O impacto do setor de transportes é percebido quando deixamos de lado terminologias para pensar em nosso dia a dia. A maneira como nos deslocamos e as condições desse deslocamento podem influenciar positiva ou negativamente nossa saúde e bem-estar. Nossas vidas estão intrinsecamente ligadas ao simples ato de ir de um ponto a outro; falar de transportes, portanto, é falar de um dos aspectos que estão na essência do dia a dia em ambientes urbanos.
No domingo (6), um dia inteiro de discussões foi reservado ao transporte sustentável no Transport Day, organizado pela SLoCaT Partnership(Sustainable, Low Carbon Transport) em parceria com a Bridging the Gap Initiative (BtG Initiative) e Michelin Challenge Bibendum. Em um auditório lotado por cerca de 250 pessoas, dezenas de painelistas passaram pelo palco para debater soluções de transporte sustentável que as cidades podem adotar para reduzir emissões e qualificar a mobilidade.
A apenas alguns quilômetros do International Union Railway Headquarter, onde aconteceu o evento, a COP 21 aos poucos encaminha-se para a consolidação de um novo acordo climático entre as nações. O futuro do planeta está em discussão, e o momento é propício para integrar o transporte sustentável na agenda climática global.
As cidades já são responsáveis por três quartos das emissões em escala global, e, até 2050, estima-se que a frota de automóveis deva triplicar em todo o mundo – o que deve acarretar também o aumento das emissões. Mudanças estruturais no setor, contudo, podem ajudar a evitar um cenário desanimador. A tecnologia, nos últimos anos, abriu muitas possibilidades para a mobilidade urbana. O uso de veículos elétricos e combustíveis menos poluentes, o investimento no transporte coletivo de qualidade e alta capacidade, como o BRT, sistemas de compartilhamento de bicicleta e a construção de infraestrutura para pedestres e ciclistas estão entre as medidas que colocam as cidades no caminho da mobilidade sustentável.
Não à toa, diversos países incluíram ações específicas ao setor de transportes em seus INDCs (Intended Nationally Determined Contributions), documentos que reúnem as contribuições estabelecidas pelos países para reduzir emissões. No total, 21% dos INDCs colocam o setor de transporte como chave para a adaptação às mudanças no clima. 133 deles direta ou indiretamente visam os transportes, somando 200 medidas de mitigação específica para o setor (veja ao lado(.
A mudança do transporte motorizado individual para os modais sustentáveis e ativos, por meio de investimentos e priorização, é um desafio político que gestores municipais precisam enfrentar se quiserem garantir saúde e qualidade de vida, tanto para o futuro quanto para o presente. Governos em todas as instâncias precisam agir para que o aumento da temperatura média do planeta fique abaixo dos 2°C, e fortalecer a mobilidade sustentável nas cidades é uma ação essencial, já que a maior parte das emissões em todo mundo tem origem no setor de transportes.
Perspectiva para 2050
Em 2050, haverá três vezes mais veículos nas ruas poluindo as cidades. Com os investimentos necessários e o uso inteligente da tecnologia, podemos evitar que os níveis de poluição aumentem na mesma proporção que o número de carros. Unidos, governos nacionais e estaduais podem auxiliar as administrações locais a avançarem no desenvolvimento urbano sustentável.
Ações de longo prazo são necessárias para que daqui a três décadas estejamos vivendo em cidades menos poluídas e mais sustentáveis. No Transport Day, representantes da indústria, de governos, da sociedade civil e do setor financeiro discutiram, a partir de iniciativas e políticas de sustentabilidade já existentes, como o setor de transportes pode se valer das inovações tecnológicas para avançar e se “descarbonizar” até 2050. Na visão de Robin Chase, empreendedora e fundadora do ZipCar, uma dessas janelas de oportunidade é a noção de compartilhamento: “O compartilhamento veio para mudar a maneira como nos relacionamentos uns com os outros e com as cidades. Bicicletas, caronas e veículos compartilhados podem contribuir muito para amenizar congestionamentos e poluição”.
