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Nossa Cidade: financiando o DOTS no Brasil

O projeto Nossa Cidade, do TheCityFix Brasil, explora questões importantes para a construção de cidades sustentáveis.

A cada mês um tema diferente.

Com a colaboração e a expertise dos especialistas do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, os posts trazem artigos especiais sobre planejamento urbano, mobilidade sustentável, resiliência, segurança viária, entre outros. A cada mês, uma nova temática explora por ângulos diferentes o desenvolvimento sustentável de nossas cidades.

 

 

Financiando o DOTS no Brasil

Este post foi escrito com a colaboração de Henrique Evers, Coordenador de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil Cidades Sustentáveis.

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Independentemente da localização geográfica, o desafio é o mesmo: construir cidades eficientes, com mais qualidade de vida para as pessoas. Áreas urbanas compactas e conectadas estimulam a inovação e a sustentabilidade e criam ambientes mais humanos e vibrantes. A questão com que muitas gestões municipais se deparam, porém, é justamente como trilhar o caminho que leva a essas cidades, conciliando desenvolvimento sustentável e crescimento econômico.

O conceito de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS) pode levar as cidades a este modelo de crescimento. O DOTS é um modelo de planejamento que busca contemplar a diversidade de uso do solo, com espaços seguros, acessíveis e atrativos e onde as pessoas possam utilizar modos de transporte coletivos e sustentáveis de qualidade. Ao integrar os processos de planejamento urbano e de transportes, o DOTS aparece como um dos modelos mais qualificados para promover a construção de cidades mais sustentáveis econômica, social e ambientalmente.

As cidades brasileiras cresceram de forma dispersa e desconectada, em um modelo de desenvolvimento que incentiva viagens motorizadas, gerando congestionamentos e degradação ambiental, além de onerar a população – em especial a de renda mais baixa – que se vê despendendo significativa parte de seu tempo com o transporte em longos deslocamentos. Por outro lado, esse mesmo cenário originou metrópoles e cidades médias com infraestruturas de transporte já existentes ou em desenvolvimento que podem ser uma ótima oportunidade para a aplicação do DOTS.

A partir de seus conceitos, o DOTS pode ser implementado de variadas maneiras de forma pontual. Porém, para implementá-lo de forma coordenada, construindo bairros e cidades mais compactas e conectadas são necessários projetos estruturados. Os projetos estruturados de acordo com os princípios do DOTS podem variar quanto à escala de implementação, mas geralmente são aplicados em um raio de 800 a 1.000 metros no entorno dos chamados hubs de transporte – locais de conectividade e com alta concentração de pessoas – e ao longo de corredores. A viabilidade desses projetos está atrelada a uma série de definições políticas, técnicas e econômicas – mas, uma vez bem-sucedidos, têm o potencial de maximizar os benefícios dos investimentos econômicos feitos no transporte, aliando planejamento urbano e mobilidade em prol do desenvolvimento de cidades mais sustentáveis. Para que isso seja possível, o planejamento DOTS deve ser estruturado considerando ações em três eixos: desenho urbano, governança e mecanismos financeiros, que precisam operar de forma concomitante para o sucesso do projeto.

Projetos DOTS: instrumentos de financiamento

Tradicionalmente, projetos de Desenvolvimento Orientado ao Transporte focaram em utilizar a valorização das terras urbanas como forma de financiar a infraestrutura de transporte. Embora essa estratégia tenha sido inovadora e seja uma boa forma de socializar a mais valia fundiária, as infraestruturas de transporte não são o único elemento do DOTS que necessita financiamento e não são garantia de um desenvolvimento urbano qualificado e sustentável. Por esse motivo, é essencial ter clareza a respeito de quais elementos devem ser financiados em um projeto de DOTS, para muito além do corredor de ônibus ou linha férrea. Cada projeto possui diferentes infraestruturas que requerem financiamento, abrangendo desde o transporte público até as questões de moradia urbana no entorno das estações. Para que a intervenção atinja seus objetivos de melhoria, todos os elementos devem ser considerados na captação de recursos – e essas fontes podem e devem variar entre si.

A equipe de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil Cidades Sustentáveis trabalha atualmente em um estudo focado no financiamento de projetos DOTS, a fim explorar as potencialidades de cada mecanismo e as oportunidades de aplicação nas cidades brasileiras. A pesquisa avalia 40 instrumentos divididos em sete categorias: cobranças diretas, capital de terceiros, capitais próprios, assistência de crédito, captura de valor, subsídios e mecanismos de incentivo, instrumentos alternativos. A partir da análise desses mecanismos, as cidades devem buscar as melhores alternativas e desenvolver estratégias de financiamento robustas para beneficiar a população com a implementação de projetos DOTS.

