O projeto Nossa Cidade, do TheCityFix Brasil, explora questões importantes para a construção de cidades sustentáveis.
A cada mês um tema diferente.
Com a colaboração e a expertise dos especialistas do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, os posts trazem artigos especiais sobre planejamento urbano, mobilidade sustentável, resiliência, segurança viária, entre outros. A cada mês, uma nova temática explora por ângulos diferentes o desenvolvimento sustentável de nossas cidades.
Cidades inteligentes precisam de resiliência
A eficiência dos serviços urbanos está no coração do que determina a qualidade de vida nas cidades. Sistemas de transporte, educação, saúde e condições de moradia são alguns dos fatores que impactam a qualidade de vida em uma cidade e também elementos que as smart cities buscam aprimorar, a fim de facilitar a vida de seus moradores. O conceito de cidades inteligentes, traduzido do inglês supracitado, diz respeito à capacidade de conectar e otimizar os serviços urbanos de uma forma que sejam entregues à população com mais eficiência e sustentabilidade. André Lemos, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), assim o define:
Cidade inteligente refere-se a processos informatizados sensíveis ao contexto, lidando com um gigantesco volume de dados (Big Data), redes em nuvens e comunicação autônoma entre diversos objetos (Internet das Coisas). Inteligente aqui é sinônimo de uma cidade na qual tudo é sensível ao ambiente e produz, consome e distribui um grande número de informações em tempo real.
Em outras palavras: ao integrar novas possibilidades tecnológicas ao desenvolvimento de novos sensores, as cidades começam a descobrir novas maneiras de colocar os dados mais relevantes nas mãos dos tomadores de decisão, para que eles possam endereçar os desafios urbanos de forma produtiva, integrada e eficiente.
Na última quarta-feira (7), escrevemos sobre os mecanismos de planejamento de que as gestões municipais podem se valer para pensar e viabilizar uma cidade inteligente. O planejamento urbano inteligente garante que as cidades façam um uso mais sustentável dos recursos, e um dos elementos fundamentais nesse processo é a resiliência. Uma cidade inteligente, para se considerar como tal, precisa, também e necessariamente, ser resiliente.
O conceito de resiliência define a capacidade de recuperação e adaptação de uma cidade ao enfrentar eventos adversos, sejam de ordem social – como desemprego, violência e déficit de habitação – ou natural, como inundações, tsunamis e furacões. Nas últimas décadas, as cidades têm visto crescer tanto a frequência quanto a intensidade desses fenômenos – no Brasil, por exemplo, a ocorrência de fenômenos naturais extremos aumentou 155% nos anos 2000 em relação à década de 1990, conforme dados do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais.
Nas próximas décadas, se mantidos os níveis atuais de emissões e consumo de recursos, a tendência é que milhões de pessoas em áreas urbanas – principalmente os moradores de países em desenvolvimento – continuem a ser impactados por inundações, tempestades e ondas de calor e frio mais frequentes. É nesse sentido que a resiliência aparece também como um conceito mais amplo, que diz respeito à responsabilidade das cidades por seus cidadãos – de garantir sua sobrevivência e dignidade em cenários extremos. Cada cidade deve atentar para suas características geográficas, culturais e sociais até encontrar as estratégias mais adequadas, mas é comum a todas a necessidade de estarem preparadas para possíveis impactos.
Tecnologia e resiliência juntas por cidades mais inteligentes
O desenvolvimento e a disseminação de diversas ferramentas tecnológicas levou as cidades a um avanço no que diz respeito à coleta de dados, à qualidade dos serviços e à transparência. Esse avanço, contudo, pode ser menos tímido. A partir dos dados a que já têm acesso, as gestões municipais podem traçar estratégias para utilizá-los de forma mais eficiente – e inteligente. Para isso, não é preciso investir em mecanismos para coletar novos dados. Trata-se, mais, de agregar os múltiplos fluxos de dados já gerados e produzir uma visualização multidimensional que permita entender como eles se sobrepõem e conectam-se uns aos outros e, assim, desenvolver soluções que contemplem os diferentes setores a que se referem.