As pessoas, hoje, estão acostumadas a usar seus carros. Esse é o comportamento que precisa mudar. E, uma vez que tendemos a estar cada vez mais conectados, a tecnologia desempenha um papel importante para essa mudança. As inovações tecnológicas tendem a evoluir ainda mais com os anos, e o mesmo vale para os transportes – é preciso lançar mão dessas ferramentas para tornar o setor mais limpo e eficiente: “Todos podem colaborar e ser parte dessa mudança. Juntos, podemos torná-la realidade. As menores ações positivas são melhores do que ação nenhuma”, afirmou Barbara Dalibard, CEO da SNCF Voyages.
O poder do transporte ativo
Ter a opção de caminhar ou pedalar para o trabalho e confiar no sistema de transporte coletivo nem sempre são vistos como privilégios, mas o simples fato de poder fazer essa escolha é um determinante para a qualidade de vida nas cidades.
Manoella Wilbaut, Vice-presidente de Soluções e Inovação da DHL, acredita que, quando o transporte coletivo funciona e leva as pessoas aonde querem chegar, ele é indubitavelmente melhor e mais eficiente que o carro, uma vez que não vem acompanhado pelos custos e pela preocupação com estacionamento e manutenção. “Até hoje não conheci ninguém que questionasse isso. Essa é a razão pela qual trabalhamos e precisamos continuar trabalhando para priorizar os modais coletivos e criar as condições para que aqueles que ainda não os utilizam mudem de comportamento”, apontou a especialista.
Sobre o potencial de transformador do transporte ativo, falou também o Diretor de Estratégia e Política Global do WRI Ross Center for Sustainable Cities, Holger Dalkmann. A bicicleta e a ferramenta são ferramentas para o desenvolvimento de sistemas de transporte de baixo carbono, e a prioridade desses modais no trânsito precisa ser posta em prática. Holger considera que as cidades precisam seguir modelos diferentes de ruas não só para qualificar a mobilidade como para proporcionar mais qualidade de vida e segurança: “Precisamos entender que segurança vai além de faixas de pedestres e, a partir desse entendimento, trabalhar em uma nova agenda de segurança viária – com a promoção de acessibilidade, infraestrutura e a partir de um design urbano que privilegie as pessoas”
Depois de Paris: não podemos parar agora
Na medida em que a COP 21 aproxima-se do fim, surge uma nova discussão: como manter a agenda e de fato implementar as ações que foram propostas e debatidas até aqui.
A mobilidade sustentável pode e vai reduzir as emissões de carbono, melhorar a qualidade de vida e aumentar a segurança. Porém, para que todos os discursos sejam convertidos em ações – para que as mudanças deixem de ser palavras e sejam vistas e sentidas pelas pessoas em seu dia a dia nas cidades – vontade política é essencial.
Antes de tudo, vem o entendimento de que os diferentes setores – transportes, planejamento, infraestrutura, meio ambiente – precisam estar alinhados, a fim de realizar um trabalho integrado e efetivo nas cidades. Em seguida, é importante manter a consciência de que o setor de transportes, como maior originário de emissões, é o que tem também o maior potencial para reduzi-las – e por isso ações específicas fazem toda a diferença.
De modo geral, como explicou Andre Dzikus, da UN Habitat, ainda seguimos um modelo de planejamento em que os transportes determinam como as cidades serão, quando deveria ser o contrário. Gradativamente, porém, as coisas começam a mudar e há motivos para sermos otimistas e não desistirmos da causa:
Hoje, vemos em cidades de todos os continentes experiências exitosas de sustentabilidade, iniciativas que estão transformando a forma como as pessoas se locomovem. Aos poucos, as cidades estão se tornando lugares melhores, onde as pessoas se sentem seguras, felizes e acolhidas. É uma questão que depende de políticas públicas, econômicas e ambientais, mas sobretudo de uma mudança cultural profunda. Não podemos parar agora.
Carolina Torra, Prefeita de Santiago