
Congestionamentos são problemas crescentes nas cidades, prejudicando todos. Mas há uma estratégia contra eles. (Foto: rod amaru/Flickr)
Passar a vida dentro do carro está tornando as pessoas menos felizes, menos saudáveis e mais distantes de suas famílias. A provocação foi lançada por Stuart Anderson, da consultoria global Steer Davies Gleave (SDG). Se por um lado este caminho parece não ter volta, a boa notícia é que, por outro, existe uma estratégia para mudar de direção. É a gestão de demanda de viagens (GDV), pauta de workshop realizado nesta terça-feira (23) em São Paulo, fruto de parceria entre WRI Brasil, Grupo Abril e SDG, e que integra a programação daVirada da Mobilidade, com apoio da EMBARQ Brasil. No encontro, Anderson compartilhou sua experiência em países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Taiwan e Tailândia, entre outros, com a implantação da GDV em uma série de organizações, mostrando as principais práticas e desafios em tornar a estratégia um sucesso.
O cenário é um velho conhecido. Oito da manhã, você sai de casa para mais um dia de trabalho. Pega o carro sozinho. O congestionamento toma forma e você fica preso no trânsito. Pois esta rotina tem um preço e dos altos. Em São Paulo, cada indivíduo perde em média um mês ao ano no trânsito. Anderson alertou que congestionamentos são problemas crescentes no mundo todo e que, nos horário de pico, cada deslocamento demora de 30% a 50% mais do que em outros horários do dia. Nos Estados Unidos, disse, este desperdício de tempo representa 78 bilhões de dólares a menos, além do prejuízo à saúde e ao bem estar de toda a cidade – incluindo das empresas.
“Este tópico é importante especialmente em cidades em crescimento como São Paulo”, enfatizou Stuart, ao resumir o conceito da gestão da demanda de viagens. “É um conjunto de estratégias para reduzir as viagens individuais motorizadas em benefício de empresas e colaboradores”. Ou seja, GDV consiste em oferecer alternativas de transporte e de trabalho eficientes aos colaboradores. Algumas alternativas, como a carona, as vans, os ônibus fretados, as bicicletas, o teletrabalho e o horário flexível têm se mostrado eficientes financeira, social e ambientalmente. Sobre os principais resultados, Stuart afirmou que estratégias de GDV reduzem até 25% dos deslocamentos; geram de 2 a 4 licenças médicas a menos por ano; e aumentam, em média, 12% na produtividade do colaborador.
Por onde começar?
O especialista listou três recomendações para a implantação da GDV. A primeira é fazer uma análise de localização – tanto da empresa quanto de onde funcionários vivem. “O design do local é crítico para definir as alternativas viáveis e inviáveis. A empresa é acessível a pedestres e bicicletas ou ao transporte coletivo? Em muitos casos há transporte coletivo, mas não há acesso – falta uma faixa de pedestres, por exemplo, pois a travessia é arriscada”. No caso de caronas, há que averiguar o ponto de encontro in loco.“Ter percepção da acessibilidade, da segurança, se o local é escuro ou não, por exemplo, fará toda diferença para as viagens compartilhadas obterem sucesso”.
Uma experiência trazida pelo especialista ilustra esta necessidade. No supermercado Walmart de Denver (EUA), diagnosticou-se que o ponto de ônibus estava próximo aos caminhões de abastecimento do mercado. Não era seguro nem agradável, especialmente às mulheres. Acordou-se então, com a prefeitura, a troca para uma melhor localização. Esta, conjuntamente com outras iniciativas relativas à GDV na organização, gerou um aumento de 10% para 60% na quantidade de funcionários utilizando meios de transporte alternativos em vez do carro individual. Em outra empresa, o especialista relatou que o difícil acesso a serviços era uma justificativa das mais recorrentes pelo uso ao carro, como o caixa eletrônico. “A partir disso, instalamos o equipamento na empresa e o problema foi resolvido. Não é mais preciso de carro para ir ao banco, consequentemente nem ao trabalho. O mesmo se aplica a serviços como academia, supermercado etc”, disse.
