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12º Dia Sem Carro em Bogotá

Ônibus, táxis e ciclistas tomam as ruas no dia sem carro em Bogotá. (Foto: Carlos Pardo)

Por Dario Hidalgo, diretor de Pesquisa e Planejamento da EMBARQ

Bogotá (Colômbia), a cidade do TransMilenio e do Domingo das Ciclovias, passou novamente pela celebração anual do Dia Sem Carro, na última quinta-feira (2), para provar que a vida sem automóveis é possível em uma cidade grande. O congestionamento foi um pouco amenizado e a qualidade do ar, em parte, melhorou (como a cada ano). Algumas pessoas mudaram suas rotinas e os táxis tiveram o melhor dia do ano. Os bicicletários de algumas universidades estavam lotados. Mas a vida continuou sem muito problema. Com tão pouco problema, que o prefeito Gustavo Petro estava comemorando o “Dia Internacional do Pântano”, nos poucos banhados preservados da cidade, ao invés de discutir o significado do dia sem carros com a imprensa, a sociedade civil e os especialistas.

Por quê? Bem, 75% dos bogotanos não têm nenhum carro durante os 365 dias do ano. A propriedade de carros ainda é muito baixa, já que a maioria das pessoas se desloca a pé ou com os transportes públicos. Naturalmente, muitos desejam ter um veículo, mas apesar do recente crescimento nas vendas de automóveis, a maioria da população ainda não depende do carro.

História do Dia Sem Carro em Bogotá

Enrique Peñalosa propôs, em 1999, comemorar um dia útil sem o carro para provar que a cidade poderia funcionar sem a máquina maravilhosa que mudou cidades no século XX, e que está causando alguns dos problemas mais graves na vida de Bogotá. Isso foi apenas mais uma coisa dentro de sua agenda ambiciosa e, um tanto, bem sucedida para o transporte sustentável…. incluindo milhares de metros quadrados de espaços públicos, calçadas e praças reformados ou construídos; uma rede de ciclovias de 300 km e 42 km de BRT… ah, e uma proibição bem severa do uso do carro (-40% em horários de pico, de acordo com a placa). Ele realmente queria que as pessoas percebessem que precisávamos depender menos da motorização e decretou o primeiro dia sem carro na primeira quinta-feira do novo milênio.

Logo, ele solicitou a assembléia da cidade para aprovar um plebiscito, na qual os eleitores de Bogotá decidiram manter a data todos os anos. O processo de votação foi contestado pela Retail Federation (Fenalco), que estava preocupada com as empresas que seriam afetadas, mostrando dados que eram difíceis de serem verificados de fato. Mas em uma cidade com poucos proprietários de carros particulares, menos congestionamentos nas ruas significava uma festa para a maioria. Nessa votação, houve inclusive um pedido para proibir completamente o uso de carros durante o dia até 2015, mas essa proposta não obteve os votos necessários para ser aprovada. No final, Bogotá não teve um mandato popular para trabalhar no sentido de se tornar a primeira grande cidade sem carros do mundo.

Se você quer saber mais sobre as cidades sem carro, visite o site http://carfree.com/, onde você encontra até mesmo um manual explicando como desenvolver uma cidade assim.

O Estado do Transporte Público Hoje

O progresso internacionalmente reconhecido de Bogotá no início da década passada sob o comando de  Enrique Peñalosa, seguido por Antanas Mockus e Luis E. Garzón, perdeu todo o impulso na administração passada de Samuel Moreno, que terminou seu curto mandato, sob acusações de corrupção. A cidade aumentou sua frota de veículos, a infraestrutura se deteriorou, e a construção de novas linhas de Bus Rapid Transit (BRT) sofreu atraso. A proposta de um metrô ainda está no papel. Em novembro passado, os bogotanos elegeram Gustavo Petro, ao invés de Enrique Peñalosa, com uma pequena margem de diferença – 32% contra 27%.

Gustavo Petro prometeu um metrô, um sistema de trem metropolitano regional e uma expansão do BRT. Ele também sugeriu a ideia do pedágio urbano para substituir a hedionda proibição do Pico y Placa – uma política de redução dos congestionamentos que restringe a circulação dos automóveis a partir do número da placa, parecido com o “Rodízio”, de São Paulo. Ele também precisa concluir a reorganização de todos os serviços de ônibus da cidade para criar um sistema integrado, o que foi acertado na administração passada, e que deve mudar a cara do transporte público de Bogotá. Hoje, os passageiros de transporte público de Bogotá estão divididos entre o TransMilenio (26% das viagens de transporte público) e os micro-ônibus desorganizados, que lutam por passageiros nas ruas (74% das viagens de transporte público). Que desafio!

Com tudo isso em mente, a cidade celebrou o primeiro dia sem carros da administração de Gustavo Petro, que anunciou que as zonas banhadas serão poupadas na construção de uma via expressa urbana (Avenida Longitudinal de Occidente), e que o terreno preservado seria, eventualmente, usado para construir escolas conectadas por um trem de superfície.

O Debate

O prefeito e sua equipe foram convidados pelo coletivo “Bogotá Como Vamos?” para discutir planos de mobilidade no Dia Sem Carro da cidade. O prefeito não compareceu, mas ainda assim o debate foi rico e interessante. O “Bogotá Como Vamos?” é uma iniciativa da Fundación Corona e da Casa Editorial El Tiempo (uma importante mídia impressa local), e tem sido um observador atento de todas as administrações municipais desde Peñalosa, combinando pesquisas de percepção do usuário, com medidas diretas e opiniões de especialistas.

