Agora só chove às quintas. Foi esta a nossa última façanha antes de adotarmos outro método de experimentação da vida. Minha geração, diferente da de meus pais, não enfrentou a ira de uma geração anterior que se agarrava na possibilidade de um antagonismo vindouro que encerraria quaisquer vislumbres de conquistas. Não os culpo. Viveram em tempos de bomba atômica, de domínio imperialista. Agarravam-se àquilo que achavam ser tecnologia. Nós não. Fomos sortudos. A minha geração dialogou não com esta, mas com uma anterior que tinha um único objetivo: ter objetivos. Eles construíram a base teórica para que pudéssemos tomar ação. Eliminamos todas as formas de combustíveis fosseis, por exemplo. Entretanto, ainda temos os acidentes viários. As inteligências que dirigem nossos carros insistem em continuar errando. As máquinas que nos ajudaram a controlar as chuvas também se tornaram muito autoconscientes. Os diferentes tipos de processador entendem seus softwares de direção defensiva como sendo os melhores. Apesar de eu ter crescido acompanhando a evolução delas, entendo quase nada. As máquinas, ao contrário, entendem quase tudo. Reflexo invertido dos criadores. O mal do século, diferente da geração anterior, é a falta de objetivos. Mas referenciar e conquistar, sempre no sentido de preservação da própria casa: o planeta. As chuvas de quinta estão aí para nos mostrar do que nossa espécie é capaz. Há quem diga que as máquinas, uma hora ou outra, vão cansar disso. Nos dominar. Sensatas que são, farão com jeitinho. Vão nos manter dentro de um sistema até cansar. Assim como nós cansamos dos mais velhos por seus hábitos substanciais. Por insistirem em usar guarda-chuvas antiquados enquanto nós, os novos donos da razão, sentimos a água atingindo o topo de nossas cabeças para, então, tomar todo nosso corpo num abraço molhado. Benditas quintas.
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A série Mobilidade em 1 Instante, do TheCityFixBrasil, é movida pela fotografia. Trazemos imagens que nos inspiram e que permitem uma reflexão sobre a mobilidade e a vida nas cidades. Se você quiser participar, com um texto ou uma fotografia, será muito bem-vindo a bordo! Escreva para nós: cidades@wri.org