Eu reclamava das minhas manhãs iguais. Carro, tranqueira, semáforo, tranqueira, tranqueira, cheguei.
Quando criança, sempre quis que meus caminhos fossem extraordinários, fora do comum. Desejei experiências que me inspirassem e me impulsionassem rumo a coisas novas, mais extraordinárias ainda.
Mas então eu cresci e, após 27 prestações, comprei um carro azul.
A película do vidro elétrico era tão escura que expulsava o sol do meu rosto. O ar condicionado simulava um clima que, sinceramente, passou a me irritar. E embora oferecesse proteção, o cinto de segurança me sufocava. Sentia meu carrinho azul, que usava pra t-u-d-o, como uma ferida na cidade. E pra mim, o que aos 18 anos já significara independência e revolução no modo de viver, virou uma prisão – no congestionamento, num mar de máquinas metálicas que emanavam cheiro ruim, no espaço morto na garagem e na grama que os pneus impediram de crescer.
Eu, que tomei as decisões mais relevantes da minha vida caminhando, fora dessa inércia, virei mais um cara comum dentro de um carro que ainda é do banco. Percebi: “eu não caminho muito, então não é todo dia que minha vida revoluciona”.
Ok. Hoje vou a pé.
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