O Rio de Janeiro é arrebatador. Basta caminhar pelo calçadão de Ipanema e Copacabana, por exemplo, para ser completamente absorto pela beleza natural da cidade e movimento das milhares de pessoas que circulam por ali. São avôs e pais com bebês e cachorros felizes, outros se encontram nos quiosques, muitos correm ou se deslocam em bicicleta e skate, desviando dos turistas que caminham sem pressa. Antes disso, porém, todos tiveram que enfrentar uma situação bem mais arriscada e difícil do que enquadrar o Morro Dois Irmãos na tela do Instagram: atravessar a Av. Vieira Souto e sair ileso.
Dos prédios da orla até o calçadão há pelos menos seis faixas destinadas aos carros que, por lei, podem circular a uma velocidade de até 70 km/h. A alta velocidade permitida em uma região de grande circulação de pessoas impressionou especialistas internacionais, na última semana, durante treinamento de segurança viária organizado por EMBARQ, PTV Group e a Universidade de Newcastle, no Rio. “Esse número não faz nenhum sentido”, surpreende-se Paulo Humanes, consultor português do PTV Group.
A velocidade com que os veículos passam a poucos metros – e às vezes centímetros – de pedestres e ciclistas pelas ruas cariocas assusta e mata. A taxa de mortalidade no trânsito do Rio é a mais alta entre 23 metrópoles mundiais pesquisadas: 15 por 100 mil habitantes, de acordo com dados do Ministério da Saúde (2014). A de São Paulo é de 13 por 100 mil habitantes.
O problema se estende em todo território nacional. Só em 2012, foram 44.812 mortes no trânsito brasileiro. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o país é atualmente o quarto no mundo em número de mortes no trânsito. “Se considerarmos a taxa de óbitos por 100 mil habitantes, o Brasil só perde para a Nigéria, que é a quinta colocada em números absolutos”, alerta Luis Antonio Lindau, diretor-presidente da EMBARQ Brasil.
O alto índice de fatalidades está diretamente relacionado à velocidade máxima permitida nas vias. Metrópoles tão populosas e visitadas quanto o Rio – como Nova York, Tóquio e Londres – conseguiram reduzir o número de acidentes com mortes para 2 por 100 mil habitantes. Essas cidades têm em comum os 50 km/h como limite máximo de velocidade estipulado por lei.
“O que mata, geralmente, não é a velocidade, mas sim a diferença de velocidade. Se um automóvel bate em uma bicicleta a 80 km/h, a probabilidade de o ciclista sobreviver é praticamente zero. Infelizmente essa é a realidade que encontramos aqui no Brasil”, explica Humanes.
Na maior parte dos países do mundo o número 50 vem salvando vidas. Isso ocorre porque a medida reduz muito a probabilidade de morte em colisões. À medida que a velocidade aumenta, o risco à vida também, mas de forma exponencial. De acordo com dados da OMS, as chances de um pedestre morrer em uma colisão com um carro a 40 km/h são de 36%. Já se o veículo estiver a 60 km/h, a probabilidade salta para assustadores 98%, chance praticamente zero de sobrevivência.
Além da alta velocidade, a orla carioca oferece outro grande risco a pedestres e ciclistas: as faixas reversíveis. De acordo com o horário do dia, sofrem alteração de sentido como forma de desafogar o trânsito nos picos. A medida foi muito criticada pelos especialistas durante o treinamento. Isso porque as faixas reversíveis confundem pedestres, mesmo os acostumados com a área, e também os motoristas.
“A priorização do tráfego de veículos em um local com grande circulação de pessoas é incompatível, uma vez que gera diversos conflitos, colocando pedestres e ciclistas em situações de risco”, alerta Marta Obelheiro, coordenadora de Projetos de Saúde e Segurança Viária da EMBARQ Brasil.
Ambiente viário bem projetado para salvar vidas
Essas estatísticas de mortes que, inclusive, superam as de muitas guerras motivam especialistas do mundo todo a buscarem soluções eficazes. As ações representam um avanço em relação aos tradicionais esforços de educação e fiscalização, que tratam o comportamento de motoristas e pedestres como única causa dos acidentes, e buscam qualificar o ambiente viário em prol de pedestres e ciclistas. Em outras palavras, ruas e avenidas devem acompanhar as necessidades das pessoas, dando prioridade a modos mais sustentáveis de deslocamento – transporte ativo, não motorizado e coletivo.
Uma simples pintura no pavimento para estreitar os raios de curva dos carros, ilhas de refúgio e mais espaços agradáveis para os pedestres são ações que podem garantir a segurança e o conforto para os que caminham ou optam por meios alternativos de mobilidade. Essas ações fazem parte do conceito de “ruas completas” que está levando mais conforto e segurança para as pessoas a partir de remodelações no ambiente viário.

Centro de Belo Horizonte passou por recente remodelação com projeto do BRT MOVE. (Antes: Google Maps/Depois: Luísa Zottis/EMBARQ Brasil)
Ruas completas. São aquelas desenhadas para garantir acesso seguro a todos os usuários da via – sejam pedestres, ciclistas, motoristas ou usuários do transporte coletivo – de diferentes idades e habilidades. Especialistas indicam que uma rua completa deve incluir os seguintes atributos, de acordo com as necessidades locais:
- Limite de até 50 km/h em zonas de grande circulação
- Medidas moderadoras de tráfego
- Acessibilidade universal
- Sinalização clara e orientada ao pedestre
- Mobiliário urbano útil (lixeiras, bancos, iluminação dos passeios, etc)
- Faixas de segurança em locais oportunos
- Estreitamento das travessias e ilhas de refúgio para pedestres
- Diminuição da oferta de estacionamento gratuito
- Ciclovias e/ou ciclofaixas
- Faixas de ônibus preferenciais/exclusivas
- Acesso facilitado ao transporte público e seus pontos de parada
Ah, e as faixas reversíveis ou em contrafluxo devem ser evitadas.
As ações listadas aí em cima estão sendo feitas por algumas cidades brasileiras e são passos possíveis que o Rio pode dar para deixar sua orla ainda mais agradável e, principalmente, mais segura. Quem sabe, em um futuro não muito distante, a Cidade Maravilhosa surpreenda o mundo apenas por sua beleza – sem mortes que poderiam ter sido evitadas.
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