  • Cobranças diretas: taxa de provisão; preço de utilização de serviço/infraestrutura; preço de congestionamento (congestion pricing).
  • Capitais de terceiros: empréstimos privados; títulos públicos (bonds); debêntures; debêntures de infraestrutura; fundos de investimento em infraestrutura; empréstimos especializados em infraestrutura; empréstimos a fundo perdido.
  • Capitais próprios: parcerias público-privadas (PPP); concessões.
  • Assistência de crédito: seguros de títulos; reforço de crédito; linhas de crédito de emergência (credit lines); garantias de empréstimo; Fundo Garantidor de Crédito (FGC); swaps/derivativos; garantias e/ou seguros.
  • Captura de valor: imposto sobre a propriedade; imposto sobre o valor da terra; imposto de duas taxas; elevação temporária da alíquota do imposto sobre a propriedade; impostos de valorização; distritos especiais; financiamento por incremento de imposto (TIF); Direito de Desenvolvimento Transferível (TDR); reajustamento de terras; venda ou arrendamento de terrenos; regimes de reabilitação urbana; desenvolvimento em conjunto (joint development); Certificado de Potencial Adicional de Construção (CEPAC’s); venda de direitos de construir (outorga onerosa)
  • Subsídios e mecanismos de incentivo: subsídios de transporte federais; mecanismos de incentivos; programas federais de desenvolvimento econômico e social.
  • Instrumentos alternativos: fundos estruturados; bancos de terra; conversão redfields para greenfields; Banco Nacional de Infraestrutura.

Integrando planejamento urbano e de transportes, o DOTS promove a construção de cidades mais compactas e sustentáveis. (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

Embora tenham passado por um processo de urbanização semelhante, as cidades brasileiras apresentam contextos diferentes, com estruturas, necessidades e características geográficas que variam e, portanto, exigem projetos também diferentes. Não existe uma receita para desenvolver ou implementar projetos DOTS: é preciso mesclar tanto ações quanto instrumentos de financiamento a fim de promover mudanças urbanas significativas e sustentáveis. Se, por um lado, a falta de recursos de muitas cidades para o financiamento de grandes projetos pode ser um obstáculo, por outro é uma oportunidade de explorar instrumentos inovadores e diversificados.

Os caminhos para tornar o DOTS realidade no Brasil estão abertos e as ferramentas à disposição. Dos 40 instrumentos analisados no estudo, 22 foram considerados altamente recomendáveis para o financiamento de projetos DOTS nas cidades brasileiras. Isso mostra que os instrumentos necessários para viabilizar o DOTS no Brasil existem. Porém, as cidades comumente esbarram em uma série de obstáculos para o financiamento do desenvolvimento sustentável. A situação de endividamento enfrentada pela maioria dos estados e municípios reduz as oportunidades de financiamentos de grande porte, como é o caso de projetos DOTS, que demandam um grande volume de recursos. Oportunidades internacionais também encontram algumas barreiras – os green bonds, títulos destinados a financiar exclusivamente projetos sustentáveis, ainda carecem de regulamentação no Brasil. Mas é possível reverter esse cenário: aliando bons projetos à realidade do mercado e às opções de financiamento existentes.

O DOTS contempla mais do que infraestruturas de transporte sustentável e vai além da construção de edificações no entorno de estações. É um modelo de planejamento que prevê alterações estruturais a fim de promover a densificação, o uso misto do solo e comunidades mais conectadas, impactando a dinâmica das cidades como um todo e a qualidade de vida da população. Em um projeto completo, todos os componentes devem estar interligados e atuar mutuamente, iniciando um curso de crescimento econômico e desenvolvimento sustentável.

Implementar o DOTS é, sem dúvida, um desafio. Contudo, a demanda por transporte, somada à subutilização de algumas áreas urbanas, cria um ambiente propício à implementação desses projetos no Brasil. Além do contexto favorável, as cidades brasileiras têm em mãos as ferramentas necessárias para financiar e coordenar projetos urbanos sustentáveis. Construindo uma estratégia de financiamento e utilizando mecanismos diversificados, as administrações municipais têm a oportunidade de transformar o modelo de crescimento das cidades.

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