No Brasil, segundo o Denatran, circularam 87 milhões veículos em 2014. A estimativa é que em 2022 esse número chegue a 94 milhões. Os números evidenciam como a mobilidade nas cidades é individualista e, por consequência, poluente. No entanto, a tecnologia pode ser uma boa estratégia para subverter esses números através do compartilhamento e do consumo sob demanda.
Uma pesquisa divulgada no início desta semana projetou como seria o trânsito de Lisboa, Portugal, com sistemas de “táxi-ônibus” com oito (minivans) e 16 (micro-ônibus) lugares, acionados sob demanda por um aplicativo de celular. E mais: em um cenário sem carros. O resultado da projeção foi o fim dos engarrafamentos, redução de emissões em um terço, e liberação de 95% do espaço de estacionamentos da cidade.

(Projeção de cientistas afirma que com sistemas de transporte coletivo compartilhado, os engarrafamentos não seriam mais realidade – Foto: Sergio Trentini/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Essas minivans e micro-ônibus tornariam o transporte da cidade mais igualitário. Ao contrário do cenário atual em que 50% dos deslocamentos são feitos em carros, motos e táxis, 29% pelo transporte público e 21% a pé. Com o sistema de transporte público compartilhado aliado aos transportes sob trilhos já existentes mais de 75% dos moradores poderiam chegar ao trabalho em menos de 30 minutos. Com o cenário projetado, cada um desses táxis-ônibus circularia cerca de 265 quilômetros por dia, com uma média ativa de 10 horas por dia. Esse uso intensivo permitiria que os veículos fossem renovados de maneira frequente, atualizando as tecnologias para formatos novos e mais ecológicos.
Além disso, o acesso às ofertas dos centros urbanos (empregos, cultura, educação, serviços de saúde, além de interação social) aumentaria. A pesquisa, disponível aqui, levou em conta toda a área geográfica da cidade, utilizando cada ponto como uma área de origem.
José Viegas, um dos responsáveis pelo estudo, destaca como algumas características que fazem do carro particular uma escolha majoritária foram levadas em conta para a projeção: flexibilidade, conforto e disponibilidade. “Projetamos o dia depois do Big Bang”, brincou Viegas.
Os “táxi-ônibus” precisariam ser acionados com 30 minutos de antecedência pelos usuários. O outro responsável pelo estudo foi Luiz Martinez. Ambos do ITF (Internacional Transport Forum), órgão da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para o setor de transporte.
Projetando o fim dos engarrafamentos
O estudo leva em conta conceitos como o Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável e de Sistemas de Transporte Inteligente. O DOTS visualiza um planejamento urbano estratégico que incentiva o uso misto do solo com áreas residenciais e comerciais, com adequado acesso ao transporte público e variadas opções de mobilidade, como o ciclismo e caminhada. O segundo está ligado à evolução da internet e o potencial dessa conectividade entre indivíduos para tornar a infraestrutura urbana existente mais inteligente e interligada.
Por esse motivo, a pesquisa se baseou em uma plataforma que permite explorar os diferentes tipos de cenário de transporte compartilhado – preservando as preferências de mobilidade que o comportamento dos cidadãos apresenta. Assim, além de fornecer uma mobilidade inteligente, é possível reduzir o consumo de energia e as emissões e elevar o acesso dos cidadãos à própria cidade.
As alternativas foram projetadas para substituir totalmente carros e motos. O que implicaria em uma transferência modal para os táxi-ônibus aliados aos taxis compartilhados, metrô, trem, caminhada e bicicleta. Dessa forma, seria possível reduzir os custos de transportes em 55% e diminuir o tempo de viagem dos moradores de zonas afastadas do centro.
O resultado para o acesso a serviços de saúde pode ser visto no gráfico abaixo:

(No mapa da esquerda, a atual situação de acessos. No mapa da direita, como seria com o sistema de transporte sob demanda compartilhado)
A mobilidade compartilhada tem, além desse, outros potenciais impactos. A simulação destaca como esse tipo de sistema pode fornecer o mesmo nível de mobilidade para os cidadãos com apenas 3% do número atual de veículos. Além disso, como os veículos são utilizados mais intensamente, eles precisam ser substituídos em intervalos mais curtos. E, dessa forma, com a renovação da frota, a tecnologia sempre estará atualizada e mais ecológica. Falamos sobre o potencial da renovação de frota aqui.
Com a frota reduzida, as emissões seguirão o mesmo caminho. O congestionamento seria eliminado, as emissões de trânsito reduzidas em um terço, mesmo sem qualquer nova tecnologia. Estacionamentos seriam desnecessários, liberando cerca de 97% do espaço para as pessoas. Humanizando a cidade.
O viés econômico da pesquisa pontua como, na simulação sem carros particulares circulando, um gasto de 10 euros por semana poderia cair para 3,9 euros. Para convencer os cidadãos a adotar esse modal, a pesquisa destaca que, apesar de ser um grande desafio, já é algo mais próximo da realidade. Para permitir que a evolução seja gradual, a pesquisa projeta um cenário em que as pessoas possam usar carros particulares duas vezes por semana, até chegar a todos os dias.
Essa fase de transição é fundamental para sucesso. Embora seja um desafio de difícil implementação, o futuro da mobilidade está em definição. Que seja, então, com foco em cidades desenvolvidas para criar um ambiente mais conectado e acessível, reduzindo gastos individuais e públicos e garantindo mais qualidade de vida a partir da apropriação dos espaços públicos pelas pessoas.