Por Eveline Trevisan, Guilherme Tampieri e Marcelo Cintra*
Em uma jornada de aventuras e possibilidades, Marco Polo, personagem do livro Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, conta sua passagem a inúmeras cidades possíveis, por 30 meses ao grande conquistador Kublai Khan, durante o século XIII. No livro, Polo passa por locais que encantam e repelem, atraem e amedrontam. Extremos que, de alguma forma, têm uma base comum: Veneza, sua cidade natal e referência para fabricar e desconstruir mitos.
Este texto também é sobre uma jornada, vivida por nós três no último mês de abril. Estivemos na Europa, como parte do projeto SOLUTIONS, iniciativa da União Europeia que incentiva a troca de experiências entre cidades. Dentro deste projeto, Belo Horizonte e Bremen, no norte da Alemanha, começaram uma parceria por soluções em mobilidade urbana. Com pouco mais de 500 mil habitantes, Bremen é uma referência em mobilidade, com um reconhecido Plano de Mobilidade Urbana Sustentável e tem 1/4 das viagens diárias realizadas por bicicleta.
Os números já impressionam, mas, visitando a cidade, fica ainda mais evidente que todos, independente de idade, gênero ou classe social, pedalam. Por esse motivo, o foco escolhido por Belo Horizonte para trabalhar foi justamente as bicicletas. Saiba mais sobre a parceria entre Bremen e BH.
Os viajantes
No final de 2012, nossos caminhos se cruzaram e, junto com outras tantas pessoas, começamos a trabalhar na construção conjunta e compartilhada de uma política de mobilidade urbana por bicicletas em Belo Horizonte. Dois de nós (Eveline e Marcelo) atuamos por dentro do poder público, na BHTRANS, e o terceiro (Guilherme) atua em organizações da sociedade civil, mas não temos apenas a bicicleta como preocupação, mas a cidade e seus diversos problemas e soluções, sejam técnicas e/ou políticas.
Tendo em mente os desafios urbanos e as questões políticas que eles envolvem, embarcamos na jornada em busca de inspirações. Atuamos na construção e fortalecimento de políticas voltadas à bicicleta, cientes de um fator essencial para tornar a mobilidade sustentável uma realidade: participação social e empoderamento de cidadãos no planejamento, execução e monitoramento das políticas públicas.
A troca de experiências entre pessoas, instituições e cidades é fundamental no processo de construção de políticas públicas em qualquer nível (local ou global). A participação pode legitimar as tomadas de decisão públicas e lançar luz a novas possibilidades e possíveis falhas.
Participação para criar soluções – as lições da viagem
Em dez dias na Europa, entre Bremen, Berlim e Paris, levamos como referência a realidade de Belo Horizonte, nossa Veneza, onde ainda é preciso desconstruir mitos, imaginar, planejar e desenvolver uma cidade diferente.
No caso desta viagem, a busca de “soluções”, pode ser o mote, mas não é o resultado da viagem. Diferentemente do turista, o viajante se transforma no percurso. E percorrer (e pedalar em) Bremen, Berlim e Paris, ao longo dos 10 dias, possibilitou que enxergássemos com atenção algumas questões semelhantes entre as três cidade:
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O uso da bicicleta tem planejamento contínuo. Há projetos e políticas públicas para promover o modo por parte do poder público;
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Os processos de implantação dos respectivos sistemas cicloviários e suas estruturas: ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas, vias compartilhadas e ruas de bicicletas;
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As associações locais atuam na promoção do uso da bicicleta nas cidades de forma crítica e propositiva;
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A relação direta entre sociedade civil e poder público na construção de políticas públicas de mobilidade por bicicletas;
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As zonas com velocidade máxima limitada: Zonas 30, Zones de Rencontre (Zonas 20) e ruas de pedestres; e
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A liberdade de uso da bicicleta. Os ciclistas compartilham vias e calçadas, podem usar o contrafluxo de uma via em mão única e circular em parques: o Bike Sauf ou Bike Frei ou ‘Exceto bicicletas’.
Ao longo das próximas semanas, escreveremos sobre cada uma das cidades visitadas e explicaremos como Belo Horizonte está se planejando para ser uma cidade mais amiga do ciclista – o que já tem sido feito e o que está por vir.
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* A viagem a Bremen dos representantes da BHTRANS (Eveline Trevisan e Marcelo Cintra) foi paga pelo Projeto SOLUTIONS, com verba da Comunidade Europeia. Os dias em Berlim e Paris, bem como a totalidade da viagem de Guilherme Tampieri foram totalmente cobertos com recursos próprios dos viajantes. Saiba mais sobre o SOLUTIONS.