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Carly Koinange: especialista da UNEP aponta Belo Horizonte como exemplo para as cidades brasileiras

Carly Koinange em entrevista para o TheCityFix Brasil (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

O transporte motorizado é, hoje, um dos principais emissores globais de CO2, responsável por pelo menos 19% da liberação de gases de efeito estufa, e está diretamente relacionado a uma das principais causas de morte entre a população – todos os dias, pelo menos mil jovens com menos de 25 anos morrem vítimas do trânsito no mundo. Segundo a UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), até 2020, acidentes de trânsito terão matado ou incapacitado mais pessoas de que guerras, tuberculose e o vírus HIV combinados.

Pensar na segurança viária é, portanto, uma questão de salvar vidas.

Share the Road é um dos programas da UNEP que trabalha para estimular políticas governamentais e doadores a investir em estratégias de meio ambiente e segurança no contexto do transporte urbano. Carly Koinange, líder da iniciativa, esteve no Brasil e conversou com a nossa equipe sobre o trabalho da UNEP e como o mundo está pensando em segurança viária hoje. A especialista elogiou o trabalho realizado em Belo Horizonte e acredita na união das organizações, gestões municipais e cidadãos como forma de fortalecer a voz que clama por um trânsito mais seguro e por cidades melhores para todos.

 

Como é o trabalho da UNEP nos países e quais são as ações do “Share the Road”?

A UNEP tem uma divisão de Transportes e, dentro dela, existem seis diferentes programas. Os grupos trabalham com ações para economia de combustíveis (Global Fuel Economy Initiative), parcerias para o desenvolvimento de veículos de combustíveis limpos (Partnership for Clean Fuels & Vehicles), projetos para portos mais limpos (Global Clean Ports Project), além do Fórum Africano de Transporte Sustentável (African Sustainable Transport Forum). Por fim, temos o  “Share the Road” , o programa que lidero, onde trabalhamos com governos africanos em capacitação e para ajudá-los a obter mais investimentos para a infraestrutura necessária para a segurança de pedestres e ciclistas. Também trabalhamos recentemente com a Prefeitura de Nairobi para lançar sua primeira política de transporte não-motorizado, o que ocorreu em março do ano passado. Com o programa, eles passaram a destinar 20% do orçamento para a construção de infraestrutura para bicicletas e pedestres, ao contrário do que acontecia antes, quando não havia investimento algum.

Outra frente do nosso trabalho é o desenvolvimento de ferramentas normativas como, por exemplo, guias ou códigos que vários países do mundo podem usar, mesmo que a UNEP não esteja atuando nesses locais. Qualquer organização pode usar nosso material se precisar de dados específicos. Recentemente, trabalhamos com a Universidade de Twente, na Holanda, em treinamento para o desenvolvimento de transportes não-motorizados, e com a Universidade de Cape Town no desenvolvimento de uma ferramenta de avaliação. É possível baixar esse guia e utilizá-lo para muitos fins. Ele pode ser apresentado aos governos quando se busca conseguir o apoio a novas práticas, e o programa calcula os custos do investimento. Atualmente, estamos no estágio de olhar para as lições que aprendemos na África e expandi-las para América do Sul, Ásia e Caribe.

 

Como você vê o cenário brasileiro em relação aos esforços na busca por cidades mais seguras?

Após passar um tempo em Belo Horizonte, vi que a cidade já fez muitos progressos. Claro que existem muitos desafios, assim como em todo o país no que diz respeito à mobilidade urbana e ao transporte sustentável, mas, na verdade, Belo Horizonte já tem uma infraestrutura para bicicletas e muita infraestrutura voltada para os pedestres. Ao caminhar pela cidade, você vê áreas exclusivas para pedestres, onde as pessoas podem andar com segurança, o que não existe em muitas cidades africanas. Já há um programa de ciclovias, que ainda é pequeno, mas é um ótimo começo. Para mim, fica claro que a cidade tem muita capacidade técnica – sabem o que estão fazendo e têm uma visão de aonde querem chegar.

 

Como estimular ações que visem à segurança viária?

Acredito que eventos como o que tivemos em Belo Horizonte ajudam muito. O prefeito estava lá e disse as coisas certas, e a equipe do WRI Brasil Cidades Sustentáveis e do departamento de transporte local precisam dar seguimento a isso. Capturar a “energia” desses eventos, buscar outros políticos favoráveis, somar a pressão dos departamentos municipais de transporte, as ações de organizações como o WRI, ter uma sociedade civil forte, que continue cobrando. Tudo isso ajuda. Tivemos representantes da sociedade civil no evento, que expuseram suas opiniões e deixaram muito claro quais são suas expectativas. Acredito que existem muitos grupos organizados na sociedade civil brasileira com as mesmas prioridades. Organizações como o WRI Brasil Cidades Sustentáveis podem facilitar a união desses grupos. Porque, juntos, temos mais voz.

 

Como você avalia os resultados da COP 21?

A COP 21 foi um ótimo evento. Precisamos de mais desses encontros com estrutura de alto nível onde organizações mostram seus projetos e interesses. O que mais gostei nessa COP foi que tivemos um dia inteiro voltado às discussões sobre transporte. Um dos exemplos que tivemos a oportunidade de conhecer melhor foi o EcoMobility World Festival, realizado no ano passado, que lançou a Declaração de Ecomobilidade de Johannesburg. O documento foi assinado por prefeitos de todo o mundo e apoiado pela UNEP. Desenvolvida pelo ICLEI, a declaração define quais devem ser os compromissos das cidades para a ecomobilidade, incluindo meios de transporte de massa, investimentos em sistema cicloviário e caminhabilidade, carros elétricos etc. Essa declaração foi apresentada pelo prefeito de Joanesburgo na COP 21, e é interessante ver como um quadro político experiente, compromissos sobre mudanças climáticas e objetivos para o setor de transportes se complementam na construção de uma cidade mais sustentável.

 

O que você vê de mais empolgante sendo implementado no mundo em termos de segurança viária atualmente?

Quando trabalhei na Transport for London [de 2008 a 2010], as zonas de velocidade reduzida, entre 20 milhas por hora e 30 milhas por hora, eram muito populares e tinham grande impacto na segurança viária. Hoje, a maior parte de Londres ja possui essas áreas de velocidade reduzida. Acredito que atualmente o que vem se tornando cada vez mais forte é uma agenda específica de segurança viária, direcionada à segurança das crianças, por exemplo. Essa é uma área onde é possível focar ainda mais e criar um grande impacto com poucos recursos.

E foi muito bom ver isso acontecendo em Belo Horizonte. Ver que a cidade tem um projeto assim e está trabalhando na implementação de áreas com limite de velocidade de 30 quilômetros por hora. Sei que algumas obras começarão entre o final deste mês e início de abril, então espero que dentro de três ou quatro meses as zonas já estejam funcionando. Acredito que a cidade vai perceber o impacto que investimentos pequenos podem acarretar. Tenho esperança de que Belo Horizonte possa servir de exemplo e que, talvez, outras cidades possam replicar as iniciativas de lá. Sei que o pessoal da prefeitura viajou até a Alemanha para aprender como implementar essa zona. Então, agora, Belo Horizonte pode servir de modelo para as cidades brasileiras.

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