Há tempo as mudanças climáticas deixaram de ser uma ameaça e se tornaram uma realidade para os centros urbanos. O Acordo de Paris, firmado em dezembro de 2015 na COP 21, tornou-se, mais do que uma lista de metas e objetivos, uma referência de ação. Por suas proporções e recursos, o Brasil tem potencial para contribuir de forma significativa no combate às mudanças climáticas – mas, para isso, é preciso empoderar as cidades. Durante a II Jornada sobre Cidades e Mudanças Climáticas, conversamos com Carlos Rittl, Secretário Executivo do Observatório do Clima, sobre como o clima – assim como as mudanças por que vem passando – impacta a vida nas cidades. Cabe às cidades, em sua concepção, estudar e aprender a fazer um uso inteligente das fontes de energia e redirecionar suas políticas de acordo com a lógica do baixo carbono: “Vivemos uma emergência climática. E esse não é um problema que temos que resolver pensando no futuro: precisamos agir agora”.
De que forma o clima influencia e modifica a forma como as pessoas vivem nas cidades?
O clima afeta a vida de todos no mínimo de duas formas. A qualidade de vida é afetada, uma vez que o clima está se comportando de maneira diferente em relação ao que seria esperado ou a como sempre se comportou historicamente – com chuvas mais intensas, ondas de calor mais fortes, fenômenos naturais extremos se multiplicando. Isso incide diretamente sobre a qualidade de vida das pessoas, em especial em áreas urbanas e num país que passa por processos de urbanização cada vez mais intensificados. Além disso, afeta também diretamente a economia. Em uma inundação, por exemplo, que atinge determinadas regiões – como no evento que aconteceu recentemente em Porto Alegre, deixando várias pessoas sem energia. Isso afeta não só a vida das pessoas, em suas casas, mas também os negócios. Os alagamentos que acontecem em determinadas áreas prejudicam os negócios locais. Tanto a população quanto a economia das cidades são afetadas diretamente pelas mudanças climáticas.
Considerando os desdobramentos do Acordo de Paris, o que efetivamente as cidades brasileiras podem fazer para combater as mudanças climáticas?
Em primeiro lugar, as cidades precisam começar a tratar as mudanças climáticas como uma agenda crítica, estratégica e que demanda redirecionamento de políticas e investimentos. É preciso trabalhar em adaptação às mudanças climáticas, isso é urgente. Desenvolver estratégias locais de adaptação não para liquidar com um evento de seca ou enchente que vai ocorrer ocasionalmente, mas se preparar para um momento em que esses eventos se tornam cada vez mais frequentes. Vide a crise hídrica do sudeste, a seca pela qual passa o nordeste – a pior seca em décadas, que se estende por pelo menos cinco anos –, vide a situação pela qual passa o norte do Brasil, com uma seca agravada pelo El Niño. É fundamental que as cidades comecem a trabalhar com medidas de adaptação e com maneiras de assegurar que a população não vai ter sua qualidade de vida afetada. Ou pelo menos de amenizar esse impacto. Por outro lado, ao mesmo tempo também é preciso pensar nas soluções. O clima está mudando, isso é um fato. Então, que sejam feitos investimentos naquilo que pode amenizar essa mudança: manutenção de áreas verdes, recuperação de florestas e áreas verdes no entorno de bacias hidrográficas, para assegurar que haja água de qualidade e em quantidade suficiente para abastecer a população, e também fomentar a economia local, tecnologias verdes, energia renovável.
Sabemos que, no Brasil, o clima é um tema que ainda não mobiliza as pessoas tanto quanto a mobilidade urbana, por exemplo. O que as lideranças municipais podem fazer para engajar a população?
Todos os atores envolvidos, sejam prefeituras sejam lideranças comunitárias, precisam demonstrar o quanto a questão da mobilidade está relacionada ao clima – em termos de qualidade do ar, qualidade de vida das pessoas e com potencial para aumentar ou amenizar as mudanças climáticas. Investir em mobilidade urbana sustentável, em mais eficiência para o setor de transportes, em sistemas de transporte coletivo de qualidade, é uma forma de contribuir para o clima. A questão da saúde: vemos no Brasil uma epidemia de dengue matando centenas de pessoas por ano, há anos, e se transformando em um problema ainda mais grave, com o Zika vírus e a febre Chikungunya. Estabelecer essa conexão entre as áreas ajuda a perceber que precisamos ter as mudanças climáticas como base das discussões. Os alimentos que chegam às cidades são impactados pela chuva que faltou ou que veio em excesso no campo. Ou seja, a segurança alimentar e o preço do alimento na feira dependem do equilíbrio climático. Fala-se no risco de uma crise hídrica, de uma crise energética. Por que isso acontece, senão pelas alterações no clima somadas à má gestão dos recursos? Ao mesmo tempo, não basta conscientizar a população. Precisamos, sim, saber que as mudanças climáticas vão colocar um holofote em cima da nossa ineficiência. Tudo o que é problema, como a falta de saneamento básico, quando acompanhado pelas mudanças no clima se torna um problema ainda maior. E isso não só coloca a população em uma situação vulnerável, como aumenta o risco de epidemias. Então, sim, é preciso alertar as pessoas, para que tenham um comportamento mais adequado e sustentável, mas as políticas são fundamentais, também.