O segundo critério é a coleta de informações dos colaboradores. Nos Estados Unidos, comum é reuni-los conforme endereços com o mesmo código postal para discutir as opções. “Às vezes, quando esse encontro acontece, alguns colegas ficam inclusive surpresos por seus filhos estudarem na mesma escola pela proximidade de suas residências”, contou, acrescentando: “aí eles dizem: por que não vamos de carona?”.
Em terceiro lugar, e ponto de partida para moldar o projeto, é reunir o departamento de recursos humanos, a gerência do prédio onde fica a empresa e representantes dos departamentos-chave da organização. Eles devem conversar sobre as opções tangíveis que poderão ser oferecidas, qual é a flexibilidade da empresa e outros aspectos. “Este é o início. É preciso saber quais direções o projeto tomará e isso é definido a partir deste encontro. Cada empresa tem suas próprias características e cultura empresarial. É preciso colocá-las na mesa para definir como estas estratégias vão operar”, salientou o especialista.
Propaganda: a alma do negócio
Stuart surpreendeu o grupo ao afirmar que a GDV é uma questão de marketing. Sob este viés, explicou que não se trata simplesmente de oferecer as opções de transporte e horários flexíveis, mas de convencer funcionários que elas são melhores que o carro. Como fazer isso? Recompensando e criando benefícios – sem esquecer de um ingrediente fundamental: a criatividade. “Precisamos vender opções que convençam as pessoas. Se você quer convencer seus funcionários a largar o carro, não fale apenas em sustentabilidade, fale sobre vantagens pessoais, recompensas”.
Uma empresa de tecnologia nos Estados Unidos que implantou a GDV já contava com uma espécie de rede social interna para seus funcionários. A gerência, então, criou um “selo” para quem fazia determinadas viagens de bicicleta a cada semana. “Descobrimos que os colaboradores queriam o selo no seu perfil, ou seja, a estratégia deu mais certo do que recompensas financeiras antes oferecidas”.
Outro bom exemplo de criatividade vem de outra empresa que, ao disponibilizar certo tipo de ônibus, viu sua produtividade crescer. “Com assentos que podem ficar de frente uns aos outros, alguns funcionários voluntariamente passaram a utilizar o deslocamento para debater e criar novas ideias. Ou seja, utilizam o tempo de deslocamento para trabalhar, consequentemente produzindo mais”, explicou.
Por outro lado, é preciso tomar certos cuidados que garantam sucesso à estratégia. “Estou trabalhando com uma universidade que pretende iniciar a cobrança de estacionamento aos funcionários, mas ela ainda não criou as alternativas de transportes. Categoricamente recomendei que não. Eles precisam primeiro das vans, dos carros compartilhados, bicicletas – ou seja, de toda a operação montada e operando antes de começar a cobrança”.
Do presidente ao estagiário, ir ao trabalho de forma menos estressante é um bem precioso. E as escolhas de cada colaborador podem, de fato, ser influenciadas pelas empresas, como acabamos de ver. Mas não há fórmula pronta. Cada organização tem sua cultura, seus valores e sua visão. É preciso estudar o contexto corporativo, desenvolver o programa, convencer os funcionários – com recompensas, benefícios financeiros ou de outros tipos (relembrando a criatividade), e contribuir para que, juntas, as organizações impactem toda uma cidade para melhor.
“Precisamos de campeões. Pessoas que disseminem o conceito de gestão de demanda de viagens. Que convençam a empresa que é preciso pensar no deslocamento dos funcionários, para melhorar toda a comunidade de São Paulo. Espero que daqui pra frente vocês se tornem embaixadores desse assunto” celebrou Stuart ao fim das atividades.
Acesse aqui a apresentação feita por Stuart Anderson.