Pensar as cidades a partir de uma abordagem holística – assumindo que todos os serviços urbanos estão interligados e devem ser pensados dessa forma, e não isoladamente, para atingirem plena eficiência – também é uma forma de construir resiliência. Nesse sentido, o planejamento urbano deve incorporar também um viés climático, considerando não apenas a adaptação às mudanças climáticas, mas a prevenção: as cidades precisam estar preparadas para se recuperar de eventos que, como vimos, tendem a ser mais intensos e frequentes.
Em terras brasileiras, algumas capitais já começaram esse trabalho e hoje oferecem exemplos de iniciativas que podem ser implementadas para aumentar a resiliência. Porto Alegre é uma delas. Em dezembro de 2013, a capital gaúcha foi selecionada pela Rockfeller Foundation para fazer parte da inciativa 100 Cidades Resilientes, criada com o objetivo de ajudar cidades em todo o mundo a implementar ações para alavancar a resiliência. Selando o compromisso de se tornar mais resiliente, a cidade lançou em janeiro deste ano sua primeira Estratégia de Resiliência, que estabelece um plano de metas por região e as ações necessárias para atingi-las até 2022.
O Rio de Janeiro também foi uma das selecionadas a integrar a iniciativa da Rockfeller Foundation e desde então vem desenvolvendo ações para se tornar cada vez mais preparada enfrentar fenômenos naturais extremos e a se recuperar dos danos causados. Já em 2010, a cidade inaugurou o Centro de Operações (CORIO), parte do programa Rio Resiliente. A unidade reúne trinta departamentos da prefeitura – de transportes a saneamento, passando pelo serviços de saúde e atendimento de emergência – em um mesmo ambiente para monitorar em tempo real as condições de áreas de risco da cidade, com o objetivo de otimizar a resposta a emergências e desastres naturais, quando eles acontecerem. Com um monitor dividido em gráficos, relatórios meteorológicos e imagens das câmeras de trânsito e vigilância da cidade, o centro opera 24 horas por dia, monitorando indicadores como precipitação, temperaturas e riscos de incêndio. A prefeitura também mapeou cidadãos em situação de vulnerabilidade para que as chamadas de emergência possam chegar até eles rapidamente, caso seja necessário.
Outro exemplo brasileiro é o projeto Pluviômetros nas Comunidades, um sistema de pluviômetros semiautomáticos instalados em áreas de risco que avisa as autoridades municipais quando as chuvas ultrapassam determinado índice, possibilitando o alerta à população sobre potenciais enchentes por meio de sirenes e mensagens de texto. Pluviômetros do projeto já foram instalados no Rio de Janeiro em Angra dos Reis (RJ), Manaus (AM), Rio Negrinho e Tubarão (SC), Santo André (SP) e Visconde do Rio Branco (MG), ajudando a prevenir acidentes decorrentes de enchentes e deslizamentos de terra.
A iniciativa foi desenvolvida pelo Cemanden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), criado em julho de 2011 com a função de desenvolver capacidade científica, tecnológica e de inovação para aprimorar de forma contínua os alertas de desastres naturais. Além dos Pluviômetros, o centro também é responsável por outros cinco programas: Monitoramento de Encostas, Ciência Cidadã Agri-Support, Cemaden Educação, Gides e Cidades Resilientes. Radares meteorológicos, sensores geotécnicos, estações agrometeorológicas e hidrológicas e sistemas de alertas estão entre os mecanismos desenvolvidos pelo centro para auxiliar as cidades brasileiras a se tornarem mais resilientes.
Exemplos como esses mostram como a tecnologia é uma grande aliada das cidades no que diz respeito à resiliência. Embora no Brasil o movimento esteja em seus passos iniciais, outras cidades do mundo já usufruem e comprovam os benefícios de usar os avanços tecnológicos a seu favor para se tornarem mais resilientes. Inteligência, tecnologia, sustentabilidade e resiliência devem caminhar juntas – afinal, muito mais do que conceitos, são as vidas de milhões de pessoas que estão em jogo.