, segundo o World Urban Campaign, é um exemplo claro de conurbação internacional.
O espaço funciona como uma unidade territorial, social e econômica, que compartilha a população, projetos urbanos e ambientais e problemas, o que caracteriza uma conurbação. No entanto, cada cidade é governada por sistemas legais, contraditórios e isolados. A nova iniciativa surgiu de um tratado internacional vinculativo, o Acordo de Paz, assinado pelos dois países em 1984. “Esse será o primeiro acordo urbano em uma conurbação internacional”, afirmou o advogado Pablo Aguilar, fundador da CNJUR.