No dia 02 de fevereiro, os organizadores do evento levantaram duas questões aos participantes em um fórum aberto, coorganizado pela Fundación Ciudad Humana e com apoio da French Development Agency (AFD), do Banco Mundial e da Corporação Andina de Fomento (CAF): 1) Bogotá está pronta para um pedágio urbano? e 2)Como financiar o transporte público? As pessoas listadas abaixo fizeram parte do debate:

  • Felipe Targa, Vice-ministro dos Transportes
  • Mauricio Cuéllar, Especialista-sênior do Banco Mundial
  • Juan Pablo Bocarejo, Professor da Universidad de los Andes
  • Juan Carlos Florez, Membro do Conselho da Alianza Social Indígena (ASI)
  • Diego Sánchez, Corporação Andina de Fomento (CAF)
  • Xavier Hoang, Agence Française de Développement (AFD)
  • Camila Rodríguez, Banco Mundial
  • Jorge Acevedo, Professor da Universidad de los Andes
  • Gloria Stella Díaz, Membro do Congresso, MIRA
  • Luis Felipe Lota, Departamento de Planejamento Nacional da Colômbia
  • Soraya Azán Otero, Corporação Andina de Fomento (CAF)
  • Darío Hidalgo, EMBARQ (produtora deste blog)

Os debates foram moderados por Ernesto Cortés e Yesid Lancheros, do jornal El Tiempo. As conclusões foram entregues por Claudia Dangond, reitora de Ciências Políticas na Pontificia Universidad Javeriana; Alexandra Rodríguez, membro do Conselho do Bogotá Como Vamos?; e Ricardo Montezuma, da Fundación Ciudad Humana.

O Vice-ministro dos Transportes, Felipe Targa, que chegou pedalando ao encontro, apresentou as políticas nacionais para o transporte urbano, que incluem apoio a sistemas de transporte de massa e a reorganização dos ônibus em cidades de grande e médio porte no país. Ele apresentou novas políticas para o desenvolvimento de sistemas urbanos integrados, a criação de espaços públicos, mecanismos de captação de recursos e taxação do congestionamento, e novas tecnologias para veículos de transporte coletivo – o que constitui uma agenda política progressista que foca na mudança de paradigmas, com diversas barreiras institucionais, financeiras e técnicas a frente.

Participar de um debate aberto sobre o pedágio urbano foi reconfortante, sobretudo por que este assunto não costumava entrar em discussão. Especialistas argumentaram em favor dessa medida como uma estratégia necessária, e o membro do Conselho, Florez, disse estar pronto para apoiar a medida, caso o financiamento seja destinado a melhorar o transporte coletivo. Díaz defende que não é a favor de medidas que afetam a classe trabalhadora, que lutam para possuir e utilizar um veículo, porém é a favor dos mecanismos para captação de recursos.

Alguns argumentos interessantes surgiram, como o fato de que a classe alta está pagando um alto valor em pickups e veículos blindados, para os quais as restrições de automóveis não se aplicam; ou que muitas pessoas até compraram um segundo carro para evitar a proibição. O dinheiro parece estar disponível, mas não está indo para os cofres da cidade para financiar a melhoria do transporte público. Houve também o reconhecimento de que os usuários atualmente pagam para usar a estrada sob a forma de congestionamento e frustração, não só em pedágios.

Sobre a questão dos mecanismos para financiar o transporte público, houve também o consenso geral de que se as cidades estão prestando serviços de boa qualidade, então os subsídios são necessários. A preocupação é onde a cidade pode conseguir os fundos necessários. Xavier Hoang, da AFD, apresentou um estudo sobre o tema, com exemplos de São Francisco (estacionamentos), Curitiba (Vale-transporte), Copenhagen (desenvolvimento imobiliário integrado ao transporte), São Paulo (transferência de potencial construtivo), e Hong Kong (desenvolvimento integrado ao transporte de massa); e notas de outras boas práticas.

Especialistas concordam que existe a necessidade de fontes mistas: impostos sobre os combustíveis, captação de recursos para melhorar a acessibilidade, estacionamentos, pedágio urbano e até leilões de licenças (como em Xangai). Houve também consenso quanto a necessidade de o transporte coletivo ser de alta qualidade para atrair usuários do transporte motorizado particular (ou pelo menos para não perder seus usuários, como está acontecendo para as motos de baixo-custo).

Quando foi pedido para estabelecer prioridades na agenda da cidade, vários participantes sugeriram concentrar esforços em uma boa execução do sistema integrado de transportes (SITP), e algumas pessoas indicaram que havia uma necessidade urgente de melhorar a qualidade do serviço prestado pelo TransMilenio. Alexandra Rodríguez do Bogotá ¿Cómo Vamos? também alertou para a finalização da fase III do TransMilenio, que está em construção há cinco anos e ainda longe de iniciar as operações; e por uma definição mais sólida sobre o futuro da Carrera 7a – um projeto de BRT que virou de VLT, ainda sem um caminho claro.

Em resumo, muitas propostas foram postas na mesa. As autoridades locais devem passá-las à mídia, que não estava presente.

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