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Nossa Cidade: o futuro e o presente das relações entre a sociedade e o governo

O projeto Nossa Cidade, do TheCityFix Brasil, explora questões importantes para a construção de cidades sustentáveis.

A cada mês um tema diferente.

Com a colaboração e a expertise dos especialistas do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, os posts trazem artigos especiais sobre planejamento urbano, mobilidade sustentável, resiliência, segurança viária, entre outros. A cada mês, uma nova temática explora por ângulos diferentes o desenvolvimento sustentável de nossas cidades.

 

O futuro e o presente das relações entre a sociedade e o governo

Quando se trata de inovações disruptivas, como é o caso da internet, prever o futuro torna-se ainda mais difícil. Em geral, superestimam-se os impactos na realidade a curto prazo e subestimam-se os de longo prazo. A rede é a via que está mudando a estrutura social como um todo.

Assim como o método de impressão inventado por Gutenberg iniciou uma revolução no comportamento humano por meio da comunicação, a internet está levando a humanidade em frente pela mesma via. Informações mais acessíveis impulsionaram as ideias dos teóricos que sustentaram a Revolução Francesa, uma das bases do ordenamento político e democrático dos dias de hoje, e a era da informação que vivemos agora também mudará a realidade para sempre.

O fato é que a governança urbana precisa levar em consideração essas transformações tecnológicas puxadas pelas pessoas, que estão na ponta das inovações. Durante o Nossa Cidade deste mês, falamos sobre a importância de pensar em cidades mais inclusivas, da participação social para o desenvolvimento das cidades, das iniciativas dos governos que, a partir da tecnologia, tentam se aproximar dos cidadãos, e agora tentamos olhar para o caminho inverso: projetos que partem de uma necessidade da população de dialogar com os governos.

Criado em 2014, o Update – Laboratório de Inovação Política na América Latina é uma iniciativa que ajuda a identificar novos fenômenos de participação política. São mais de 700 projetos mapeados em 21 países latino-americanos até o momento, que buscam maior participação cidadã, transparência, cultura política, controle social, entre outros objetivos.

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(Reprodução/Update)

Com o sistema de democracia representativa enfrentando uma crise, identificada por pesquisadores das ciências sociais e políticas na academia, e pela sociedade nas ruas, percebe-se que ações de grupos diversos, ainda que embrionárias, começam uma trajetória de mudança nessa relação entre a sociedade e o poder constituído. De acordo com o economista e ativista Caio Tendolini, um dos criadores do site, é possível observar algumas tendências a partir desse trabalho.

“Nossa reflexão aponta para dois lugares. O primeiro é a validação de que existe um ecossistema de inovação política na América Latina. O segundo ponto é que ele ainda é incipiente e frágil. As iniciativas ainda não se reconhecem plenamente, trabalhando de forma pulverizada, falando dialetos diferentes (dando nomes diversos a práticas similares). Também evidenciamos que surgem muitas iniciativas, mas que existe uma dificuldade na sustentação a longo prazo, e que o contexto é determinante para a prática, sendo critério definidor da escolha de táticas e estratégias”, avalia Tendolini.

Entre os projetos no radar do Update está o partido La Red, na Argentina, que tenta aplicar o conceito de consenso em massa, o também argentino Chequeado, criado para verificar os fatos expostos em discursos políticos, e o Ciudadano Inteligente, do Chile, ação que promove transparência de dados, monitoramento do governo e maior participação cidadã. Outra análise possível a partir do Update é que o uso de tecnologias digitais vem quase sempre acompanhado de processos sociais. Embora a tecnologia permita uma maior capilaridade na ação, e uma maior inclusão, os processos baseados puramente em tecnologia digital têm dificuldade em se sustentar ou em serem efetivos, diz Tendolini.

A rede como um ambiente para o engajamento na vida real

No Brasil, a insatisfação com o sistema político ficou mais clara a partir de junho de 2013. Mais grupos se organizaram, mais causas ganharam notoriedade. Uma das experiências que vêm sendo construídas a partir de então é a Muitas: cidade que queremos, criada em Belo Horizonte. Formada a partir de pessoas com trajetória em movimentos sociais já atuantes na cidade, coletivos, grupos organizados e outros interessaos, a iniciativa busca ampliar a participação da população nas decisões do município ao lançar candidaturas para o Legislativo. Esses candidatos se comprometem a apoiar propostas reunidas através de uma plataforma na internet. As pessoas poderão votar nos projetos, para que se tenha um parâmetro que vai dar base aos planos de governo.

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Algumas das propostas mais votadas na plataforma do Muitxs

Até o momento, 11 pessoas das Muitas são pré-candidatas a vereadoras, pelo PSOL. “Não acreditamos que construir um partido seja um necessariamente um caminho, embora seja necessário no sistema político atual. Não acreditamos que fazer política seja uma profissão para fazer carreira, lutamos contra isso. Aos poucos, estamos avançando na compreensão sobre uma agenda coletiva, de radicalização da democracia, que tem a ver com as demandas reais da população das cidades”, explica Áurea Carolina, uma das integrantes das Muitas.

