Os países e as cidades que querem promover e desenvolver o uso da bicicleta precisam fazer uso de instrumentos de gestão, economia, política e infraestrutura para tal. Para que se consiga dar prioridade aos deslocamentos feitos a pé, é necessária a construção de infraestrutura para otimizar o caminhamento e torná-lo seguro, agradável e o mais curto possível.
As ruas, por si só, no contexto motorizado do século XXI, perderam sua função inicial: circulação de veículos, cargas e pessoas. Para que essa lógica seja reconstruída, é preciso que os diversos atores sociais ajam e conquistem o disputado e conflituoso espaço das cidades grandes.
Cada cidade, para construir sua política de prioridade aos pedestres, deve se conhecer bem e compreender suas limitações políticas, sociais, econômicas e também territoriais.
Paris, que possui não mais que 11 km de raio (1), é uma cidade que um cidadão consegue cruzá-la com não mais que duas horas de caminhada. Esse fator geográfico da cidade, somado aos investimentos na estrutura para pedestres, faz com que a cidade alcance índices de quase 80% dos deslocamentos de casa para se fazer compras sejam feitos a pé. Na média, as pessoas que caminham em Paris correspondem a mais de 60% dos deslocamentos feitos na cidade (2).
Caminhar pela cidade é uma forma de contribuir para a melhoria da mobilidade urbana e a prefeitura de Paris tem valorizado isso através da promoção de ações normativas (produção de leis), urbanísticas (planejamento da estrutura urbana) e sociais (realização de concursos, enquetes, campanhas de incentivo ao caminhamento).

Rua com prioridade total aos pedestres e com velocidade máxima de 15 km/h. (Foto: Guilherme Tampieri)
Nesse ínterim, a prefeitura criou a “Paris Pieton Iniciative”, que tem por objetivo promover junto aos departamentos de estradas e transportes, normalmente ligados à promoção de viagens motorizadas, uma visão sobre as questões relacionadas aos pedestres. Para tal, a abordagem é interdisciplinar e a participação dos cidadãos é encorajada para que as pessoas compreendam aquele espaço (as ruas, calçadas e espaços públicos) e se empoderem dele.
O processo
Num primeiro momento, a prefeitura identificou quais áreas ela gostaria de tratar. Logo em seguida, convidou vários atores locais (lojistas, comerciantes, moradores e outros) para mostrar a eles estes novos conceitos, especialmente o de Zone de Rencontre (3), e como esta mudança na forma de enxergar o bem (espaço) público poderia trazer melhorias para a qualidade de vida dos locais.
Associações e cidadãos organizaram atividades lúdicas, jogos e caminhadas e mostram o valor do espaço público às pessoas. Foram realizados workshops junto com estes atores para planejarem, com a colaboração de técnicos, o que queriam para as ruas da cidade. Processos educacionais foram fundamentais para fazer os motoristas entenderem que a relação com aquele espaço teria que mudar e que perderia a prioridade que, antes, tinha.
Por fim, com diversos outros atores envolvidos (arquitetos, urbanistas, pessoas da área da cultura, etc) foi o momento de colocar a mão na massa: remoção de vagas para carros, plantação de sementes, colocação de banheiros públicos, aumento das calçadas e implantação de ciclovias.
As possibilidades de se recriar o espaço urbano através da ação coletiva e colaborativa são imensuráveis e os gestores públicos, técnicos, coletivos e organizações sociais e a população parisiense sabem disso.
Um dos produtos dessa iniciativa foi a expansão das novas Zonas 30 (4) na cidade que, em 2013, representavam um terço das ruas da cidade (5). As proximidades de todas as escolas de Paris tiveram esse tratamento implementado. As Zona 20, ou Zones de Recontre, foram criadas com o objetivo de, ao invés de somente garantir a segurança do pedestre, dar a ele a prioridade naquela rua. Ainda que existam calçadas, o pedestre poderá trafegar ‘no meio da rua’. A própria pintura da representação da Zona 20 é elucidativa para mostrar a lógica desta retomada das ruas. Nela, o pedestre possui o maior tamanho. Em seguida está o ciclista. E o menor desenho é o do carro.

Sinalização de uma Zone de Rencontre demonstrando a ordem de prioridade pelo tamanho do desenho. (Foto: Guilherme Tampieri)
Após anos de acúmulo no investimento em calçadas e processos de incentivo ao caminhar, Paris se destaca como uma cidade, além de linda, deliciosa para ser percorrida a pé. A Cidade Luz está longe de ser perfeita e ainda possui inúmeras ruas e calçadas chatas para se caminhar e zero por cento acessíveis (e tampouco que tenham um desenho universal), mas o esforço (pequeno) da atual prefeitura em continuar incentivando o caminhar merece destaque, mas com uma ressalva: até fevereiro de 2015, a cidade contava com uma profissional específico para lidar com o planejamento urbano para o caminhar.
(1) Paris intramuros (os 20 arrondissement da cidade);
(2) Bilan des deplacements a Paris 2014;
(3) Espaços nos quais a velocidade máxima é limitada a 20 km/h e os pedestres têm prioridade total para circular na rua e os demais veículos (bicicletas e também os motorizados) precisam respeitar isso;
(4) As Zonas 30 e as Zonas 20, chamadas de Zone de Recontre, foram criadas através de um decreto de 2008. Disponível aqui;
(5) Mapa mostrando os tratamentos da cidade.