
Central Park, em Nova York: as áreas verdes nos centros urbanos são um atrativo para os moradores (Foto: m01229/Flickr)
Desde que os pesquisadores australianos Newman & Kenworth (1989) publicaram uma pesquisa em que analisaram mais de trinta cidades do mundo e verificaram que, quanto mais densas elas são, menor é o consumo energético ligado aos deslocamentos, os urbanistas defendem a cidade compacta para favorecer a emergência de uma mobilidade mais sustentável.
Acredita-se, então, que a forma urbana tem uma forte influência sobre os comportamentos em termos de mobilidade. Nesse contexto, o habitat denso e os centros urbanos são frequentemente associados à utilização dos transportes públicos e dos modos ativos de deslocamento (caminhada e bicicleta), enquanto as zonas mais dispersas ou suburbanas são associadas a uma utilização frequente dos automóveis e às longas distâncias dos deslocamentos cotidianos.
Entretanto, alguns pesquisadores questionam essa relação pelo fato de que essas pesquisas consideram apenas a mobilidade rotineira, ou seja, aquela realizada durante a semana, e não levam em conta a mobilidade de lazer, mais ocasional e, consequentemente, mais difícil de ser descrita e analisada. Entre esses pesquisadores estão Jean Pierre Orfeuil e Daniel Soleyret, que, no início dos anos 2000, publicaram a respeito do que eles chamam de “l’effet barbecue”, ou, “o efeito do churrasco”. Esses autores analisaram a relação entre as mobilidades locais de curtas distâncias e as mobilidades de longa distância durante a semana e o final de semana em diferentes contextos de forma urbana na França. A conclusão a que chegaram foi de que os habitantes das zonas centrais deslocam-se mais frequentemente em função das atividades de lazer do que os habitantes das zonas periféricas, utilizando frequentemente meios de transporte mais poluentes, tais como o automóvel e o avião. Isso porque os moradores das zonas menos densas teriam um ambiente residencial mais favorável para passar seu tempo livre e fazer, por exemplo, o tradicional churrasco de domingo. Em contrapartida, os habitantes dos centros urbanos deveriam compensar a falta de um ambiente verde, calmo ou ao ar livre do seu lugar de residência e se deslocar mais frequentemente para o lazer.
Mas será que essas constatações são suficientes para inverter a lógica de pensamento na relação entre a forma urbana e a mobilidade? Provavelmente não. O pesquisador suíço Sébastien Munafó chama atenção para o fato de que algumas pessoas buscam, sim, a proximidade da natureza e o ar livre que lhes faltam durante a semana, configurando os chamados “deslocamentos compensatórios”. Porém, outros citadinos buscam simplesmente novas experiências e oportunidades urbanas em outras cidades. E existem ainda aqueles para quem férias obrigatoriamente são sinônimo de viagem e deslocamento. Nesse contexto, o “efeito churrasco” seria responsável por apenas uma parte dos deslocamentos de lazer. Assim, podemos nos questionar sobre qual ambiente de vida e qual forma urbana poderia oferecer, ao mesmo tempo, os benefícios da cidade densa e oportunidades interessantes de lazer.
Finalmente, essas pesquisas não servem à colocar em xeque a relação entre forma urbana densa e mobilidade sustentável, mas elas revelam a importância de considerar os deslocamentos eventuais, ou de lazer, na prática do planejamento urbano. O que importa não é apenas como nos deslocamos, a partir de qual meio ou a qual velocidade, nem apenas quantos somos a nos deslocar, mas, por que estamos em movimento? Esses estudos e reflexões demonstram a nós, pesquisadores, urbanistas e citadinos, a importância de pensarmos na mobilidade não apenas como um simples deslocamento de um ponto A a um ponto B, mas considerarmos todas as suas dimensões, inclusive a social, em termos de práticas e significações.
_______________________
Fontes:
http://fr.forumviesmobiles.org/projet/2014/11/27/cadres-vie-modes-vies-et-mobilites-loisirs-2694
Newman, P. W. G. e Kenworthy, J. R. (1989). Cities and Automobile Dependence: An International Sourcebook. Aldershot, UK: Gower.
Orfeuil J.-P., Soleyret D. (2002). Quelles interactions entre les marchés de la mobilité à courte et à longue distance?. RTS (Recherche-Transports-Sécurité), Vol. 76, p. 208–221.