Na visão das Muitas, passar pelo sistema político é a maneira possível de ampliar o impacto das lutas que já ganham notoriedade, mas nem sempre têm suas demandas atendidas. Apesar da plataforma facilitar a participação das pessoas pela internet, o grupo quer manter o relacionamento presencial, para ampliar o engajamento dos cidadãos. “Temos um grupo nesse momento quebrando a cabeça sobre a plataforma, porque propostas mais votadas não são necessariamente as mais importantes ou boas. Muitas causas urgentes podem não aparecer se as pessoas não acessarem essa ferramenta. Por outro lado, as mais votadas indicam que há uma preferência, pelo menos de um segmento. Temos aí uma ciência para desenvolver. São muitas dúvidas que temos ainda”, revela Áurea.

(Roda de conversa na rua sobre igualdade racial, representatividade e democracia radical promovida pela Muitxs - Foto: Reprodução/Facebook)

(Roda de conversa na rua sobre igualdade racial, representatividade e democracia radical promovida pelas Muitas – Foto: Reprodução/Facebook)

Para que esses processos inovadores evoluam, é importante que haja uma maior inclusão digital, tanto do ponto de vista da infraestrutura (apenas 60% da população na América Latina tem acesso à internet) quanto da utilização da rede para fins de participação e controle social. “Há uma premissa implícita por trás desse processo que o dificulta: as estruturas de poder devem estar dispostas a serem permeadas. Por isso, a trilha ainda parece nebulosa. A nossa aposta como organização é que fomentar esse ecossistema, potencializando os experimentos que dele brotam. É um dos caminhos essenciais para avançamos em direção à uma democracia mais participativa, justa e atualizada para o século XXI”, afirma Tendolini.

Desenvolvido com base no software DemocraciaOS, o mesmo do argentino La Red, outro projeto inovador no Brasil é o Eu Voto. Gratuito e aberto, a plataforma digital permite que as pessoas opinem sobre projetos em tramitação na Câmara de Vereadores de São Paulo. A ideia é simplificar para que as pessoas se aproximem do que está em discussão e as pautas permeiem melhor a opinião pública.

Outro ambiente de promoção de inovações sociais através da tecnologia que vale destaque é o Inovação Cidadã, um projeto da Secretaria Geral Ibero-americana, que busca fomentar a transformação social, a governança democrática, e o desenvolvimento social, cultural e econômico. O mapa colaborativo batizado de Civics é um dos produtos que foi desenvolvido por esse grupo e é um bom caminho para descobrir projetos e ações pelo mundo nessa área.

“Debate presencial é fundamental”, diz Lake Sagaris

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(Foto: Sergio Trentini/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

Lake Sagaris, canadense que se estabeleceu no Chile, uma das fundadoras do Ciudad Viva e pesquisadora da área de participação cidadã e desenvolvimento urbano, tem uma vasta experiência em mediar diálogos entre a sociedade e o poder público. Em passagem pelo escritório do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, ela contou um pouco das suas experiências em diversos lugares do mundo. Recentemente, esteve em Londres e em Toronto para organizar encontros com a população para debater obras públicas de transporte, e constatou como esse processo é um desafio mesmo para democracias mais consolidadas.  “Mesmo nesses lugares em que a participação social é parte da rotina, o formato atual ainda não é suficiente para os desafios deste século. Eles estão apenas coletando opiniões, não estão mudando as pessoas, a forma como vivemos juntos”, explica Lake.

Ela monitora novas iniciativas de cidadania pelo mundo e acredita no poder de transformação da tecnologia nesse processo. Porém, acredita que dificilmente alguma ferramenta substituirá o debate presencial. “Podem surgir ótimas ferramentas, mas quando as pessoas votam sem debate, elas votam pelo que elas pensam hoje, não pelo que elas poderiam saber ou o que elas pensariam se elas soubessem mais sobre o assunto. Por isso é tão importante o debate presencial, que adiciona diferentes tipos de informações, desde emocionais, da pessoa que perderá o emprego com uma obra, até informações técnicas, que mostram outras formas de fazer a mesma coisa”, ressalta Lake.

A especialista alerta que qualquer votação, seja online ou não, deve ser feita no momento em que as pessoas estão mais seguras e informadas sobre os assuntos. “O Bus Rapid Transit (BRT), por exemplo é algo desconhecido, então a maioria prefere um metrô ou um carro. Se você colocar isso em votação hoje, entre carro, metrô e e BRT, todos vão dizer o que acham possível hoje, não no futuro. Qualquer votação, seja online, presencial ou outro, você sempre precisa ter certeza que está fazendo no ponto certo do processo e que terá muitas oportunidades para as pessoas trocarem informações e expressa-las de diversas formas, para que elas possam digerir e pensam a partir de todos os lados e dados”, diz.

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