
Especialista em saúde e mudança climática analisa os desafios do setor de transporte. (Foto: Mariana Gil / EMBARQ Brasil)
Lançada na COP-17, Conferência do Clima de Durban, África do Sul, em dezembro passado, a nova publicação da série “Saúde na Economia Verde”, da Organização Mundial da Saúde (OMS), faz uma crítica construtiva ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC – sigla em inglês), criado em 1988 pelo Programa das Nações Unidas pelo Meio Ambiente (PNUMA) e Organização Meteorológica Mundial (OMM).
O novo relatório da OMS “Cobenefícios para a saúde na mitigação das mudanças climáticas – setor de Transporte” enfatiza a necessidade de se estabelecer uma visão multidimensional quando o assunto é mobilidade e saúde climática do planeta. O IPCC é um instrumento que faz recomendações e influencia políticas internacionais.
Para falar sobre este e outros temas, a EMBARQ Brasil (produtora deste blog) recebeu o Coordenador de Intervenções para o Meio Ambiente Saudável, Dr. Carlos Dora, do Departamento de Saúde Pública e Meio Ambiente, da OMS.
1. Qual a análise que os senhores fizeram sobre o IPCC?
O painel tem recomendações setoriais, como transportes. Para cada setor, eles recomendam uma série de políticas para mitigar as mudanças climáticas. Vimos que estavam com o viés exclusivamente sobre o CO2 e não olhava outros aspectos, como questões ambientais, sociais, qualidade de vida. Temos uma perspectiva mais ampla, pois a preocupação não é apenas o clima, em relação ao transporte, pensa-se também no acesso, condições de mobilidade razoável e sustentável. Temos a questão da saúde, espaço urbano, poluição do ar, atividade física, entre outros fatores.
2.Como foram trabalhadas as recomendações ao IPCC?
O que fizemos foi pegar as mesmas políticas que o painel tinha recomendado e avaliar o quanto conhecíamos, daquelas políticas, sobre seus impactos positivos e negativos para a saúde. Documentamos com muito detalhe. Se avaliarmos a questão do diesel, por exemplo, vemos que ele não é a melhor solução, pois produz muito material particulado e faz muito ruído. Então, podemos ver que há outras opções que deveriam ser mais bem exploradas.

3.O relatório da OMS faz recomendações sobre o transporte público associado ao transporte ativo. Pode comentar?
A principal mensagem desse relatório é a questão do transporte público associado ao espaço para pedestres e ciclistas, que é a grande solução na perspectiva de saúde e sustentabilidade. Então, documentamos que estudos científicos demonstram isso. Basicamente, fizemos uma recomendação apontando que os cobenefícios são muito grandes seja para a saúde ou para o social.
4.Quais as conseqüências que pretendem alcançar com essa análise ao Painel?
A próxima análise do IPCC, que será apresentada em 2013, terá de levar em conta os aspectos que abordamos. Adiantamos o trabalho, já fizemos uma revisão de literatura, análises, recomendações. Essa é uma responsabilidade que temos, clarear quais são as políticas que um governo deve tomar. Por exemplo, se for tomar uma decisão na área de transporte, é importante que saiba que ao optar pelo BRT (Bus Rapid Transit), associado à bicicleta e à caminhada, deve ter conhecimento que esse é um modelo que produz emissão de gases, mas também traz benefícios para saúde, redução de acidentes, melhoria da qualidade do ar, etc. Essa é a mensagem principal do livro.
5. Como o senhor vê o Brasil nesse debate?
O Brasil está num ótimo momento, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo estão chegando, haverá investimento em infraestrutura. A atitude (classe política) é muito boa, acho que estamos num momento inicial no sentido de que as políticas vão ser implementadas, os financiamentos estão sendo confirmados.
6.Qual a sua opinião sobre a Década de Ação pela Segurança no Trânsito, da ONU?
É muito importante, pois acidente de trânsito é uma tragédia 100% evitável. O que me preocupa é que a gente desvincula o acidente de trânsito do próprio trânsito, das causas básicas. E se opera muito enfocando na causa imediata, como problema no desenho da esquina, a necessidade do capacete do ciclista, o cinto de segurança. Temos que vincular o acidente de trânsito às soluções. E as melhores são as que também diminuem a poluição do ar, criam espaço público para atividade física de pedestres, facilitam a vida dos ciclistas.
7.Qual o desafio desta iniciativa da ONU?
O que vai resolver é eu ter um sistema de transporte que produza menos acidentes. A questão fundamental a ser analisada é essa: qual o sistema de transporte que produz mais acesso, mais qualidade de vida, menos acidente, mais atividade física? Esse é o modelo que precisamos e não uma solução aqui e outra lá desencontradas.
8. Qual o impacto do setor de transportes sobre as mudanças climáticas?
O transporte é um dos grandes fatores, embora dependa do país. Ele é responsável por cerca de 20% das emissões, mas o problema do transporte é que ele está piorando cada vez mais enquanto outros setores melhoram seu impacto na mudança climática.
9. A que se atribui essa piora do setor sobre a mudança climática?
Cada vez há mais carros e com motores maiores, ainda que os motores sejam mais eficientes e um pouco mais limpos. Por que a Europa não diminuiu a poluição nos últimos dez anos, por exemplo? Embora tenha todas as leis, melhoras tecnológicas, a poluição do ar está estável. Cada carro é muito melhor do que era, mas hoje tem muito mais carros. Então, no total, na Europa se produz mais gás de efeito estufa, mais particulado. O tema é não ser contra o carro, mas não depender diariamente dele para fazer as coisas básicas.
10. Se a Europa, que tem sistemas eficientes de transporte coletivo, passa por isso, o que se pode esperar de países como o Brasil?
É uma questão de modelo de desenvolvimento. O Brasil é possivelmente um dos países com melhores condições de criar novos modelos. O país está crescendo muito, enquanto a Europa está estagnada, os Estados Unidos também se encontram numa crise econômica. Os países que estão crescendo, como os BRICS (Brasil, Rússia, China e Índia), é que irão mostrar os novos modelos e dos três (Brasil, China e Índia), o Brasil é o que tem um compromisso social mais evidente. Internacionalmente, é um país de liderança no sentido da igualdade e do desenvolvimento com compromisso social.